DOSSIÊ - O futebol profissional português gerou um volume de negócios de 680 milhões, em 2017 (últimos números conhecidos). Mas as desigualdades são grandes. O JOGO ouviu quatro gestores de indústrias nacionais deram a receita para a afirmação do futebol português.
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Dizem dele que é o desporto-rei, que movimenta massas (as pessoas, não o dinheiro). Do português mais anónimo aos políticos nacionais, de empresários a artistas, o futebol é uma modalidade que apaixona. E, jornada após jornada, enchem-se páginas com notícias de equipas, lesões de atletas, venda de bilhetes, crónicas de jogo, casos de arbitragem.
O futebol é uma indústria que movimenta, literalmente, milhões. De acordo com o anuário do futebol português lançado pela Liga, em colaboração com a consultora EY, em 2018 (com análise de dados referentes a 2016/17), as sociedades do futebol profissional nacional englobam mais de dois mil postos de trabalho, contribuem com mais de 456 milhões de euros para o Produto Interno Bruto (o correspondente a 0,25% do PIB) e geram mais de 680 milhões de euros de volume de negócios. E estes são números de impacto direto na economia do país, ficando por calcular os valores impulsionados por ação indireta.
Os números podem impressionar dentro do retângulo da antiga Lusitânia, mas quando os clubes que os geram passam as fronteiras a realidade passa a ser outra. No contexto internacional, os clubes portugueses ficam muitos distantes do fluxo financeiro e desportivo dos das cinco maiores ligas europeias.
Com o aumento do número das provas internacionais as desigualdades podem acentuar-se. Como impedir o declínio do prestígio do futebol português no mundo foi o ponto de partida para a conversa com empresários que se afirmaram no mercado internacional e que dão cartas no sector onde se inserem. As visões, distintas, de cada um deles comunga num aspeto: é preciso olhar para dentro. As competições nacionais carecem de um aumento de competitividade e de sinergias entre pares. Não somos nós a dizer, são os gestores de empresas de milhões.
Reduzir o campeonato para metade ou distribuir bem o dinheiro - Rui Paiva (CEO da WeDo Technologies)
A falta de competitividade no futebol começa no facto de nem todos os clubes disporem dos mesmos recursos para preparar uma equipa. "A verba televisiva devia ser distribuída de forma a equilibrar o campeonato. Em Portugal, Benfica, FC Porto e Sporting recebem tudo e os outros não recebem nada. Eu, se fosse de um clube pequenino, falava com os outros todos e dizia: não vamos jogar com eles. Os grandes precisam dos pequenos para um campeonato e os jogos com estes são um treino por causa da desigualdade. Isso põe em causa a competitividade para os jogos internacionais. Os grandes, aqui, brincam e quando chegam às competições internacionais não têm qualidade para igualar as oponentes", analisa Rui Paiva, que indica uma solução alternativa à melhor gestão das verbas televisivas.
"Acho que vamos ter países do tipo produtores, como Portugal, e outros para o show."
"Ou, então, o campeonato nacional pode ser reduzido para metade e, aí, poderíamos ter quatro voltas, como jogam mais vezes entre eles fica mais competitivo. Não dá para fazer o meio: ou é todos e o dinheiro é dividido por todos, ou é menos e já dá para ser mais competitivo", sugeriu o CEO da WeDo.
Em menos de 20 anos, a WeDo passou de startup a líder mundial de software para telecomunicações. O "segredo" do sucesso foi "o foco", a especialização em apenas um sector em vez de fazer um pouco de tudo. Esta é uma estratégia que Rui Paiva considera ser aplicável ao futebol nacional.
"As equipas de futebol deviam ser a montra para fazer o negócio que é procurar pessoas, trabalhá-las e transferi-las. Acho que vamos ter países do tipo produtores, como Portugal, e outros para o show. Nós não vamos caber na parte do show porque era preciso ter brand e dimensão", explicou. Esta ideia é alicerçada na qualidade de atletas lusos. "Formámos os melhores, que estão a jogar em campeonatos competitivos e quando se juntam, nas seleções, têm sucesso. Devíamo-nos focar mesmo em formar jogadores e ganhar milhões, porque isto pode ser um negócio de milhões", sugeriu.
Equilíbrio pela partilha de equipamentos e limites de orçamentos - Gonçalo Rebelo de Almeida (Administrador Vila Galé Hotéis)
Com equipas desiguais no que respeita à qualidade dos seus elementos, os jogos tendem a ser desinteressantes e menos apelativos para o público. Esta é, pelo menos, a ideia de Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador da rede de hotéis Vila Galé, que defende uma promoção de "maior equilíbrio entre as equipas que integrar campeonato nacional de modo que seja possível potenciar o aumento da qualidade média dos jogos".
Encontrado o problema, como se apresenta a solução? Para o administrador de um dos maiores grupos hoteleiros nacionais, com mais de três mil colaboradores e mais de 30 hotéis em Portugal e no Brasil, o equilíbrio pode ser conseguido pelo dinheiro. E há uma prática que pode servir de exemplo e que vem do outro lado do Atlântico. "Podem-se estabelecer regras que limitem os plafonds globais dos plantéis de modo a equilibrar as "armas", à semelhança do que acontece em algumas modalidades desportivas nos EUA", aponta.
