ENTREVISTA, PARTE II - Aos 75 anos, Jesualdo Ferreira não se vê sem treinar. Ter voltado ao futebol português, onde tudo começou há 46 anos, motivou-o ainda mais e mostra-se pronto a continuar em cena.
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"Outra das razões que me levou a aceitar o convite do Boavista foi a possibilidade de terminar no meu país, onde tudo começou... há 46 anos"
Sente-se preparado para acabar a carreira?
-Não. De forma alguma. Isso é uma coisa que irá acontecer naturalmente, mas não me sinto preparado... E é curioso que quando me vi a treinar esta época, a sofrer como sofri, a gesticular, a fazer algumas figurinhas (risos), eu acho que ainda ganhei mais vontade de continuar mais uns anitos.
Quando terminou com o Santos, achou que a sua carreira tinha chegado ao fim?
-Não. Saí incomodado pela forma como as coisas aconteceram. Quando saí do Brasil, o Santos tinha a qualificação do Paulistão garantida, esta época ficou fora e quase desceu à segunda divisão; tinha feito dois jogos da Libertadores que garantiram praticamente o primeiro lugar no grupo. Não me enganei no projeto do Santos, fizemos um trabalho muito bom.
Quando voltou ao futebol português não faltou quem relevasse as suas virtudes e a sua importância. Como foi reencontrar alguns treinadores, muitos deles seus antigos jogadores?
-Muito bom. Outra das razões que me levou a aceitar o convite do Boavista foi a possibilidade de terminar no meu país, onde tudo começou... há 46 anos. Estive muito tempo a trabalhar fora do país. Tive a possibilidade de treinar em África e ser campeão, de treinar na Ásia e ser campeão, de disputar a Champions desses continentes. Quando regressei do Brasil percebi que ia ser muito difícil estar sem trabalhar. É verdade que senti sempre muito carinho à minha volta.
Foram bons os reencontros, então?...
-Muito mesmo. Reencontrei treinadores que estimo muito e conheci outros que só conhecia pelo acompanhamento que sempre fiz do futebol português. O Jorge Costa, por exemplo, o Bicho, a quem mando um abraço forte, e parece-me a mim que o Farense não merecia este fim, pelo que fez com o Jorge e com o Sérgio vieira, mas o Bicho é suficientemente forte para vencer. O Rúben Amorim, que acabou por ser meu adversário no Catar no fim da carreira. Fiquei muito feliz com a ascensão dele, é um treinador com um discurso diferente da maioria dos treinadores, aglutinador. E o Pepa, que foi meu jogador no Benfica.
Também se reencontrou com árbitros, e nem sempre foi meigo...
-Só reencontrei o Soares Dias, o Rui Costa e o Hugo Miguel, os outros não conhecia. Às vezes fui chato com eles. As coisas estão diferentes, o VAR mudou tudo. Fui crítico não em relação aos árbitros, mas em relação aos processos. Falei numa coisa chamada bom seno, porque há regras, há leis e depois há a forma como se aplicam as leis. Se não houver bom senso para perceber isto, uma má decisão pode estragar um espetáculo. E o Boavista sofreu imenso com isso.
"Sporting foi um justo campeão"
Para Jesualdo Ferreira não há dúvidas da justiça do vencedor do campeonato... "O Sporting foi um justo campeão, porque foi capaz de ser uma equipa regular, que teve quase sempre capacidade para ganhar os jogos. Nos jogos grandes, que é onde normalmente se avança para o título, excetuando o último, mas já campeão, foi uma equipa competente, empatou dois jogos com o FC Porto e ganhou um ao Benfica; para além disso, foi uma equipa capaz de resistir sempre aos jogos menos conseguidos, vencendo-os ou pelo menos não os perdendo".
Na ótica de Jesualdo, o Sporting foi capaz de "aproveitar muito bem os jogadores que tinha e os que contratou, e teve ainda o mérito de aproveitar bem o facto de não estar nas competições europeias, onde o FC Porto chegou longe. Sob o ponto de vista da regularidade foi a que teve o maior acerto, deixando ainda para trás o Braga. É um campeão justíssimo".