Historiador catalão Carles Viñas explica, em O JOGO, o que junta e separa FC Porto e Barcelona, adversários desta quarta-feira, no combate ao centralismo
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De jogadores, como Aloísio, Deco e Quaresma, a treinadores, como Bobby Robson e Mourinho, há muitos pontos que ligam a história de FC Porto e Barcelona, que esta noite se defrontam no Dragão na condição de líderes do Grupo H da Liga dos Campeões e principais candidatos à passagem aos oitavos. Os paralelismos entre os dois clubes, porém, vão além do plano futebolístico. No âmbito socio-cultural, há muito que dragões e "culés" são vistos como baluartes do combate ao centralismo em Portugal e Espanha, respetivamente, e na tentativa de perceber o que une as duas instituições nessa luta, O JOGO encontrou, também, o que as distingue: os princípios desse inconformismo.
Se o emblema "blaugrana" está inserido num contexto de disputa nacionalista, os dragões visam, essencialmente, as desigualdades entre "uma cidade privilegiada e outra menosprezada".
"As semelhanças residem no facto de Porto e Barcelona serem duas cidades importantes que, no entanto, não detêm a capital do país. Estamos a falar das segundas cidades mais importantes de Portugal e de Espanha. Além disso, partilham rivalidades desportivas e extra-desportivas - políticas, sociais, industriais - com Lisboa e Madrid. Mas enquanto que em Espanha os nacionalismos definem as identidades, em Portugal a componente que as determina é a rivalidade entre a capital política e o centro industrial. Ou seja, o poder político, concentrado em Lisboa, e a periferia Norte, representada pelo Porto", explica ao nosso jornal o historiador catalão Carles Viñas.
"Em Espanha os nacionalismos definem as identidades, em Portugal a componente que as determina é a rivalidade entre o poder político, concentrado em Lisboa"
Autor de diversas publicações versadas na Catalunha e no Barcelona (clube), o professor universitário não vê os dois emblemas como "gémeos". "O contexto sócio-político da rivalidade é diferente", reitera, apontando para o entorno nacionalista que rodeia os "blaugrana". "Para boa parte dos adeptos do Barcelona, o clube simboliza, sem dúvida, "més que un club" [lema do clube, traduzido em "mais do que um clube"], uma espécie de embaixador da Catalunha, uma seleção catalã não oficial, encarnando os desejos de independência - houve debate sobre a possibilidade de abandonar a Liga espanhola - ou de separatismo sob o prisma do nacionalismo espanhol. Para muitos adeptos, um clássico com o Real Madrid é como um jogo Catalunha-Espanha. No caso da rivalidade Porto-Lisboa, esta não comporta esse caráter nacionalista, mas de rivalidade cívica ou de uma localidade privilegiada contra outra menosprezada", prossegue Viñas, recordando as pretensões independentistas dos catalães num passado recente: "A luta contra o centralismo cresceu desde as reivindicações pró-independência vividas na Catalunha, especialmente desde 2017, quando o Barcelona emergiu mais uma vez, para os fãs e detratores, como algo mais do que um clube de futebol".
FC Porto e Barcelona são dois clubes que representam cidades que lutam contra o centralismo e o futebol cumpre um papel importante nessa disputa
Pinto da Costa, por exemplo, tem sido voz ativa no combate a esse desvalorização a vários níveis e o historiador exalta as semelhanças que há do outro lado da península Ibérica no que toca ao futebol. "Em Barcelona, o significado capital-periferia caracteriza a rivalidade que mantém, sobretudo, com o Real Madrid. É evidente que a luta contra o centralismo caracteriza esta disputa. A argumentação inclui tudo, desde a nomeação dos árbitros até à sede da La Liga ou da Federação, passando pela cobertura mediática que o Real recebe e a que recebe o Barça", acrescenta Carles Viñas. A partir das 20h00, quando a bola rolar no Dragão, a luta será outra e aí, a sintonia ideológica passará para segundo plano. Por 90 minutos, o que mais importa serão os três pontos. Mesmo assim, como Conceição disse, vão defrontar-se dois clubes que "representam regiões e que elevam o nome dos seus países na Europa e no mundo. Dois históricos". No maior palco do futebol europeu, a Liga dos Campeões, e num estádio que vai estar a rebentar pelas costuras. Têm a palavra os craques.
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