Evento que encerrou o mês de junho trouxe de volta o grande Manchester United. Trocaram-se os ‘falsos’ craques da atualidade pelas lendas de Old Trafford, como Schemeichel, Ferdinand ou Cantona.
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Fez-se um carnaval fora de época, tributou-se o imaginário da Premier League dos noventas e honrou-se a melhor imitação. Não faltou boa disposição, maior confraternização e um troféu cheio de grandeza para o vencedor, além do regalo de um porco no espeto a rodar toda a manhã. Assim foi o Carnabol, mais uma edição com tratamento temático e sabor exótico. Aconteceu em Magoito, no concelho de Sintra.
Aceita o exercício e recua à Premier League dos noventas, a primeira era com esta designação: do domínio avassalador do United de Ferguson à pressão constante do Arsenal, os primeiros milhões do Chelsea, o grande Newcastle de Keegan, o Liverpool regido por Barnes ou McManaman, ou ainda a boa onda dos hammers. Tinha o West Ham Paulo Futre? Se te curvas a este cardápio de excelência, e às últimas grandes estrelas que mais dispensavam alarido de revistas, este é o evento que te preenche, que te brinda com incomensurável fartura de amores antigos, heróis cantados, cromos perdidos.
O jeito e a forma ficam em plano secundário, não ignorando ótimos apontamentos. Foi, mais que tudo, uma roda-viva de atrações estonteantes, uma completa perdição visual, agarrando pelo olhar aquela camisola que te faz viajar no tempo. De jogo em jogo, e nas bancadas, o flagrante desnorte de um rosto que se aproxima de Gascoigne, sem a fatura dos abusos — difíceis de transpor fidedignamente — ou uma imensidão de sósias, das mais tentadas às menos ousadas, de Cantona, Ginola, Vialli ou Bergkamp. Ou de Radebe e Yeboah, do Leeds, Rush e Barnes, do Liverpool. Há graus de capricho diferentes nas imitações. Bem, no geral, é mesmo um carnaval jogado fora de época, sem precisar da sua proclamação de fevereiro, generoso para a recriação de icónicas figuras, tocando memórias, acendendo o rastilho da fantasia em Sintra, no campo de futebol MTBA, na freguesia de São João das Lampas.
Já com algumas realizações desde 2022, mergulhando na temática dos grandes ou do Mundial de 1994, sem periodicidade rígida, o Carnabol reapareceu na agenda no final de junho, espalhando alegria pelo futebol e devoção pelos noventas. Fez-se história com a quantidade de craques encarnados, uma ode a imortais da bola, com Magoito no centro do mundo, com nomes de culto nas camisolas, embora esse impacto estivesse apenas reservado aos familiares que dominavam as bancadas. Entre o cabelo mais trabalhado, as perucas encomendadas, os disfarces caseiros, as patilhas mais apaixonadas, os adereços mais minuciosos ou o estilo mais copiado, deu para sorver essa imensidão de craques, um banquete momentâneo, num debate em que a fantasia superou a realidade. Giro de ver: Gazza a trocar as cervejas, bem ao dispor do freguês, por uma bifana — uma fúria súbita do estômago — ou um árbitro a carregar cervejas sem qualquer embaraço, denunciado pelos atletas que percebiam a gravidade do atrevimento. Coloccini e Philippe Albert, recuperados pelo Newcastle, protestavam a desfaçatez. Mas, a brincar a brincar, também se deram contextos mais alarmantes, com o craque do Liverpool, McManaman, a encantar nas fintas e no drible. Parecia veterano com escola, mas acabou estatelado, com o pé preso ao relvado. Foi assistido largos minutos e ficou como momento crítico do torneio, não desistindo do convívio nem do porco no espeto, mas ficando inferiorizado e, necessariamente, amparado por amigos.
O Carnabol puxa por aqueles que gostam da bola, mas que já não conhecem apuro de forma ao longo do ano. Nesse apelo ao sacrifício, esforço de um carrinho, desespero de uma impossível recuperação ou ânsia de mais um pique, com filhos e filhas magnetizados nas tuas façanhas, a manhã foi passando e oferecendo imagens de soldados mais quebrados pelas cãibras ou pancadas, doridos ou tremidos no andar. Sinal de que a competição foi boa. Mais fiéis à qualidade dos noventas, talvez o Manchester United, o Tottenham e o Chelsea.
