TEMA - Bruno Paixão arrecadou no último ano como juiz 44 mil euros brutos e diz-se em "falência técnica" para tentar explicar a sua inocência no âmbito do processo "Saco Azul". Como em quase todos os outros sectores, também na arbitragem a distância nas remunerações de Portugal para os principais campeonatos da Europa é abissal. Um juiz espanhol, por exemplo, pode ganhar de vencimento base quatro vezes mais do que um árbitro internacional português, e a diferença é ainda superior se for um inglês.
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Investigado no âmbito do processo "Saco Azul" por suspeitas de corrupção, envolvendo o Benfica, Bruno Paixão terminou em 2021 uma carreira de 30 anos. Começou como árbitro entre 1990/1991 e terminou como videoárbitro. Na sequência deste caso, que continua a fazer correr muita tinta, o antigo árbitro disse estar em "falência técnica" para sublinhar a sua inocência. Bruno Paixão recebeu quase 44 mil euros brutos no último ano como árbitro.
Como em todos ou quase todos os outros sectores laborais, também no que concerne às retribuições na arbitragem, Portugal fica a léguas dos valores que se praticam lá fora, neste caso nos principais campeonatos do Velho Continente.
A Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) estuda a possibilidade de em breve dialogar com a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e Liga, a fim de alterar as atuais tabelas remuneratórias. A última mudança verificou-se em 2019, após oito anos sem modificações. Nessa altura, houve um aumento de 10 por cento nos prémios dos árbitros, o maior de sempre. Nada, porém, que se compare ao que se verifica neste sector no estrangeiro.
No máximo, um árbitro internacional português (e são poucos os que têm o estatuto profissional) recebe de salário base 2500 euros/mês (mais ou menos 30 mil por ano), mais um subsídio de treino de 500 euros e um pouco menos de 1500 euros por jogo. Ora, olhando apenas para o tal salário base bruto, um árbitro que dirija jogos na Premier League tem garantidos 141 mil euros/ano e este valor pode alcançar uma dimensão superior se atingir um patamar de eleição e dirigir jogos das competições europeias, encontros de seleções ou participar numa grande prova internacional. Isto quer dizer que um árbitro em Inglaterra pode ganhar cinco vezes mais do que o homólogo português. Ou ainda que o árbitro Michael Oliver, 37 anos, supera nesta dimensão o mais destacado árbitro luso, Artur Soares Dias.
Em Itália, um juiz com as mesmas características do primeiro, garante à cabeça 80 mil euros brutos e um árbitro-assistente 24 mil euros - em Portugal estes, mesmo sendo internacionais, não têm um vencimento base. Em França, o salário sobe de nível, com os árbitros de elite a chegarem aos 80 mil euros líquidos/ano, baseados num ordenado de quase 6500 euros/mês e um prémio de quase 3000 euros por jogo. Espanha também está no topo, apresentando uma retribuição base de 132 000 euros/ano (quase cinco vezes mais do que em Portugal) e mais 4200 euros por jogo. No VAR, um juiz ganha 2100. Estudos no país vizinho, revelam que em média um árbitro dirige 20 partidas por ano e é videoárbitro noutras 20 ocasiões. É só fazer contas... Mas também nas divisões secundárias há um mundo a separar os países da Península Ibérica. Ali, um juiz tem de ordenado base seis mil euros e 1800 euros por cada partida que dirige. No VAR, são 900 euros por jogo e os árbitros-assistentes recebem 850 euros, mais duzentos euros do que o quarto árbitro - na Liga Sabseg, um árbitro tem de rendimento 1032 euros por jogo.
Na Alemanha, os juízes com as insígnias da FIFA auferem 80 mil euros/ano, mais dez mil euros do que os árbitros com pelo menos cinco anos a dirigir partidas na Bundelisga. Os recém-chegados, arrecadam 60 mil. Todos eles juntam mais cinco mil euros por cada jogo. A Bundesliga II também é generosa, atribuindo uma compensação fixa de 40 mil euros/ano e mais 2500 euros por jogo aos árbitros e 1250 aos assistentes.
