ENTREVISTA, PARTE I - Emanuel Medeiros fundou a SIGA (Aliança Global para a Integridade no Desporto) em 2015 e será esta quinta-feira eleito para um novo mandato à frente do organismo que pretende uma maior transparência e resposta à corrupção.
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Emanuel Medeiros nasceu nos Açores, mas a sua ligação ao desporto começou no Porto, mais concretamente no Boavista. Foi diretor-geral da Liga Portugal, fundador e presidente da European League (EL) e trabalhou em comités da UEFA e FIFA. Preocupado com os escândalos de corrupção e a pouca transparência, fundou, em 2015, a SIGA, sigla inglesa para Aliança Global para a Integridade no Desporto. Foi eleito CEO em 2017 e inicia hoje um segundo mandato, consciente que muito está por fazer.
O que o leva a propor-se a um novo mandato?
-Sentido de responsabilidade. Criei a SIGA do nada, de uma ideia, num quadro adverso, quando o nome do desporto estava na lama e a sua credibilidade de rastos, em 2015, ano pautado por grandes sobressaltos, com o seu epicentro na FIFA. Senti que não podia ficar indiferente e tinha de contribuir para a mudança que se impunha.
Mas algo mudou desde que criou a SIGA?
-Uma coisa é inequívoca, como isto está não pode continuar. Não quero ver o desporto continuar a ser enlameado. O futuro do desporto não pode ser determinado pela Comunicação Social, autoridades policiais ou tribunais. Tem de ser determinado pelas suas organizações, mas é preciso que o queiram. Mas não há donos disto tudo, nem o COI, nem FIFA, todos temos a nossa cota parte de responsabilidade e é isso que nós procuramos fazer.
As ideias que a SIGA preconiza têm tido aceitação?
-Diria que sim. Criámos um sistema de governança interna à prova de bala e é um exemplo do que desejamos para o desporto. Temos uma visão estratégica muita clara, assente em quatro áreas todas elas interligadas. Não basta tratar do sistema de transferências internacionais. Não queremos apenas combater a corrupção. Queremos uma solução global, ajustada aos tempos modernos, para resgatar a confiança no desporto, nomeadamente no futebol. Bato-me por ideais, mas não sou utópico nem ingénuo, nem anjinho. Fizemos avanços significativo. Conseguimos pôr no mapa a organização e a sua agenda reformista. Hoje em dia é impensável a qualquer organização desportiva ter a veleidade de pensar no futuro sem colocar a integridade no pódio.
Quais os grandes desafios que se colocam?
-Este é o momento para olhar para fora e apresentar soluções. Apresentámos standards universais que devem ser seguidos. Começa na governança, passa pela integridade financeira, envolvendo a integridade nas apostas desportivas e o desenvolvimento sustentado do desporto e a proteção dos menores. São estas as áreas estratégicas nucleares que elegemos. Desenvolvemos um sistema de rating independente para que as organizações se submetam ao escrutínio. Há um mês demos o pontapé de saída no rating, atribuindo a classificação Prata (há também Bronze e Ouro) à Liga Europeia de Râguebi e outras vão seguir-se. Não temos uma visão de apontar o dedo, queremos ajudar e a servir a comunidade para o sucesso do desporto. Todo o patrocinador que quer competir em legalidade e transparência deve juntar-se a nós, estamos dispostos a acolhê-los.
Qual é em sua opinião a maior ameaça ao desporto e ao futebol em concreto?
-Diria que a maior é atitude de indiferença e resignação. Hábitos antigos enraizados e cristalizados que geram sentimento de impunidade que geram círculo vicioso. Mas a má governança, a falta de supervisão e escrutínio independente, um sistema de transferências de jogadores que os agentes têm aproveitado e o endividamento dos clubes deixa-os vulneráveis a abordagens sem escrúpulos e criminosas. Vejo muito show-off, mas os problemas mantêm-se. O famoso "sistema", que tem enchido a boca a muita gente neste país, não se resolve só com boas intenções. Resolve-se com reformas de fundo, que garantem integridade e sustentabilidade.
Como vê as mudanças que a FIFA prepara para regular as transferências e o licenciamento de agentes de jogadores
-Nas transações financeiras a FIFA não mostrou serviço. Louvo a iniciativa de querer avançar com isto, tem nos seus quadros gente capaz para isso. Sobre o regulamento que rege o acesso à atividade de agente desportivo a minha posição é clara, bati-me em 2013 contra esse regulamento de entrada livre para todos, ao contrário do que desejaram os clubes e com a abstenção da FIFPro. A FIFA foi com a maré... e a verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima.