"Pedroto não tinha o discurso que tinha para me agradar. Tinha-o por convicção"
Na primeira parte do programa especial intitulado "Os Homens do Presidente", do Porto Canal, presidente dos dragões recordou a contratação de Pedroto.
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A decisão sobre o treinador como a mais importante do ano: "Sem dúvida. A escolha do treinador vai ter uma influência na vida do clube através do que for o futebol, porque o FC Porto é, em primeiro lugar, um clube de futebol, tem-no no nome. Se escolhermos bem, o sucesso é mais fácil. Se escolhermos mal, o insucesso está à porta. Nunca escolho sozinho, ouço sempre a opinião de todos sobre vários nomes. A única coisa combinada com todos os que convido para a direção é que a última decisão é minha, porque assim sou eu que assumo a responsabilidade. Se correr mal, não é a direção que fica vinculada, sou eu. Se correr bem, estamos todos vinculados, porque a maioria das vezes a opinião de quem consulto coincide com a minha escolha."
José Maria Pedroto: "Naquela altura, eu conhecia o Pedroto dos tempos de jogador. Foi, na altura, a transferência mais cara do futebol português, custou 400 contos, que era muito dinheiro. Ele tinha um café, o Apolo, perto da nossa sede. Ele estava sempre lá, a jogar o seu dominó, e eu vinha muito à sede, porque tinha as secções e parava muitas vezes no Apolo. O meu falecido irmão, o José Eduardo, tinha o consultório por cima do café Apolo. Encontrávamo-nos muitas vezes, cheguei a jogar dominó com ele e mantivemos uma relação. Gostávamos muito de falar sobre futebol, ele era um livro aberto e ele também gostava de ouvir as minhas opiniões. E dá-se outro facto curioso: antes de vir para o FC Porto, o Pedroto vai para o Boavista. Num jantar em minha casa, onde estava também o sr. José António Pinto de Sousa, estivemos a falar de futebol até às quatro da manhã e o Pinto de Sousa ficou encantado com ele. Disse logo que queria levá-lo para o Boavista, mas ele já tinha compromisso com o V. Setúbal. 'Vou fazer este ano em Setúbal e se daqui a um ano estiver interessado que venha para o Boavista, se não for para o FC Porto, venho para o Boavista', respondeu Pedroto."
A chegada de Pedroto: "Entretanto, ele está no Boavista, o FC Porto está num período mau e fui convidado para diretor de futebol, no segundo mandato de Américo de Sá. Pus várias condições, uma delas era ser eu a escolher o treinador. Quando escolhi, disse que era o Pedroto, que teve uma reunião com alguns diretores de então, mas não gostou da maneira como o trataram e disse que não ia. Eu expliquei que não souberam conquistá-lo, porque antes de ele ter dito que sim, já lhe estavam a querer impor a equipa de adjuntos. Ficou sem efeito. Dois anos depois, as coisas estavam a correr mal e o falecido Américo de Sá visitou-me para me convencer e tomar conta de futebol. Já sabia que se dissesse que sim, o meu treinador seria Pedroto. Foi a 28 de janeiro, no Orfeu, em que estava um grupo de boavisteiros e em que toda a gente gozava comigo, porque o FC Porto estava em sexto e o Boavista a disputar o campeonato com o Benfica. Aquilo deu-me tanta comichão que me levantei e disse ao professor Hernâni Gonçalves: 'Fixe esta frase: largos dias têm cem anos.' E no dia seguinte telefonei a Américo de Sá, a quem na véspera tinha dito que não, perguntando: 'Doutor, o convite de ontem ainda é válido?' Ao que ele respondeu: 'Está a brincar comigo? É claro que sim! Podemos encontrar-nos no Capa Negra?' O major Valentim Loureiro dizia que enquanto estivesse no Boavista o Pedroto nunca iria para o FC Porto, que o clube não tinha categoria para o Pedroto... 'Disse que estou disponível se o Pedroto for o treinador e se a escolha dos jogadores for feita por ele.' A 29 de janeiro, fui a casa do Pedroto, expliquei a situação, ele comprometeu-se e, passado uns dias, no máximo segredo, ele assinou contrato em minha casa, em Mindelo, na presença de Américo de Sá e Alfredo Basto, que era o tesoureiro."
O que o encantou em Pedroto: "Eu conhecia-o, como disse, ainda ele jogava. Foi treinador dos juniores, foi o primeiro campeão europeu de seleções, acompanhei essa carreira e como amigo. Sem pensar que iríamos estar juntos um dia. Adorava ouvi-lo falar de futebol, estava adiantado 50 anos. A coerência, maneira de ser... Não tinha medo de nada e ia em frente até conseguir os objetivos. Ele achava que iríamos fazer uma boa dupla, houve vontade dos dois e do presidente. Conseguimos vencer dois campeonatos, uma ou duas Taças... Eliminámos o Manchester United, fizemos exibições fantásticas... Foi um bom período e justificou-se a confiança depositada num grande treinador, estratega e condutor de homens. Pedroto não tinha o discurso que tinha para me agradar ou porque eu defendia. Tinha-o por convicção. Os ideais dele em termos de região, de combater o centralismo de Lisboa. Não porque a cidade seja feia ou porque os lisboetas sejam maus, mas os piores são os que vêm de fora e instalam-se lá. Ainda hoje defendo esses princípios por convicção, não é para agradar. Até porque só tenho arranjado problemas com isso."
Conversas pela noite dentro: "Falávamos sobre futebol e o estado das nossas convicções em termos de país e cidade. O Pedroto era um homem super inteligente, era um prazer falar com ele. Nunca fui homem de me deitar muito cedo e ele também não. Lembro-me que a Cecília Pedroto acendia as luzes de vez em quando, para lembrar que ainda estava em casa, mas nós lá ficávamos..."
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