ENTREVISTA, PARTE I >> Rui Fonte pendurou as chuteiras na certeza que não valia a pena passar por mais dores nem beliscar trajeto de superação. No Braga viveu relação de amor e doces conquistas. Etapa nos bancos começa como adjunto nos bês
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Rui Fonte ergueu a sua história, passou por Sporting e Benfica, viveu sonho no Arsenal e despediu-se castor. Em Braga juntou prazer, realização e sentimento de pertença. Deixa de jogar para ser adjunto na equipa B arsenalista.
Que sensações mais o dominam neste fecho de capítulo entre títulos, memórias e frustrações?
— Sinto que tive a carreira que fiz por merecer, nem para mais, nem para menos. Vivi o handicap das lesões, mas fica o sentimento de dever cumprido. Dei o melhor por todos os clubes, treinadores e colegas. Olho para trás com alegria e orgulho, ciente que somei experiências que me vão ajudar.
Não atribui o desvio de rota mais gloriosa às lesões?
— Não quero estar ressentido. Fica essa dúvida, esse sabor agridoce. Realmente sofri as duas primeiras lesões graves de forma consecutiva no Benfica: num jogo da equipa B, depois decorridos sete meses no primeiro treino, duas roturas no mesmo ligamento. Mas estava perante um momento difícil familiar e o facto de ter ficado parado ajudou-me a assentar ideias, a pensar em mim e descansar a cabeça. E consequência ou não do que aconteceu, a minha carreira correu melhor depois, mesmo podendo considerar que essa fase do Benfica correspondia a um período de afirmação.
O que absorve como mais enriquecedor e construtivo da sua carreira?
— A experiência com 16 anos no Arsenal foi marcante, definiu o homem em que me tornei. Também a primeira Taça de Portugal pelo Braga, jogando e marcando nessa final. Essa foi simbólica, aconteceu 50 anos depois da primeira. Junta-se a experiência das lesões, algo que tem um prisma muito mau, mas também envolve muita aprendizagem. Tentei fazer isso, colocar tudo em perspetiva e tentar ser um exemplo para outros colegas de profissão, que se pode superar algo tão traumático. Nesta carreira, todos os dias vive-se algo novo, uma brincadeira. Vou ter saudades, mas há um novo capítulo a abrir-se.
Deixar de jogar foi uma decisão mais fácil com este convite do Braga à porta?
— Havendo um fechar de ciclo e abrir de outro, facilitou a decisão de terminar. Estou contente por voltar a um clube que escolhi ser o meu. Não nasci braguista, mas tornei-me, fiz questão que os meus filhos fossem sócios, levo-os ao estádio. Sinto uma responsabilidade grande de representar este clube e retribuir o tanto que me deu.
Como se tornou alguém tão dedicado ao Braga?
— O Braga foi fundamental para mim a partir do momento que deixei o Belenenses. Também foi fundamental pelo apoio que me deu na lesão que foi, talvez, a mais complicada. O clube traduz-se em pessoas e tive uma cumplicidade incrível dos fisioterapeutas, que estavam sempre com atenções e preocupações comigo; todo o tipo de detalhes, se precisava de gelo. Fiquei marcado por várias atitudes, enquanto jogador tentei retribuir ao clube e a uma cidade que defini como casa. E depois há a Taça, em que fui titular e marquei, após três meses lesionado. Foi o auge!
Isto de virar as suas competências para o banco era um desejo com anos?
— Os meus colegas, mais do que eu, sabem dessa vertente, gosto muito de tudo o que envolve o papel de treinador e até dirigente. Gosto de ajudar de fora, foi sempre algo presente. Tento perceber o jogo, as movimentações de cada colega, as exigências de cada posição. Também questionava os treinadores e refletia sobre o que pretendiam, umas vezes mais convencido do que outras. Pelas minhas características, como nunca fui rápido, desde cedo preparei-me para antecipar jogadas e tentar ganhar vantagem. Só que, por vezes, os pés não acompanhavam a cabeça.
Reentra em Braga numa fase que se deu um reforço da ambição interna. Sintonia com esse ADN vencedor?
— É o que se tem de passar, querer mais e fazer por isso. É decorrente do sucesso do clube, do crescimento de infraestruturas, de haver cada vez mais qualidade interna. Há um crescimento enorme e sustentado, obra e bases para continuar a crescer. Basta ver os jogadores que o Braga lançou e vendeu. E pensar nos que podem ser vendidos. Este é o passo, perceber que não será só valorizá-los, será fazê-los crescer mais tempo dentro do Braga. O grande trabalho pela frente é fazer com que ganhem títulos pelo clube, será o expoente máximo do que se pode ambicionar. E no seu apogeu entrar na luta de campeão, que já esteve perto noutros anos. Será sequência do trabalho de muita gente, dos alicerces alcançados. Será mais tarde ou mais cedo.
O que espera acrescentar na equipa B?
— Cabe-me aprender ao máximo, tentar executar. Aprender com quem leva isto há mais tempo, que percebe mais por um percurso diário. E que sabe o que a profissão representa. Já tenho o nível UEFA B, fiz algumas formações para ser um passo seguro ao deixar de jogar. Tinha planeado, se não surgisse o projeto certo, falar com alguns técnicos para fazer estágios e observações, era um ‘backup’. Mas surgiu o projeto certo, no sítio certo.