Nélson Puga elogia antecipação no ataque ao coronavírus: "Futebol antes do Governo"
Diretor do departamento de saúde dos dragões atende a estrutura do clube, com 600 pessoas, e os restantes elementos do departamento colaboram com o Serviço Nacional de Saúde. "Devíamos ter tomado estas medidas drásticas mais cedo", considerou, fazendo um apelo: Respeitem o isolamento e fiquem em casa"
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Nélson Puga, máximo responsável clínico do FC Porto, concedeu uma entrevista sem desperdício e repleta de informação útil e especializada sobre o coronavírus ao sítio oficial da Liga (que O JOGO aqui transcreve), na qual fala da pandemia "com apreensão"... mas também com "esperança". E destaca a prontidão com que o mundo do desporto agiu em Portugal, em relação à tomada de medidas por parte do Estado, que considera mais demoradas: "O futebol adotou as medidas um bocadinho antes do Governo".
O Diretor do Departamento de saúde do FC Porto revelou que é ele que está a atender as 600 pessoas da estrutura do clube, enquanto os restantes elementos do seu departamento colaboram com os esforços ds entidades públicas: "Tenho-me dedicado a toda a estrutura do FC Porto, que é uma estrutura muito grande. Se atendermos a todo o universo, são aproximadamente 600 pessoas, portanto, estou a fazer uma espécie de linha de saúde 24 do FC Porto e os restantes colegas a trabalhar para o Serviço Nacional de Saúde e a ajudar no combate a esta pandemia."
"O futebol adotou as medidas um bocadinho antes daquilo que foram as medidas adotadas pelo Governo"
O médico portista relembra que "são os próprios recursos imunitários da pessoa que fazem com que se consiga vencer a doença". "A esperança está em conter a progressão da doença e todas estas medidas que agora foram adotadas eram essenciais. No meu entender, já deviam ter sido adotadas, aliás, de acordo com aquilo que o futebol fez. O futebol adotou as medidas um bocadinho antes daquilo que foram as medidas adotadas pelo Governo. Apesar de tudo, nós acabámos, como país, por adotar estas medidas restritivas um bocadinho antes daquilo que aconteceu em Itália e França, onde se registam os casos mais graves. Nós, por sorte, tivemos uma semana de atraso no aparecimento dos primeiros casos e por isso, por exemplo, fechámos as escolas na mesma altura que Espanha e França e adotámos as medidas com uma semana de antecedência relativamente a esses países", frisou.
"Portugal, apesar de tudo - apesar de pensar que devêssemos ter tomado estas medidas um bocadinho mais cedo - adotou estas medidas drásticas mais cedo do que nos países onde têm mais problemas. Isto é essencial"
Quanto a recomendações, pediu rigor no cumprimento do isolamento e distanciamento social: "O isolamento social é fundamental nesta altura para cortar a cadeia de contacto. Muitas medidas de higienização de todos os nossos espaços onde vamos viver agora diariamente. Muita higienização das nossas mãos, muita lavagem diária, usar e abusar de lavar as mãos, e em particular sempre antes de nos alimentarmos. As medidas de etiqueta respiratória que todos nós sabemos e aos primeiros sintomas conhecidos, ligar para a Saúde 24, promovendo um estado de quarentena com um isolamento ainda mais apertado da pessoa em relação ao restante agregado familiar."
