"Penso que a decisão mais difícil de Pinto da Costa foi ter de substituir Pedroto"
O JOGO inicia uma série de quatro entrevistas - uma por cada década de liderança de Pinto da Costa no FC Porto - com personalidades ligadas ao clube. Luís César, ex-secretário técnico, é o primeiro. A viagem prossegue amanhã, com o "Capitão" João Pinto.
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Pinto da Costa completa, no domingo, 40 anos desde que foi eleito presidente do FC Porto pela primeira vez e, por isso, O JOGO inicia, hoje, uma série de quatro entrevistas - uma por cada década - com personalidades ligadas ao clube, que passam em revista os momentos mais importantes vividos pelo líder dos dragões.
A primeira é Luís César, ex-secretário técnico do clube, cargo que desempenhou durante mais de 30 anos, a convite de Pinto da Costa. Encontrámo-lo na Confeitaria Tavi, a que chama de "segunda casa", para uma conversa centrada no período entre 1982 e 1992.
Que memórias guarda do dia 17 de abril de 1982?
-Foi um dia feliz, mas era uma eleição esperada, porque o trabalho dele à frente do FC Porto era notável como diretor do departamento [de futebol]. Não havia como perder aquelas eleições. As outras já são uma consequência de todo aquele pontapé de saída brilhante que conseguiu, ao fim de tantos anos a morrermos na praia e outros em que nem lá conseguimos chegar, em que ganhar um jogo ou outro aos rivais era um motivo de festa. A partir daí, os motivos de festa passaram a ser os títulos conquistados e o resto passaram a ser coisas normais do futebol, umas mais difíceis, outras mais fáceis, mas todas elas com um cunho vincado de uma mudança profunda que o FC Porto tinha sofrido na sua forma de estar, pensar e ser dirigido.
Onde estava quando foram anunciados os resultados?
-Já são muitos anos, mas penso que estava no pavilhão.
Notou alguma mudança de ambiente?
-Notei que nos rostos das pessoas continuava a certeza de que o FC Porto continuaria no trilho de possíveis vitórias - porque nisto do futebol nada se pode dar por ganho antes de o estar - e que se esperavam dias de glória, como, felizmente, vieram a acontecer.
Quem o convidou para entrar no FC Porto?
-Recordo-me muito bem e até lhe vou dizer o sítio exato em que fui convidado. Na altura trabalhava na rádio e os escritórios da Sonarte eram junto à Petúlia e passávamos muito tempo em algumas tertúlias. Já conhecia o presidente de outras vidas e uma noite disse-me: "Vou levar-te a casa". Era perto, porque morava em Miguel Bombarda. Íamos a passar à frente do Palácio de Cristal e disse-me: "Olha, é para te convidar para vir para o FC Porto". E eu respondi: "Eu? Mas de futebol não percebo nada, nunca estive por dentro dessa organização e dessas leis". Ao que o presidente respondeu: "Não te preocupes. Só quero saber se aceitas ou não". Nem pensei duas vezes, porque nem tive tempo. Disse logo: "Claro!".
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Como foram esses primeiros dias de trabalho com Pinto da Costa?
-Tínhamos uma relação diária, porque eu tinha de aprender. Era um aluno da 4.ª classe que ia para a universidade. Não sabia nada. Era quase um paraquedista.
Quando começou a sentir a sua exigência?
-Desde a primeira hora. Aliás, foi para ser exigente e organizado que penso que ele me contratou para um cargo em que acabei quase por me eternizar. É um indivíduo que sempre me aconselhou o que devia fazer, dentro de um princípio que ainda hoje guardo: máxima liberdade, máxima exigência. Tinha liberdade absoluta para manobrar em diversas áreas, mas a exigência era total.
Qual foi o maior conselho que lhe deu?
-Foi-me dando muitos ao longo de 30 anos, que procurei interiorizar e explanar. Mas o grande conselho foi que fosse sempre profissional.
Que momento nomearia como o mais marcante dos primeiros 10 anos?
-Quando decidiu trazer José Maria Pedroto de volta. Acho que é consensual. Eram uma dupla infernal.
Pedroto deixara o clube no famoso verão quente. O regresso foi, de alguma forma, surpreendente?
-Surpresa não foi.
Sabe como surgiu essa ideia?
-Há segredos de estado que não se comentam. Pensam-se e age-se. Sei que era um sonho do presidente voltar a contar com o Pedroto e vocês sabem como foram difíceis as assembleias-gerais para ele poder voltar. Curiosamente, o Pedroto, que avalizou a minha ida para o clube, foi com quem tive o primeiro choque quando relatava futebol. Na altura, ele ainda era treinador do Boavista, eu fazia reportagem de pista e houve um lance qualquer em que lhe pedi um comentário. E ele disse: "Agora não posso, estou a trabalhar". Sei que depois comentou com o presidente que eu era um atrevido dos diabos. [risos]
"O presidente acompanhou a par e passo, minuto a minuto, a doença do míster Pedroto"
Como é que Pinto da Costa lidou com a doença de Pedroto?
-Era um problema tão delicado que ficava no coração das pessoas. O presidente acompanhou a par e passo, minuto a minuto, a doença do míster Pedroto. Certamente que, entre eles, muita coisa relembraram e acredito que muita coisa tenham projetado. Só me preocupava com a retaguarda, para que tudo estivesse em ordem, nada falhasse e as pessoas pudessem orgulhar-se na minha capacidade organizativa.
Que decisão apontaria como a mais difícil para Pinto da Costa durante esta primeira década?
-Não sei. Neste longo trajeto de tantos anos, há sempre coisas difíceis que temos de fazer. Se o presidente me pedisse a opinião, seria sempre a de um adepto de bancada. Não posso dizer com segurança, mas penso que a mais difícil foi ter de substituir Pedroto. Por todas as circunstâncias, essa terá sido uma das decisões mais dramáticas do consulado dele.