O Cine Futebol Clube deu-nos uma série de pontos de fuga para uma realidade que nos devolve a casa e torna alguns filmes particularmente "atuais". É só sentar-se no sofá
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O futebol em estado puro, o futebol da ilusão, o futebol da união ou outros ângulos para matarmos saudades do que mais gostamos e nos esquecermos de que, para já, os relvados têm de esperar.
Travado, também, pelo maldito vírus que deixou parte das nossas vidas em suspenso, o Cine Futebol Clube aguarda por melhores dias para celebrar a quinta edição, tantas quantos os nos anos que Portugal levará como campeão europeu. Foi na véspera da final do Euro"2016 que um grupo de amigos e jornalistas juntaram paixões (futebol e cinema) e estrearam um evento pioneiro no Porto, que ganhou raízes na cidade e até cresceu para concelhos vizinhos.
Apesar do intervalo, nunca os filmes sobre futebol nos pareceram fazer tanto sentido. O cartaz das quatro primeiras edições do Cine FC, o festival inédito de que falamos e do qual o JOGO até foi parceiro, é uma espécie de guia para a pandemia. Ou para melhor lidarmos com a quarentena. Nesse sentido, falámos com Ivo Costa e Rui Frias, dois dos promotores e pedimos sugestões diferenciadas que ao lado publicamos.
Com visões e escolhas muito particulares, há algo que se torna consensual: boa partes dos filmes documentários que o festival nos apresentou remetem para uma realidade que a pandemia atual tornou mais clara. E as sugestões que ao lado lhe apresentamos acabam por bater de frente com a realidade: desde a história de Kaiser, só possível num mundo não global, à viagem pelo Mundo de um casal que agora só é possível de forma virtual, terminando no poder do futebol enquanto ponto de fuga aos verdadeiros problemas.
"Nesta época de isolamento social, diria que televisão é uma janela em cada casa, cada filme é uma espécie de ida à rua e cada história é um ponto de fuga. O cinema tem esse papel, penso eu, ou pelo menos pode cumprir com esse papel, pelo menos para nós que amamos o futebol. Não há jogos, mas há muitas histórias sobre o jogo e estão devidamente retratadas e esta é uma oportunidade para um novo olhar sobre a modalidade", considera Ivo Costa, jornalista da Sport TV.
"Afinal, "o futebol é a coisa mais importante entre as coisas menos importantes". E, neste momento, há coisas muito mais importantes a tratar. O jogo segue para já nos ecrãs ou nos livros, onde não falta bom futebol para ir matando saudades", completou Rui Frias. Vamos a isso. Venham as pipocas.
A escolha de Ivo Costa (Jornalista da SportTV)
"Keiser: o melhor futebolista que nunca jogou futebol"
Dirigido por Louis Milles (2018 - documentário)
É a história do brasileiro Kaiser, que é conhecido como o melhor jogador de sempre que nunca jogou futebol. Ele dá a entender que é ser parecido com o Kaiser alemão, mas não, na realidade era por ser parecido, na sua forma, com uma lata de cerveja Kaiser. Retrata algo acontecido nos anos 80. É um jogador que fez toda uma carreira em vários países sem nunca ter sido futebolista, conseguia arranjar sempre uma forma de estar nos clubes durante algum tempo, arranjando sempre desculpas para nunca entrar em campo. Com isto, fez toda a carreira.
É uma história impressionante e, na minha opinião, contrasta fortemente com a globalização como hoje a conhecemos e sentimos até nisto da Covid-19. Hoje em dia seria impossível. O facto de ter vivido num momento distante permitiu desenhar uma história que hoje nos parece inacreditável. Aconselho o Kaiser como uma visita ao futebol da mentira, do espetáculo e da personagem única como era este o Kaiser. É até um ponto de fuga ao que hoje vivemos, sobretudo mergulhados tantas horas nas redes sociais, e para perceber como era o mundo sem as redes sociais e o que isso permitia.
As escolhas de Rui Frias (Jornalista do Diário de Notícias)
"Pelada: two players, 25 countries, one game"
Dirigido por Luke Boughen (2010 - documentário)
Escolhi este filme porque é um retrato muito simples e real da dimensão universal do futebol e da paixão que lhe está associada. Trata-se da viagem que um casal de norte-americanos, ambos ex-praticantes do "soccer" no colégio, resolve fazer por vários países do mundo à procura de testemunhar a pureza do jogo no terreno onde ela se exprime melhor, sem filtros, como o é o futebol de rua - ou, na famosa expressão brasileira que dá título ao documentário, a "pelada".
Luke e Gwendolyn cruzam continentes e culturas atrás de um futebol despido até à sua alma, longe dos holofotes e das câmaras de tv, o futebol ritualizado em qualquer pedaço de terreno onde se possa improvisar duas balizas e fazer correr uma bola. No fundo, o estado primário da nossa ligação afetiva ao jogo. Este é um roteiro que vai da China ao Brasil e atravessa 25 países ao longo de praticamente todos os continentes. E serve para valorizarmos coisas tão simples que nos habituámos a ter como adquiridas até há bem pouco tempo e das quais agora nos vemos privados sem saber quando as poderemos recuperar, como o são o futebol e as viagens.
"Lebannon wins the World Cup"
Dirigido por Anthony Lappée e Tony Khoury (2015 - documentário)
Da edição de 2018, escolho "Lebannon wins the World Cup". Este documentário retrata-nos o lado curativo do futebol e o seu poder para aproximar em volta da paixão pelo jogo até os rivais mais afastados. Neste caso, dois homens que estiveram em lados opostos das trincheiras na longa guerra civil do Líbano e que se encontram quase 15 anos depois do conflito para resolverem as feridas do passado em torno de uma paixão comum: a seleção brasileira, em pleno Mundial 2014. A mesma seleção brasileira que em 1982, no auge da guerra libanesa, conseguia fazer interromper os bombardeamentos durante hora e meia, com ambas as fações ligadas ao rádio a ouvir o relato das partidas do Brasil de Zico, Sócrates e companhia. Mais uma prova histórica da força do futebol mesmo em tempo de guerra, ainda que por vezes, como nestas alturas de inimigos sem rosto, o bom senso recomende uma pausa nos relvados.
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