Organismo que tutela o futebol europeu pode ter que encontrar solução bipartida para a conclusão dos campeonatos, dependendo da dimensão das ligas, nomeadamente as que não dependem das receitas dos direitos televisivos
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Ainda não será na próxima semana que se encontrarão decisões finais para a indústria pesada do futebol na Europa. Mas haverá novidades, até porque as agendas têm-se ajustado à sua relação com a sociedade civil.
Terça-feira, 21 de abril, haverá reunião entre a Comissão Europeia e os ministros do Desporto dos estados-membros; no mesmo dia, a UEFA reunirá com as 55 federações europeias e, dois dias depois, o seu Comité Executivo debaterá (tudo por videoconferência) os desenvolvimentos mais recentes dos impactos da pandemia da covid-19.
Admite-se que o Comité Executivo da UEFA possa ponderar uma solução bipartida para a conclusão dos campeonatos, apurou O JOGO junto de algumas fontes. Uma situação que terá a ver com a capacidade de as ligas de menor dimensão conseguirem redimensionar a próxima temporada sem hipotecar o futuro próximo, realizando o resto da atual com jogos à porta fechada. Nessas ligas, as receitas de bilheteira são fundamentais para a saúde financeira dos clubes, ao contrário do que acontece nas ligas maiores, que dependem das receitas televisivas.
Covid-19: a pandemia ainda decide mais do que os patrões do futebol. Mas os protagonistas da indústria posicionam-se
A European Leagues (associação das ligas europeias) reconhece essa particularidade, conforme ficou patente em entrevista recente do seu secretário-geral adjunto, Alberto Colombo, à BBC, ao referir-se à decisão da liga belga, que pretende dar por concluído o campeonato e assumir como campeão a equipa mais pontuada no momento da suspensão, o Club Brugge: "Uma vasta maioria [de ligas] está focada na conclusão, em campo, dos campeonatos. Mas sabemos que há algumas ligas, em menor número, que consideram o mesmo [que a Bélgica]".
A retoma do futebol dependerá da decisão das autoridades de saúde em permitir a realização dos jogos à porta fechada e, então, passará por várias tutelas e protagonistas (ver abaixo): pela governação da FIFA e UEFA e pelas organizações FIFPro (associação mundial dos profissionais de futebol), ECA (Associação Europeia de Clubes) e European Leagues.
Há ainda questões relevantes a resolver ao nível das competições, do apuramento para as competições europeias de clubes na próxima época, calendários da mesma, prolongamento dos contratos de jogadores, janelas de transferências e mecanismos financeiros que menorizem os impactos desta paragem, que se aproxima dos dois meses (as duas ligas portuguesas pararam a 12 de março).
As perdas amontoam-se: a consultora internacional KPMG estimou uma perda de receitas, em março, superior a quatro mil milhões de euros só nas cinco principais ligas (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França), enquanto um estudo financeiro da Escola Superior de Desporto de Rio Maior avaliou em cerca de 40 milhões os euros que não entraram nos cofres das equipas lusas. E já vamos a mais de meio de abril.
As cinco principais ligas perderam receitas superiores a quatro mil milhões de euros só em março, segundo a consultora KPMG
OS PROTAGONISTAS
GIANNI INFANTINO - Presidente da FIFA
Sobrevivente da gestão Platini na UEFA (foi seu secretário-geral desde 2009), de onde saltou para a presidência da FIFA, em 2016, herdando um organismo sobressaltado pela ação do seu antecessor, Joseph Blatter. Apanhou os cacos, reestruturou o organismo e deu-lhe uma vocação mais empresarial. A demanda pelo negócio levou-o a mexer com o futebol profissional, com os clubes e as confederações continentais. Pondera adiar o seu Mundial de Clubes para 2022 (já antes adiado para 2021), na China, mas conta com a férrea oposição da UEFA para a sua realização.
Posição face à pandemia:
Declarações recentes e claras: "Nenhum jogo vale mais do que uma vida" e "Seria mais do que irresponsável obrigar as competições a recomeçar". A FIFA entende que o recomeço do futebol só deve acontecer mediante decisão das autoridades sanitárias de cada país. E anunciou a possibilidade de transformar reservas avaliadas em 1.400 milhões de euros num fundo de apoio a clubes e ligas.
