<strong>TEMA - </strong>A FPF crê que um abatimento na taxa do IVA pago pelos clubes na bilheteira não teria efeitos substanciais e que o Governo não dirá que sim a tudo. A alternativa sugerida é dar às equipas alguma margem para segurarem por mais tempo os jovens valores, mesmo que seja necessário abrir mão de outras benesses.
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Do momento em que a Liga Portugal pôs a correr um abaixo-assinado para exigir ao Governo que o futebol pague a mesma taxa de IVA da generalidade dos outros espetáculos (6%, como a música, a dança ou até a tourada), a proposta da Federação Portuguesa de Futebol aos clubes segue em sentido contrário.
Foi proposto aos clubes que se desvalorize o tema da redução do IVA e que se use a eventual abertura do Governo para proteger os clubes formadores
Em resultado do recente estudo coordenado pelo CEO Tiago Craveiro, a FPF sugeriu aos presidentes da I Liga que, em vez de gastarem a bala de prata com uma medida de resultados duvidosos e limitados a uma mão-cheia de clubes, apostassem em usar a abertura do Governo para garantirem um desconto de 50% no IRS dos jogadores portugueses abaixo dos 23 anos.
O Imposto Sobre o Rendimento (IRS), ou seja, sobre os salários dos jogadores, é considerado uma batalha perdida pelos clubes profissionais há muitos anos, por sentirem que nenhum Governo terá a capacidade de enfrentar o eleitorado com uma medida que seria fatalmente impopular. Já a questão do Imposto de Valor Acrescentado (IVA), que coloca o futebol no mesmo patamar (23%) da indústria pornográfica, seria diferente, por expor uma arbitrariedade evidente. Os problemas detetados pela FPF, e comunicados aos clubes na última reunião com a FPF, são dois. O primeiro é o da tal bala de prata, ou seja, a de que o Governo talvez satisfaça uma exigência, mas não estará disponível para todo um pacote fiscal que favoreça o futebol; por isso, a medida a propor deve ter um efeito máximo na vida do futebol profissional. E aí entra o segundo problema. O IVA incide sobre as receitas de bilheteira, que são significativas apenas para uma mão-cheia de clubes. Para a maioria, a redução teria um peso simbólico, sim, mas não aliviariam a tesouraria nem, provavelmente, o corte teria reflexo no preço dos bilhetes, para o adepto.
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Por outro lado, a FPF tende a concordar com a tese em voga de que não é possível convencer os políticos a tomarem uma medida tão radical como a famosa Lei Beckham (ver artigo ao lado), com que a Espanha protegeu fiscalmente a contratação de atletas estrangeiros, e que os italianos vão reeditar a partir de janeiro. Em 2020, os profissionais de alto valor, no futebol e em várias outras áreas, poderão imigrar para Itália pagando apenas 50% das contribuições exigidas aos locais. A experiência espanhola acabou extinta justamente por causa do mal-estar social que gerava. O fim da Lei Beckham chegou a ser bandeira de campanha de alguns partidos nas eleições legislativas.
O que propõe então a FPF? Trocar uma medida que já está em vigor por outra potencialmente bastante mais valiosa. Desde há dois anos, a lei incentiva o regresso de portugueses ao país com o abatimento de 50% no pagamento de IRS. Para tanto, impõe-se que os cidadãos tenham estado mais de cinco anos no estrangeiro. O efeito prático da medida foram regressos esporádicos de jogadores bem cotados, mas em fim de carreira ou perto dela, como Danny (Marítimo), Pepe (FC Porto) ou Neto (Sporting). A Federação sugere que se negoceie com o Governo para abdicar da presença do futebol neste pacote legislativo, em favor da criação do mesmo desconto nos impostos, mas para os portugueses abaixo dos 23 anos, o que daria aos clubes ferramentas para segurar mais algumas épocas os valores emergentes, tirando partido deles desportivamente ou até vendendo-os em condições menos desfavoráveis.
O tema faz parte de um conjunto mais vasto de alterações que têm vindo a ser estudadas em conjunto pela Federação, pela Liga e pelos clubes da I Liga, e não está ainda fechado. Só no início do próximo ano haverá decisões quanto ao caminho a seguir.
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A medida italiana e o alerta espanhol
A medida fiscal italiana, que estará em prática a partir de janeiro e que não abrange apenas os atletas profissionais, implica taxar apenas metade dos salários brutos dos jogadores não-italianos sujeitos à carga fiscal correspondente ao seu valor (43% no escalão máximo/acima dos 75 mil euros anuais).
