Pinto da Costa lembra Viena: "Não vamos estragar o objetivo por causa da sauna"
Pinto da Costa recordou Artur Jorge e Tomislav Ivic na primeira parte do programa especial intitulado "Os Homens do Presidente", do Porto Canal.
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Aposta em Artur Jorge: "Conheci o Artur Jorge era ele júnior do FC Porto. Tínhamos alguma relação de simpatia. Eu era um apreciador da maneira de ele jogar. Reconhecia que a forma que o Artur Jorge tinha de ver o futebol tinha de resultar, mediante condições e apoio. Tinha conhecimentos dos métodos do Pedroto, porque tinha estado como adjunto em Guimarães. Tinha a escola dele. Quando disse ao Pedroto, que já estava doente, ele achou que era uma boa escolha. Fui a Lisboa, fui almoçar com o Artur Jorge num restaurante chinês próximo do Hotel Altis. Contou-me histórias do que tinha passado no Portimonense e eu disse: 'Quero que para o ano seja treinador do FC Porto.' E ele perguntou: 'Então e o senhor tem coragem de me convidar depois de eu ter descido o Portimonense?' 'Tenho, a não ser que não tenha coragem para vir. Mas não é para ir para o FC Porto por ir. É para ganhar' Ao que ele disse: 'Vamos ganhar!' E veio convicto de que iria ganhar. E assim foi, foi o primeiro treinador português campeão europeu."
Conversas: "Noventa por cento das conversas com Pedroto eram sobre futebol. O Artur Jorge gostava de falar de literatura, de música... E eu também gostava. Claro que também falávamos de futebol e do FC Porto, mas não era como Pedroto, que era obcecado pelo futebol. O intelecto de Artur Jorge não estava totalmente virado para o futebol. Artur Jorge tinha ideias e conceitos diferentes de Pedroto."
Jogadores: "No tempo de Pedroto, o FC Porto jogava muito bem, mas não tinha jogadores como teve o Artur Jorge, a começar pelo guarda-redes: o Mlynarczyk foi dos melhores guarda-redes que passaram pelo clube. Teve o Madjer, o jogador mais completo do FC Porto. O Gomes no expoente máximo. Com jogadores desse valor, mais necessário é ter jogadores com personalidade para pegar numa equipa."
Viagem à Dinamarca e final de Viena: "Por vezes, o Artur Jorge era tímido, sabia preparar a equipa, mas, por exemplo, fomos à Dinamarca jogar com o Brondby, lembro-me de que ele estava, não digo como vencido, mas sem aquela garra, e até fui eu que tive de motivá-lo, fui eu que falei com a equipa na noite da véspera do jogo. E quando fomos para Viena, em 1987, houve um jogador que de manhã foi para a sauna. E ele disse: 'Este gajo já não vai jogar.' Ao que eu disse: 'Artur, vamos ter calma. Se calhar ir lá até lhe fez bem... Nós estamos aqui para ser campeões, viemos armados em cordeirinhos para a matança, mas vamos ganhar. Não vamos estragar o nosso grande objetivo por causa da sauna. Ou somos campeões europeus hoje, ou nunca mais somos! Vamos ficar na história do futebol. Ser campeão contra um monstro como era o Bayern era para a história.' E aí ele ficou convencido e acho que o que disse ao intervalo foi fruto dessa convicção. E a nossa segunda parte foi de quem está louco para conquistar a vitória."
Tomislav Ivic: "O Artur Jorge ainda tinha contrato quando saiu, mas estava numa situação muito delicada, que eu, como amigo, compreendi. A mulher dele estava muito doente. Não convivia com ninguém, praticamente e disse-me que o sonho dela era morrer em Paris. Ele tinha a possibilidade de ir para o Matra Racing. Eu sabia que tudo era verdade e deixei-o sair sem qualquer indemnização, porque compreendi o problema terrível da vida dele. E entendi que tinha de mudar um pouco o esquema. Se viesse um treinador da escola Pedroto e Artur Jorge, seria sempre comparado. A comparação, fosse quem fosse, seria sempre negativa. Fazer melhor do que os dois era impossível. Resolvi procurar um treinador com prestígio, com noção do futebol para ganhar, conheci o Ivic, conversei com ele, almoçámos em Genebra, fiquei encantado... Fizemos logo táticas nos guardanapos, comecei logo a desenhar. Ele estava tão convicto, mostrou-se logo entusiasmado e nesse dia ficou assente que seria ele o próximo treinador. Assinámos contrato passado uns dias. Vencemos o campeonato com 15 pontos de avanço, ganhou a Taça Intercontinental e a Supertaça Europeia. Ficou marcado pelos êxitos na história do FC Porto. Uma pessoa fantástica."
Frase curiosa: "Em qualquer momento, só pensava em futebol. Ele tinha uma frase muito engraçada em dias de jogo. Perguntavam-lhe: 'Então míster, como está?' E ele respondia: 'Como um treinador em dia de futebol.'"
A tática sem Madjer: "Íamos jogar com o Ajax na Supertaça, uma equipa poderosíssima, e ele a dizer: 'Vamos ganhar. Eles contam com o Madjer e não vai haver Madjer. Vai por ali o Rui [Barros], a vir de trás como uma lebre!' E aconteceu exatamente como ele disse. Não perceberam que não havia ponta de lança e o Rui isolou-se três vezes, fazendo golo numa delas. Ivic tinha outro estilo, outra nacionalidade, mas ganhou!"
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