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ALEKSANDER CEFERIN - Presidente da UEFA
Na liderança da UEFA desde 2016 . Entre os seus conselheiros pessoais está o português Tiago Craveiro (CEO da FPF), com quem desenhou a Liga das Nações. Também Fernando Gomes, presidente da FPF, integra a sua equipa de "vices". Dialogante, chamou a ECA (associação europeia de clubes) e European Leagues para o Comité Executivo. Bate o pé à FIFA na questão do Mundial de Clubes, mas sente-se seduzido por fórmulas mais elitistas na Champions.
Posição face à pandemia:
Adiou o Europeu e admite terminar em campo Champions e Liga Europa em agosto, à porta fechada, se preciso for, para dar espaço às competições nacionais em junho e julho. Procura o equilíbrio entre fatores sanitários e económicos. Em entrevista ao italiano La Repubblica, há duas semanas, admitia: "Não podemos ter um plano final enquanto não tiver terminado a pandemia". As suas críticas à União Europeia ecoam: "Estou dececionado. A Europa é dominada por um excesso de regras, está dividida e não é solidária".
ANDREA AGNELLI - Presidente da ECA
O mediático herdeiro dos Agnelli (os Kennedy da Itália) é a cara da indústria pesada do futebol: é o proprietário da Juventus e presidente da ECA (Associação Europeia de Clubes), onde os mais poderosos e milionários emblemas redesenham cenários.
Posição face à pandemia:
Aliado do plano da UEFA em prolongar a época até finais de agosto para terminar campeonatos em campo. Rosto dos investidores e patrões do futebol, alerta para a pressão sobre os investimentos no setor. Já deu a entender que a paragem das competições, a ausência e/ou quebra de receitas e o previsível menor investimento (patrocínios, sobretudo) e financiamento (recurso à banca ou ao mercado de capitais) obrigará a reestruturações, salários mais baixos e renegociações com autoridades tributárias num horizonte que não se afigura fácil. É um tremendo defensor da elitização das competições europeias e não será um parceiro fácil do futebol associativo, das ligas mais pequenas, dos emblemas de menor dimensão e até do percurso demorado da formação.
"Não podemos ter um plano final enquanto não tiver terminado a pandemia"
PHILIPPE PIAT - Presidente da FIFPro
O francês Philippe Piat (77 anos) preside a FIFPro (Associação Internacional de Futebolistas Profissionais) desde 2013. Integrou, recentemente, o seu compatriota Michel Platini na organização, como conselheiro pessoal. Se a FIFPro já tinha um peso institucional muito forte, esta ação garante-lhe um "jogador" com conhecimento pleno dos meandros da política do futebol.
Posição face à pandemia:
Enquanto organização de índole sindical, exerceu a sua influência junto das tutelas - FIFA e confederações continentais - na defesa dos jogadores, evitando ou minorando despedimentos, "lay-off", reduções salariais e reestruturações contratuais. Considera que a retoma dos campeonatos deve ser autorizada pelas autoridades governamentais e revelou enorme preocupação com a saúde mental dos atletas em confinamento. Espera uma reforma drástica no mercado de transferências, onde os jogadores são caros não pelo que jogam mas porque se transformaram em ativos financeiros.
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LARS-CHRISTER OLSSON - Presidente da European Leagues
O sueco Lars-Christer Olsson (70 anos) foi diretor executivo da UEFA entre 2003 e 2007, sucedido no cargo por Gianni Infantino, o agora líder da FIFA. O atual presidente da European Leagues (que integra a liga portuguesa) tem assento no Comité Executivo da UEFA desde 2018, tal como a ECA. Gestor de topo no futebol (Liga sueca), é cortês e dialogante, mas muito firme na defesa dos interesses das ligas caseiras, contestando os planos de criação de uma superliga europeia ou um modelo de Liga dos Campeões elitista e condicionador da meritocracia desportiva. É voz ativa nas contestações ao Mundial de Clubes da FIFA e um acérrimo adversário da ECA e do seu presidente, o italiano Agnelli, revelando-se contra a Champions fechada, com promoções e despromoções dentro da própria competição.
Posição face à pandemia:
A European Leagues considera que há espaço e datas no calendário que permitam concluir os campeonatos desportivamente. Opõe-se, para já, à alteração dos modelos competitivos para essa conclusão. Mas reconhece dimensões diferentes nas várias ligas.