<strong>ENTREVISTA (Parte 2) - </strong>Entre milhares de telefonemas, mensagens e visitas, Ricardo, que venceu um cancro, escolhe uma por ser inesperada. "Espero que não fique chateado por eu contar...", desculpou-se pela inconfidência.
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O momento em que o presidente portista entrou no quarto de Ricardo também foi assunto com O JOGO nesta parte da entrevista, com o guarda-redes a cometer a inconfidência por fazer questão de que todos saibam.
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Falou nos seus pequenitos. Os seus filhos perceberam que o pai teve uma doença grave?
-A minha filha [4 anos] não tem ainda essa perceção. E eu e a minha esposa, em casa, combinámos nunca falar do problema, nem expô-los a isso. Mas o meu filho de seis anos já é muito perspicaz, muito atento. Na onda de solidariedade que se levantou, o meu telefone tocava a toda a hora. Muitas vezes, os meus filhos iam ouvindo, mesmo eu achando que não percebiam. Ele sabia que o pai tinha um cancro, mas achava que o cancro era uma coisa completamente curável no joelho. Ele perguntava porque é que eu naquela fase estava sempre em casa e não em Chaves, a treinar e a jogar. E eu dizia que tinha um problema no joelho e estava a tratar-me para voltar a jogar. Quando tudo passou, ele confrontou-me e perguntou-me se eu tinha cancro. Fiquei surpreendido. Pensamos sempre que as crianças estão no mundo delas, mas elas percebem.
"O meu filho perguntava-me porque estava sempre em casa e não em Chaves. Eu dizia-lhe que era uma lesão no joelho"
Falou de milhares de mensagens e manifestações de carinho recebidas. Respondeu a todas?
-[interrompe] Aproveito esta entrevista para agradecer a todos do coração e pedir desculpa por não conseguir responder a toda a gente. Tive milhares e milhares de mensagens a que não consegui responder. Eu sei que as pessoas só queriam dar uma palavra de solidariedade, mas, para mim, era um momento de privacidade e era mais importante o sossego e não estar a repetir sempre o que se tinha passado e o que se iria passar.
Alguma dessas manifestações o sensibilizou particularmente?
-A minha família foi excecional, mas não esperava outra coisa. Mas vou confessar aqui uma coisa: recebi uma visita no IPO que me emocionou bastante e me deixou comovido, que foi a de Pinto da Costa. Não sei se ele vai ficar chateado por eu ter contado, acho que não, mas fiquei extremamente comovido. Não estava à espera. Eu estive um ano no FC Porto e até lhe disse que não tinha sido uma pessoa que marcou propriamente o clube. Mas Pinto da Costa disse-me que às vezes há pessoas que passam menos tempo e marcam mais do que outras que passam lá mais anos. Fiquei muito sensibilizado.
Falou com o Nuno Pinto, do V. Setúbal?
-Sim, fomos colegas em Setúbal. Falei com muitos colegas. E falei com o Paulo Grilo, que joga no Lourosa e teve o mesmo problema oncológico. Há muitas pessoas que nos contactam para contar situações semelhantes que correram bem, para nos irem acalmando. Isso deu-me sempre muita força para andar motivado.
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O seu caso soube-se muito depressa e o Ricardo fez questão de tornar o caso público. Porquê?
-Achámos melhor contar a verdade. Disse ao Chaves que não tinha nada a esconder, nem problemas nenhuns em contar. Antes contei à minha família toda; são as pessoas que eu mais amo, a minha esposa, pais e irmãos. Custou-me, mas não tive problemas em contar, porque eles são um amparo para mim e eu sabia que me iriam dar ainda mais amor e carinho, ser o meu porto de abrigo. Os meus colegas souberam pelas pessoas do Chaves.
SER TITULAR E SUBIR PARA AGRADECER
Com um agradecimento franco "às claques e adeptos do Chaves, à SAD flaviense, na pessoa do sr. Francisco Carvalho, impecável e sempre a ligar", Ricardo recorda o primeiro jogo a que assistiu depois da operação e o aplauso coletivo de todo o estádio. "Foram muitas emoções à flor da pele", recorda. "No Chaves, senti-me sempre protegido e acarinhado", aponta. Talvez por isso queira retribuir. "Primeiro, sou capitão de equipa e tenho como prioridade ajudar os meus colegas dentro do balneário. O meu segundo objetivo é ficar bem fisicamente para poder voltar a ser opção. E não vou mentir, o meu intuito passa por voltar a ser titular da baliza do Chaves, respeitando sempre os meus colegas de baliza. Por fim, quero ajudar o Chaves a voltar ao lugar que merece. Uma das mágoas que tenho é a descida do Chaves e, se algum dia sair daqui, quero deixá-lo no sítio onde o apanhei, que é a I Liga", encerrou.
"EXPERIÊNCIA NO IPO SÓ ME ENRIQUECEU"
Onda de carinho do Instituto Português de Oncologia sensibilizou o guarda-redes, que, antes, até tremia só de lá passar.
Este período pareceu longo demais por não poder fazer o que gosta, ou agora parece curto por ter conseguido voltar tão cedo?
-Bem, foram cerca de dois meses e meio... Ao início, o cancro é uma palavra muito forte. Vou confessar uma coisa: eu antigamente passava em frente ao IPO e assustava-me.
"Peço que dê destaque a isto, pois quero agradecer a uma pessoa: a dr.ª Matilde. Foi o meu anjo da guarda"
Nunca tinha entrado nem a visitar alguém?
-Nunca. E quando passava ao lado, ficava sensibilizado. Mas acredita que, quando entrei a primeira vez, não senti isso? Senti uma grande onda de solidariedade, as pessoas que trabalham lá são fantásticas, amáveis, carinhosas. E vemos lá pessoas bem pior do que nós. E isso sensibiliza-nos. Eu pensava: aquela pessoa está pior do que eu e tem um sorriso na cara... Para mim, foi uma experiência incrível: só me enriqueceu como pessoa e homem. Não tenho palavras para descrever como fui tratado lá. E aproveito para poder agradecer a uma pessoa muito importante, a dr.ª Matilde. Foi incansável. Acompanhou-me e hoje em dia ajuda-me em tudo. Foi o meu anjo da guarda. Já lhe agradeci de diversas formas, mas, publicamente, queria agradecer-lhe a ela e a todas as pessoas que trabalham lá e tratam as pessoas com tanto carinho.