"É possível otimizar as infraestruturas desportivas, promovendo a partilha de instalações e estádios entre equipas, de modo a reduzir custos operacionais e permitir maior investimento noutras áreas"
Também aqui a "aposta na formação de jovens e equipas assentes no talento nacional", a mesma que usa para capitalizar os colaboradores da sua própria empresa, pode desempenhar um papel de relevo, já que permite poupar verbas na contratação de ativos estrangeiros, com pagamento de direitos de formação a outros emblemas.
Mas há mais que se pode fazer, num país com a dimensão geográfica de Portugal. "É possível otimizar as infraestruturas desportivas, promovendo a partilha de instalações e estádios entre equipas, de modo a reduzir custos operacionais e permitir maior investimento noutras áreas", especifica Gonçalo Rebelo de Almeida, numa alusão a uma ideia apontada na edição de aniversário de O JOGO de 2018, sobre as características dos recintos desportivos do futuro.
Caiu o "ninguém é insubstiuível", viva a retenção de talento - Alexandre Fonseca (CEO Altice Portugal)
"Nunca ficou tão para trás, como nos dias de hoje, o velho ditado "ninguém é insubstituível", e as empresas tendem, cada vez mais, a reter os seus talentos, fazendo uso de ferramentas e meios específicos para tal", diz Alexandre Fonseca, CEO da Altice Portugal, como mantra para fazer crescer, valorizar e internacionalizar a marca "futebol português".
"Por um lado, defendemos que os clubes devem ser geridos com grande rigor e salubridade. O foco tem de ser colocado na prática desportiva, ao invés da sobrevivência financeira do clube", começa por alertar o gestor com mais de 20 anos de experiência de topo. Não às guerras "fratricidas", portanto: "Não é viável que os clubes não se mantenham unidos nas questões que dizem respeito ao futebol português como um todo e que, portanto, devem ser endereçadas a uma só voz como sector."
"Não é viável que os clubes não se mantenham unidos nas questões que dizem respeito ao futebol português como um todo"
"Trabalhar os clubes e as competições como marcas, aliás como já disso temos bons exemplos a nível nacional. Olhar a formação como verdadeiras fábricas de talento, importantíssima para a renovação das equipas e manutenção da sua qualidade. Foco no adepto como foco no cliente, atentando à qualidade da experiência do adepto no contexto desportivo", avança.
E trabalho em rede. "Temos um ecossistema de parcerias que nos conduz não só ao que de melhor se faz, mas também que nos permite chegar a locais e geografias que de outra forma não conseguiríamos. E também já pegámos em empresas mais pequenas e fizemo-las crescer, levámo-las connosco ou, simplesmente, melhorámos o seu produto, ou melhor, adequámo-lo ao mercado. Ajudamos assim a diminuir o fosso entre os maiores e os mais pequenos.
Conclusão: "É fundamental para os negócios ter pessoas confiáveis. As empresas tendem, cada vez mais, a reter os seus talentos, fazendo uso de ferramentas e meios específicos para tal."
Indústria vanguardista só cresce com valor e sem guerrilhas - Luís Onofre (Presidente APICCAPS)
"Em Portugal, na esmagadora maioria dos sectores de atividade, teremos sempre de apostar num produto de excelência", em detrimento do preço competitivo, defende o presidente da APICCAPS - Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele e seus Sucedâneos. Luís Onofre diz que a valorização do futebol, uma das indústrias mais vanguardistas do nosso país, reforça a inevitabilidade de formar e reter, o mais possível, jovens talentos e que as guerras intestinas destroem a viabilidade das estratégias globais.
"Toda a promoção internacional da indústria portuguesa de futebol é colocada em causa quando, internamente, os próprios clubes, numa lógica de conquista de espaço, se digladiam. Dever-se-ia dar voz aos verdadeiros protagonistas, os seus profissionais (jogadores, treinadores, entre outros), e promover-se o próprio espetáculo, providenciando políticas ativas de melhor distribuição das receitas (nomeadamente televisivas) e atração de público (com campanhas que levem maior número de espectadores aos estádios)", enquadra o designer de sapatos e empresário.
"A promoção dos nossos clubes passa muito pelo bom desempenho nas competições europeias."
Para unir estas apostas, tem de haver "uniformização dos discursos e das estratégias devidamente concertadas entre todos em prol da promoção de uma indústria poderosa".
"Impossibilitados de competir com os maiores emblemas internacionais de grandes países europeus, a sobrevivência dos clubes portugueses passa por otimizarmos os nossos melhores recursos no futuro, melhorar os espetáculos e aumentar as receitas, nomeadamente, aumentando o valor médio das transações internacionais", analisa e desenvolve Luís Onofre.
Em última instância, arquitetadas e implementadas todas estas estratégias, "a promoção dos nossos clubes passa muito pelo bom desempenho nas competições europeias". A face visível de um esforço interno, contínuo e concertado de promoção do talento e valorização da marca.