Algesino de origem corsa e dos maiores casos de propensão desportiva em Portugal, António Bessone Basto lança este sábado a sua biografia: "Vontade de Vencer". Tem sido assim desde que veio ao mundo
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De visita à redação de O JOGO, Bessone Basto conta, numa entrevista de vida, o seu sério caso de superação pela prática desportiva incessante, vitoriosa, multidesportiva, incomparável... e tudo começou com uma frustração no futebol. É emotivo. É filantropo. Não tem medo de nada. Muito menos das palavras.
Faz 74 anos e, quase dois mil prémios depois, praticou natação, andebol, caça submarina, râguebi, basquetebol, judo, karaté, ginástica, hóquei em patins, ténis de mesa, polo aquático, atletismo, pesca desportiva. O que falta aqui?
Futebol [risos]. Até foi por aí que comecei. Fui jogar pelas escolas do Belenenses e à baliza. Fiz uma grande exibição e deram-me oito tostões para voltar. O meu pai apanhou-me com o dinheiro. Tirou-mo e proibiu-me de jogar mais. Ele estava feito com o meu avô, fundador do Algés e Dafundo, porque eles queriam-me na natação e não no futebol. Aliás, fui sócio do Belém até aos 13 e adepto até aos 18. Ainda gosto do clube, mas depois passei para o Sporting, do qual sou associado há quase 60 anos. Quase toda a minha família era "pastel". Eu era um miúdo com algum atraso, derivado de problemas de nascimento que me provocaram dislexia e problemas motores. Depois, quando me passei a mexer, tornei-me malandro, num grande "trampinas". Tive de me fazer à vida. O desporto é que me salvou...
"Eu sempre fui todo perseverança. Até para ganhar ao jogo do berlinde eu treinava. Até hoje tenho essa mesma vontade de vencer. Só peço saúde"
Os homens da sua idade gostariam de ter o seu aspeto e vitalidade, mas em criança era o inverso. Sentia-se marginalizado devido a esses problemas?
-Sim, e foi a prática desportiva que me deu tudo e me permitiu superar as minhas inseguranças. Em miúdo, como disse, eu não era normal e a tendência da sociedade na altura era de rejeição. Até familiares me inferiorizavam. Nos saraus de ginástica do Algés e Dafundo, era posto à parte por não ter a mesma capacidade motora. Não conseguia atravessar um banco. Comecei a treinar com o banco durante um ano, duas horas por dia. Passado um ano, estava eu a ser segurado por um professor, larguei-o e fiz as minhas habilidades com o banco. Eu queria era competir e vencer, era todo perseverança. Até para jogar ao berlinde treinava para ganhar. Mas eu era cego por futebol...
Não tinha começado tudo com a natação? Costuma dizer que a água é a sua família.
Aos três anos, já nadava e fiz a travessia do Tejo com oito anos. Passava três/quatro horas por dia na água. Mais tarde, os meus amigos da natação diziam que eu era bom a nadar, a andar à porrada e a roubar-lhes namoradas [risos].
"Sempre fui bom a nadar, a roubar namoradas aos outros e a andar à porrada. Uma pera minha era a melhor anestesia local..."
Venceu a dislexia?...
Sim. Até o ténis de mesa foi bom para os reflexos da própria vista. Curei-me, salvei-me a fazer desporto, devo-lhe tudo o que sou. É como o título do meu livro ["Vontade de Vencer"]. Continuo com essa vontade e só peço saúde. Não tenho medo de envelhecer; só tenho pena. O meu motor está porreiro, mas às vezes o chassis precisa de uns toques.
"O mestre Yokochi educou-me à japonesa"
Shintaro Yokochi foi "tudo" para Bessone Basto, que competiu como atleta olímpico em 1964 e recorda sempre a disciplina dada pelo mestre japonês. "Eu era selvagem, resolvia tudo à pancada. A minha pera era a melhor anestesia local e nem fazia mal ao coração [risos]. Depois apareceu-me o mestre Yokochi na vida e acabou com a minha revolta. Fez-me acreditar em mim... [emociona-se] um puto que, diziam, não prestava para nada. Ajudou-me a estudar, a mostrar que eu podia resolver um problema de matemática, nadar bem, fazer judo..."
"Quase morri à nascença, tive dislexia e diziam que eu não ia ser nada, que era um atrasado mental. Com o desporto, venci tudo isso"
Com uma história dourada no andebol verde e branco, Bessone Basto assume-se como leão desalinhado. Apreensivo com o futebol, defende que se rompa com o passado e denuncia cultura de intriga.
O seu percurso desportivo vai muito além do Sporting, mas é o clube a que mais está associado para o grande público...
A minha história com o Sporting começou aos 18 anos. Tinha terminado a natação - um choque. Tiraram-me o treinador no Algés antes dos Jogos Olímpicos, aos quais fui para não ser irradiado, e engordei. Em vez de medalhas, fiquei em 17.º. Depois tentei o andebol no Belenenses e fui rejeitado. Nisto, o Martins, pivô do Sporting, levou-me a Alvalade para o andebol de 11. Aquilo era um hotel de cinco estrelas. Meti uma data de bolas "no saco" e fui logo jogar a Alverca, onde meti logo 12 bolas "no buraco". Tinha um braço forte. Por acaso, é giro que, para andar à pera, o melhor é o outro - tenho a "morteirada" no punho esquerdo.
Prémio Stromp, Bessone acusa: "Só recebi o prémio por causa de Ernesto Ferreira da Silva. Devia ser por eu comer sardinhas com as mãos..."
Mas foi à baliza do andebol de 7 que se notabilizou...
Trouxe a mística, a vontade de vencer que tinha no Algés. Mesmo sem ser capitão, era líder. Os treinos viraram batalhas por causa do que incuti. Foi uma fase muito rica, com treinadores como Matos Moura, Ângelo Pintado, que me ouviam. Eu era bruto, mas marcava golos e lançava contra-ataques sentado no chão. Só de elasticidade, treinava duas horas por dia. Depois ganhei um pentacampeonato de andebol e disse: "Tchau, que eu tenho é de ir ganhar dinheirinho." Fui mergulhar. Apanhava percebes, robalos... À noite jogava, até que larguei.
Como vê o Sporting de hoje? Sempre foi um crítico ácido...
Não sou Varandas, Ricciardi, nem Bruno. Sou do Sporting e não votei em ninguém nas últimas eleições. Quero união e, assim, o Sporting fica sem ser campeão em futebol nos próximos 30 anos. O clube tem sido desacreditado em sucessivas Direções, que tiveram gente desonesta, interesseira, mesquinha. Não é de agora. É a chamuça, o croquete, o pastel de nata e ninguém se entende. Estou farto! Defendo um investidor externo na SAD. Um profissional com linha bem traçada, que invista a sério, sem deixar que se brinque com o dinheiro. Além disso, dá-me cabo da cabeça que não se conheça a história do meu clube. O meu livro é uma bandeira, porque não é só sobre mim: lembra muita dessa gente esquecida.