Tal passa a corresponder a uma taxa efetiva de 21,5% sobre o total do salário, menos de metade dos 45% que são praticados em Espanha e na Inglaterra, e ainda menos que os 53% de IRS em Portugal (para salários acima dos 250 mil euros/ano).
A partir de janeiro, os futebolistas estrangeiros têm um grande desconto fiscal em Itália
Faz sentido apresentar os valores máximos partindo do princípio de que os rendimentos anuais de qualquer futebolista em equipas de topo ultrapassa a cifra do milhão de euros anuais. Se tal, em Portugal, acontece com frequência no FC Porto, Benfica e Sporting, já nas cinco principais ligas - Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França - esses são valores bem mais comuns aos chamados emblemas de média dimensão.
Este "Decreto Crescita", que tem por motivação atrair competências internacionais para vários sectores da sociedade italiana, motivou um alerta em Espanha: o presidente de La Liga, Javier Tebas, fez notar que o campeonato tem vindo a perder competitividade, ao mesmo tempo que defende a homogeneização fiscal no futebol europeu: "Como essa harmonização está fora do nosso controlo, depende do nosso país alinhar-se com outros países europeus quanto aos sistemas fiscais com jogadores de futebol", escreveu num artigo recente no jornal "Expansión".
Portugal tem em vigor um regime especial fiscal, que visa o regresso dos cérebros e de profissionais qualificados emigrados, que permitiu, por exemplo, o regresso de Pepe (FC Porto) e Luís Neto (Sporting): o Programa Regressar, que serve qualquer cidadão que tenha tido residência fiscal em Portugal e tenha estado fora pelo menos três anos.
No que diz respeito a campeonatos com dimensão considerável, o da Turquia é o que melhores condições oferece. Tem, desde 2017 - deverá renovar no próximo ano -, um regime fiscal especial para o seu futebol, com uma taxa fixa de 15% sobre os rendimentos dos jogadores.
"Sem emoção, este negócio perde valor"
Luis Villarejo, diretor editorial de Desporto da Agência EFE, de Espanha, testemunhou a O JOGO as preocupações da liga do país vizinho sobre a redução fiscal que os italianos aplicaram ao futebol profissional: "É verdade que Javier Tebas, presidente de La Liga está muito preocupado com este assunto. A indústria do futebol em Espanha equivale a 1,37 por cento do PIB (Produto Interno Bruto). Por isso, considera que se trata de um sector que deve ser protegido, não descuidar e estar com atenção a outros mercados, como o italiano, que aplicam medidas mais leves no que diz respeito à retenção fiscal dos futebolistas profissionais."
Diretor de Desporto da Agência EFE, Luis Villarejo, fala sobre o impacto dos cenários fiscais no futebol
"Tebas pediu à Hacienda (ministério das Finanças espanhol) que aprecie com rigor este assunto. O desconto fiscal em Itália afeta todo o mercado espanhol, sobretudo os clubes da chamada classe média, não os grandes. Tebas não quer - seria um retrocesso para o valor da competição - que esses clubes possam perder jogadores como, por exemplo, o internacional Iago Aspas, do Celta de Vigo", exemplificou.
O jornalista, profundo conhecedor da indústria do futebol espanhol, argumentou ainda: "Esse perfil de futebolistas com categoria, que não chegam a um grande como o Barcelona, Real ou Atlético de Madrid, deve permanecer em Espanha para tornar o campeonato mais competitivo. E ao ser mais forte, aumentam as receitas de bilheteira e de televisão. Sem emoção, sem igualdade - mais ou menos - a Liga, como negócio, perde valor."
E deu um exemplo: "Há dois anos, o Bétis perdeu Fabián, então sub-21, que hoje é titular indiscutível da seleção. Foi para o Nápoles. O típico caso de um jogador médio com projeção, que um melhor regime fiscal permite ir buscar à formação, mesmo a um clube com dimensão social em Sevilha." Espanha experimentou, em 2005, uma medida semelhante à dos italianos. Atualmente suspensa, merece de Villarejo a seguinte opinião: "A Lei Beckham foi feita para favorecer futebolistas. Apareceu com o pressuposto de captar talento, competências de gestão e científicas de todos os que mudassem a sua residência para Espanha e assim desfrutassem das vantagens fiscais. A sociedade civil aceitou a sua entrada em vigor porque, à partida, não se destinava apenas ao futebol, mas sim para reanimar a economia nacional."