ESPECIAL EDIÇÃO DE ANIVERSÁRIO - Primeira fase da Academia ficou pronta em 2016 e não demorou muito a dar frutos. Pedro Neto, Trincão, Samú Costa, David Carmo e Vitinha, por exemplo, passaram por lá. A Academia do Braga é a fonte permanente de alimento da equipa principal e a base de um projeto de negócios rentável. A construção de um jogador com mentalidade guerreira começa, em muitos casos, aos seis anos.
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No último dia do mercado de inverno, a azáfama nos escritórios da SAD do Braga foi, naturalmente, elevada, com a transferência milionária de Vitinha para o Marselha, por 32 milhões de euros, a tomar conta de todos os pensamentos e ações. Ao fim da manhã, a saída do goleador para o clube francês já era um dado adquirido e, por essa altura, houve um sentimento especial de reconhecimento e satisfação que percorreu e tocou cada um dos mais de 120 funcionários que trabalham na Academia do Braga, desde os sub-6 à equipa B, esta o último degrau de acesso à elite.
Afinal de contas, Vitinha acabara de estabelecer um novo recorde de vendas no clube minhoto e uma boa parte do trabalho fora feito pela formação, à qual o ponta-de-lança chegara com 17 anos.
O emblema arsenalista tem bem presente a realidade. A formação existe para conquistar campeonatos, formar jogadores à Braga e alimentar a equipa principal, mas igualmente para dar rentabilidade negocial ao projeto. E neste ponto, os números são fortíssimos. A primeira fase da Academia do Braga, em funcionamento desde a época 2016/17, teve um custo a rondar os 20 milhões e já há muito tempo que está paga, dado que as vendas de Vitinha (Marselha), Trincão (Barcelona), David Carmo (FC Porto), Pedro Neto (Lázio) e Samú Costa (Almeria) ultrapassaram ligeiramente os 100 milhões de euros.
"Vitórias são também rentabilidade", diz António Pereira, coordenador técnico da formação.
Na época 2015/16, o Braga teve 18 jogadores convocados para as diferentes seleções jovens e daí resultaram oito internacionalizações, ao passo que em 2021/22 houve 48 chamadas de atletas e 29 representações arsenalistas nas equipas nacionais.
Com três relvados naturais, dois sintéticos de futebol de 11 e um outro de futebol de 7, a Academia do Braga recebe atualmente mais de 300 jogadores, com uma logística e uma estrutura que escapa aos adeptos. O recrutamento é feito o mais cedo possível e até aos sub-13 a base de procura assenta nos distritos de Braga, Porto, Viana do Castelo e Vila Real. A partir dos sub-14 alarga-se a nível nacional, graças a uma rede de cerca de três dezenas de observadores e já se procuram atletas para posições específicas. Numa plataforma criada para o efeito são introduzidos relatórios e depois os jogadores vão sendo selecionados.
O que é importante observar nesta fase? "A relação com bola e a questão da mentalidade. Cada vez mais, a mentalidade é importante e decisiva, aquilo a que se chama fome de vencer", enquadra António Pereira, que define o que apelida de mentalidade guerreira: "Encarar todos os jogos para vencer e impor a ideia de jogo". O propósito final é, obviamente, entrar no balneário da equipa principal e a própria configuração da Academia ajuda a forjar essa ideia. "Os miúdos veem o estádio todos os dias, seja qual for o ângulo de visão a partir dos diferentes relvados, e querem lá chegar."
Num meio com nenhuma ou pouca regulamentação, o scouting é como uma corrida de 100 metros. Chegar primeiro é o ideal, chegar ao mesmo tempo é muito importante. E se o Braga tinha no passado dificuldades em recrutar miúdos, sobretudo se tivesse que lutar com os clubes mais fortes na formação, como são os denominados três grandes, agora o cenário mudou. As infraestruturas, os títulos, o projeto, as chegadas à equipa principal e, em última instância, as vendas são elementos que fazem pender a balança a favor dos minhotos na hora do recrutamento. "Somos mais competentes agora", afiança António Pereira.
GOA, GOD e GOT
Se até aos sub-13 são os pais que levam os miúdos à Academia, havendo uma proximidade geográfica dos atletas ao clube, a partir dos sub-14 o Braga já tem uma rede de transportes de recolha e entrega, com serviços que começam às 6h30 e se prolongam até ao início da noite, e também fornece residência aos jogadores que são de longe ou do estrangeiro. Neste caso, estudam de manhã e treinam à tarde. Nesta altura, só as equipas B e sub-23 têm atletas estrangeiros.
A maneira como o clube trabalha na formação foi sendo elaborada ao longo dos últimos anos e assenta em três departamentos, denominados três gês: GOA, GOD e GOT.
Traduzindo, o GOA é o gabinete de observação e análise, em que se trabalha com recurso ao vídeo e imagem, em contexto de jogo e de treino. Todas as ações dos jogadores são filmadas e depois são-lhes mostradas para aperfeiçoamentos e exemplificações. O GOD é o gabinete de otimização desportiva, virado para a performance física dos jogadores, com criações de planos individuais de treino com o objetivo de ganho muscular. No fundo, e utilizando a gíria da Academia, ajuda à construção de um boneco mais completo. Por último, há o GOT, o gabinete de otimização técnica, que assenta em quatro pilares: passe/receção, qualidade ao primeiro toque, drible e remate.
Em cada plantel são selecionados jogadores que depois cumprem sessões de 30/40 minutos com trabalho específico antes dos treinos coletivos. O objetivo supremo é criar o JPF, sigla utilizada na Academia para definir o jogador de potencial futuro. Voltando ao princípio, e à transferência impactante de Vitinha, os resultados estão à vista.