NÃO SAIA DE CASA, LEIA O JOGO NO E-PAPER. CUIDE DE SI, CUIDE DE TODOS
Quanto aos cuidados diários, defende que a população deve sair de casa "o mínimo dos mínimos" e "desinfetar as encomendas que chegam" de alimentação, embora reconheça que aí o risco é "muito menor" do que ir a uma mercearia, supermercado ou qualquer outro local onde possam estar mais pessoas. "Sim, senti logo que era algo perigoso. Apercebemo-nos porque temos informação privilegiada e estamos em contacto direto e permanente com pessoas que são especialistas em cada uma das suas áreas. Procurei falar com infeciologistas, com internistas, com pessoas que têm experiência relativamente a estes problemas e aqueles que são mais diferenciados e que também estão na frente desta luta. Falei, por exemplo, com o Dr. António Sarmento, que é o diretor de serviços de doenças infetocontagiosas do Hospital de São João e percebemos todos que isto ia ser, até pelo exemplo do que estava a ser nos outros países, um problema muito difícil de combater. Contudo, eu gostava de deixar uma mensagem, uma nota de esperança porque Portugal, apesar de tudo - apesar de pensar que devêssemos ter tomado estas medidas um bocadinho mais cedo - adotou estas medidas drásticas mais cedo do que nos países onde têm mais problemas. Isto é essencial, todos nós sabemos o que é uma curva exponencial e as consequências que isto tem. Provavelmente ainda vai subir, até onde, não sabemos bem, mas temos esperança, em função destas medidas que foram adotadas, que a curva deixe de ser exponencial e que o número de infetados não continue a crescer como tem crescido até agora. Assim, espero que consigamos inverter essa curva exponencial mais cedo do que outros países e controlar mais cedo este surto grave e pandémico", comentou Nélson Puga.
"Esta doença não é uma doença muito mortal, mas é mortal para os idosos e para os mais debilitados"
As contas, essas, são fáceis, diz: "Esta doença não é uma doença muito mortal, mas é mortal para os idosos e para os mais debilitados. Cerca de 2% das pessoas vão ter doença grave, muitas vão estar infetadas, assintomáticas ou até ter poucas manifestações da doença, para aí 80%. Os outros restantes, que precisem de internamento hospitalar, os tais 2% se precisarem de cuidados intensivos, é fazermos as contas. Se nós, a dada altura, tivermos 100 mil infetados, vai ser muito complicado, mas se nós tivermos um milhão de infetados, nós não temos capacidade de resposta, sobretudo se forem todos infetados num curto espaço de tempo. Foi o que aconteceu em Itália. E depois, a taxa de mortalidade em Itália aumentou e superou muito aquilo que está a acontecer nos outros países. Basicamente, é à volta dos tais 2%. O problema é que se não tivermos meios para tratar essas pessoas, a taxa de mortalidade vai subir. Vai subir nas pessoas mais velhas ou naquelas mais novas, que precisem desses cuidados diferenciados ou que tenham uma doença associada, como há tanta gente que tem, ou que já foi operada, ou já fez uma neoplastia, ou outra coisa qualquer e que tenha alguma situação de debilidade imunitária."
"Controlamos a carga e o esforço dos jogadores"
Em contacto permanente com os jogadores do FC Porto e através de novas tecnologias "de controlo de carga externa", consegue controlar "o esforço que estão a fazer". "A equipa técnica desenhou um plano individual de trabalho, que vai variando em função do microciclo semanal e nalguns jogadores são ajustadas algumas necessidades. Eles são monitorizados e a seguir reportam-nos aquilo que foi a sensação do esforço interno. Nós temos um report com uma monitorização de carga externa e monitorização de carga interna. Dessa forma, sabemos o impacto que a sessão de treino teve nos nossos jogadores. Mal acaba, recolhemos toda a informação e partilhamos a informação, entre nós e a equipa técnica. A equipa médica em particular tem ainda mais alguns cuidados e, neste momento, temos apenas um lesionado, mas a esse somos nós os responsáveis por fazer o plano de reabilitação, porque também já estava numa fase em que estava a fazer trabalho de ginásio e trabalho no terreno de forma condicionada. Toda a informação que temos e recebemos, partilhamos imediatamente com a equipa técnica. É desta forma que temos feito esse controlo. E conseguimos criar uma linha de apoio aos jogadores e, pelo menos de bens essenciais nós vamos fazendo uma distribuição de alimentação e quanto menos recorrermos fora de casa, melhor. Que respeitem [a população] o isolamento social, que sigam o exemplo que nós estamos a dar, através das redes sociais e através dos nossos jogadores e treinadores. Fomos dos primeiros a adotar essa medida. No princípio, havia muita gente que pensava que podiam ser exageradas, mas agora percebem que eram essenciais e, portanto, sigam-nas, como exemplo", esclareceu Nélson Puga.