As diferenças de ordenados poder-se-iam esbater com os prémios por jogo, mas, na realidade, intensificam-se. É que enquanto Portugal paga 1476 euros por partida, a Alemanha dispara para os 5000 euros, a Espanha está nos 4200, a França na fronteira dos 3000, a Itália nos 3800 e a Inglaterra, neste caso menos exuberante, nos 1400 euros.
Euromilhões: provas internacionais desejadas
Dirigir um jogo da Champions - no caso português, só Soares Dias o faz - ou estar numa fase final de uma competição de seleções é tudo o que os árbitros desejam. O prestígio é importante, mas financeiramente é gratificante estar num desses eventos. Por exemplo, no Mundial"2018, a FIFA estabeleceu como vencimento fixo dos árbitros 57 mil euros, mais 2500 euros por jogo. Para os árbitros-assistentes, o valor base foi de 20 mil euros e 1600 por partida. Na Champions, para alguns árbitros, noventa minutos podem valer quase dez mil euros.
Curiosidades
Inglês Mike Dean é considerado o campeão da remuneração
O árbitro Mike Dean, de 53 anos, atua na Premier League desde 2000 e é considerado o juiz mais bem remunerado do mundo. Segundo algumas publicações, ganha 240 mil euros/ano entre os jogos na liga inglesa e as partidas internacionais. Michael Oliver e Martin Atkinson também estão no topo.
Kuipers, o milionário dos supermercados
O neerlandês Bjorn Kuipers, que comandou a final do Euro"2020 entre Inglaterra e Itália, no Estádio do Wembley, é o árbitro mais rico do mundo do futebol. Mas a fortuna de Kuipers não vem da arbitragem, antes da sua rede de supermercados, que se estende entre os Países Baixos e a Bélgica. O património é avaliado em mais de 130 milhões de euros.
Clattenburg é o rei das arábias e de algumas polémicas
Mark Clattenburg é o dirigente máximo dos árbitros na Arábia Saudita e por essas funções arrecada 600 mil euros. O ex-árbitro da Premier League tornou-se polémico ao afirmar que as mulheres teriam que decidir entre ter filhos e uma carreira na arbitragem.
Neerlandeses mais contidos mas previdentes
Nos Países Baixos a remuneração base dos árbitros é muito inferior à dos campeonatos mais mediáticos da Europa. Um juiz ganha 4800 euros de vencimento base por ano e, de acordo com o escalão em que está inserido (internacional ou não, número de jogos na liga, etc) é integrado no nível 1, 2 ou 3, auferindo 3400, 2800 ou 2200 euros por jogo. No fim da carreira, os árbitros recebem um subsídio de integração de 80 mil euros.
Três questões a Luciano Gonçalves, presidente da APAF
"Preocupo-me com Bruno Paixão"
1 Leu e ouviu as entrevistas de Bruno Paixão. Que comentário faz?
Preocupo-me com Bruno Paixão como me preocupei com o caso de Marco Ferreira quando deixou a arbitragem. Preocupo-me com os árbitros que deixam a arbitragem e sentem dificuldades em fazer a gestão financeira do que ganharam nesta profissão. Temos a obrigação de ajudá-los. Não posso dizer mais nada em relação a esta questão, só isto.
2 E o que pensa a APAF fazer para resolver estes casos?
Uma das nossas principais preocupações prende-se com o pós-carreira, criar condições, um fundo de pensões, para que os árbitros se reintegrem na sociedade sem problemas. Isto porque aos 45 anos são velhos para a arbitragem e para voltarem às profissões que tinham antes. Na Holanda, por exemplo, existe um subsídio de integração. A formação, até na área da gestão de carreiras, é outra das nossas preocupações. Queremos alagar o número de árbitros e assistentes e estar permanentemente representados nas grandes competições. Vamos continuar a lutar por isso, sabendo que não é fácil para Portugal ter vários árbitros nas principais provas.
3 Os anos passam, fala-se sempre muito, mas a contestação aos árbitros continua. Afinal, de quem é a culpa?
Temos trabalhado muito. A arbitragem está a evoluir, a intenção é trabalhar bem em ambientes mais pacíficos. Quanto maior é o ruído maior é a probabilidade de errar. É assim em qualquer área. Têm de ser as pessoas a mudar o estado do futebol para bem da nossa área. Dirigentes? Não vou entrar por essa vertente. As pessoas sabem o que têm de fazer.