“Antes de tudo, bom anfitrião”
Faz-se um pouco de história com a mente criadora do Carnabol, Lourenço Ferreira, que vestiu a camisola de Philippe Albert, pelo Newcastle. "Foi uma ideia minha, pouco tempo antes da pandemia. Ficou a marinar um par de anos até conseguir reunir os meus amigos neste evento. A motivação é essencialmente essa: uma reunião de amigos, que, entretanto, trouxeram amigos e o evento foi crescendo até à sua dimensão atual", descreve, pregando o quadro com uma moldura cristalina da evolução deste torneio que convoca desbunda num sortido de referências."A primeira edição foi marcante como culminar de uma ideia, de isolamentos e afins. O segundo ano, igualmente, porque ajustámos de um jogo de futebol de 11 para o formato atual de torneio de futebol de 8 — o que tornou tudo mais competitivo e divertido. Finalmente, a edição passada, focada no Euro 2004, já que a minha equipa conseguiu levantar o troféu — éramos Portugal. Fomos a coxear até à final, onde derrotámos os favoritos, a República Checa. Foi um momento marcante, não para mim, pois enquanto organizador nem faço questão de ganhar para ser bom anfitrião, mas, essencialmente, para os nossos filhos, que ano após ano nos apoiam desde as bancadas", atira, recortando pedaços de uma obra engrandecida pela amizade e pela comunhão de um futebol lendário. O Carnabol ganhou temáticas, mas arrancou livre. "Na primeira edição, cada um trouxe uma camisola vintage e jogámos claros contra escuros. A partir do momento em que passámos para um torneio de futebol de 8, passámos a fazer com temática e equipas. Já tivemos os ‘grandes de Portugal’, o ‘USA 94’, a ‘Taça dos Campeões Europeus’ e, em outubro passado, celebrámos os 20 anos do ‘Euro 2004’", rebobina Lourenço Ferreira, agradado com o circuito da informação sobre o evento e os entusiastas que se têm fidelizado em diferentes partes. "Temos emigrantes que fazem questão de marcar férias para a altura do torneio. E, nas inscrições, temos sempre uma ou duas equipas que viajam do Norte para participar e, por vezes, até levam a Taça para cima", atesta. Entretanto, a próxima edição do Carnabol terá o título de Lanterna-Vermelha, para lembrar clubes como V. Setúbal, Salgueiros ou Beira-Mar.
Sem espaço para o infame Crazy Gang
Num formato de oito equipas, houve quem se queixasse da falta do Blackburn, campeão nos noventas. A queixa do repórter veio da falta do Crazy Gang do Wimbledon. "A primeira coisa que ‘aviso’ cada novo jogador é sobre o facto de isto ser um jogo amigável, de veteranos, em que ninguém se quer chatear, muito menos magoar. Claro que há competitividade, mas ações menos elegantes são estritamente proibidas. Até porque temos dezenas de crianças a assistir ao evento", contextualiza, banindo um aspirante a Vinnie Jones da fita do Carnabol. "Como tal, um Crazy Gang do Wimbledon, que era temido pelas piores razões, não se coaduna com os nossos valores! Mas tivemos equipas fortíssimas a praticar futebol positivo… Na pândega, que é o mais importante, venceu o West West Ham”.
Aquele Chalana e o Valderrama
Num exercício de originalidade e criatividade nas imitações futebolísticas, Lourenço Ferreira também vibra com imagens que ficam perpetuadas para a história. "Ano após ano, aparecem imitações extraordinárias. Pela semelhança visual e também gestual. É também para isso que cá estamos, para homenagear quem nos deu inúmeros momentos inesquecíveis. E é por isso que, a cada edição, presenteamos a melhor imitação. Assim de memória, já tivemos um fantástico Roberto Baggio, Chalana, Carlos Valderrama, Jurgen Klopp, Ruud Gullit, Artur Jorge ou Paulinho Cascavel…", conclui Lourenço Ferreira, estimando disputa acesa pela conquista da nova edição. Não faltam pergaminhos nos participantes, ambições ao rubro, até porque há um troféu – uma réplica da que enobrece o Mundial – acrescentada, neste contexto, do desenho de dois lavagantes, em analogia a um apelido do organizador. Os jogos acontecem na manhã de sábado, dia 28, e prolongam-se até ao início da tarde.