DOSSIÊ - No que diz respeito a finanças, nenhuma liga tem um desnível como a nossa entre melhores e piores pagadores. Nem canaliza tanto para o jogador estrangeiro.
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Sem dinheiro para competir com a alta sociedade europeia, mas cheio de vícios e manias de grandeza é uma descrição possível de colar ao futebol português, a partir das infografias das duas páginas precedentes. Como se as habituais queixas sobre desvantagens competitivas (que realmente existem e também estão aqui plasmadas) em relação aos ricos e poderosos clubes estrangeiros fossem... mera retórica para não aplicar dentro de portas.
1750% - A diferença entre os três clubes que pagam melhor e os piores neste aspeto. A liga portuguesa não tem igual.
E assim se mantém um estado de coisas e um histórico triunvirato (ultimamente mais um duopólio), qual oligarquia, por muito que custe aos que apregoam e combatem a ideia de um campeonato a três. A verdade é que em nenhuma outra das principais ligas europeias é tão dramática a diferença entre aquilo que gastam em salários os três melhores pagadores e os do fundo desta mesma tabela: 1750% é um número assustador, especialmente quando se olha aos valores absolutos.
É que os 72 milhões de euros que os tais três melhores pagadores (FC Porto, Benfica e Sporting) gastam em salários estão ao nível da segunda linha de Itália, pouco abaixo da alemã e até acima da espanhola, respetivamente quarto, terceiro e segundo campeonatos onde mais milhões são gastos em ordenados. Então, se os clubes nacionais de topo estão ao nível de alguns dos parceiros europeus, onde reside a falta de competitividade portuguesa? O referido rácio de 1750% entre as maiores e as menores massas salariais dá uma boa pista.
E percebemos como esse dado é significativo ao ver que, por exemplo, mais do que duplica o segundo campeonato mais desnivelado, o espanhol, e não encontra qualquer tipo de paralelismo naqueles que nos são mais próximos por diversas razões (financeiras, ranking UEFA, etc.), casos de Holanda, Bélgica ou Turquia.
431 milhões de euros de receita do futebol luso, que quer combater verbas quatro a 11 vezes superiores.
Dir-se-ia, para recorrer a um conhecido slogan, que o desnível, antes de ir para fora já existe cá dentro!
O que existe pouco cá dentro - ou também vai muito para fora, dependendo da perspetiva - são jogadores formados localmente. Em 31 ligas analisadas, a portuguesa é apenas 30.ª na utilização do produto interno. O que não admira, dado o carácter formador dos nossos clubes e a respetiva dependência das receitas com transferências - de novo, sem igual no panorama europeu. Esta é que é a verdadeira galinha dos ovos de ouro do futebol português representa três quartos das receitas dos clubes, dependentes como em nenhum outro país daquilo que faturam com o futebolista da formação.
E isto leva-nos a uma pescadinha de rabo na boca - qual nasceu primeiro, essa dependência financeira da formação ou a estruturação da receita tão diferenciada dos cinco campeonatos que Portugal aspira alcançar? Apenas na Bundesliga os direitos televisivos têm um peso na receita tão reduzido como na I Liga portuguesa (29%), embora os alemães compensem com outros fatores, como a sponsorização. E não admira, porque Portugal volta a ser original neste domínio televisivo - tem o único campeonato onde a negociação dos direitos é feita de forma individual e não coletiva.
O que nos leva a outro número perfeitamente desfasado dos demais países europeus e que ilustra a distância entre as extremidades da cadeia alimentar do nosso futebol: de novo a diferença entre os clubes de topo e os do fundo da tabela, mas agora no que se refere ao que recebem da televisão, e que são nada menos do que 15,4 vezes mais. Ou seja, cada euro pago por uma televisão num jogo dos menos cotados equivale a 15,4 numa partida de um clube de topo!
71,8% - Os que veem nos comportamentos de consumo das novas gerações a maior ameaça à indústria desportiva.
Estranho só para quem já esqueceu que falamos do mesmo país dos 1,7 telemóveis por habitante e que cada novo modelo, com preços que excedem os 800 euros do ordenado mensal médio, habitualmente esgotam em pouco tempo.
Loucura em reforços, não em salários
A liga portuguesa não tem igual quando se olha à quantidade de novas contratações (com 57,6%, é a primeira de 31 ligas europeias) ou à percentagem de gastos com estrangeiros em dez anos (85% e também líder), faces da mesma moeda onde se encontra a reduzidíssima utilização de jogadores formados localmente, por oposição aos estrangeiros (56,4%). Tudo isto num país onde a despesa com salários é inferior à América Latina (Brasil, México e Argentina) e menos de 10% da Premier League.
De Benfica e FC Porto aos "Big Five"
No top 20 dos clubes que mais faturaram com vendas de jogadores para equipas dos cinco principais campeonatos da Europa, há apenas dois clubes exteriores a esse exclusivo clube: Benfica e FC Porto. Em oitavo e 11.º lugares desta tabela, os emblemas portugueses receberam, ao longo da última década, respetivamente, 618 e 510 milhões de euros, tendo o mérito de se intrometer entre a realeza e a alta burguesia dos chamados "big five".