Os dois furacões: Pinto da Costa e Pedroto irromperam a viva voz no fim do Estado Novo
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O mapa do futebol português muda de figura com a revolução, dá-se a ascensão do FC Porto e até do Boavista, com Pedroto, e perdem importância clubes a sul do Mondego. Praticamente colapsam o Barreirense, CUF, Montijo, Oriental e Olhanense. Jogam a 1.ª Divisão em 1973/74, mas em 1977/78, quando acaba o jejum azul e branco, a geografia do campeonato reparte-se com emblemas como Varzim, Espinho, Feirense, ou Riopele a emergirem, ao passo que Braga e Vitória ganham também força na classificação.
Futebol português mudou com maior peso a norte e o FC Porto a fazer a sua ascensão
“É a perda do poder industrial, falando do tecido de Lisboa e margem sul. O fim do grupo Mello, que mandava no País, explica um maior equilíbrio e deu-se a ascensão do têxtil no Minho. Depois há fenómenos da construção civil que empurram a mudança de eixos”, reflete João Nuno Coelho, identificando lacunas que prejudicavam um acesso igual ao poder de decisão.
“Pode-se dizer que os clubes do regime eram os de Lisboa, até porque estava institucionalizado que os presidentes da Federação tinham de rodar entre Benfica, Sporting e Belenenses. Os jogadores do FC Porto eram exceções”, documenta. “A viragem a norte também tem muito de Pedroto e Pinto da Costa, o discurso de ambos, antissistema, não era possível no antigo regime. O FC Porto teve um presidente irradiado, Cesário Bonito, por apoiar a descentralização”, relata, acrescentando outros contornos da mudança de paradigmas.
“O discurso dos dois, antissistema, nunca seria possível ou aceitável no antigo regime”
“O Benfica percebe que tem de incluir estrangeiros a partir de 1978, depois de perder dois campeonatos para o FC Porto. Fazem-no com Jorge Gomes e a história muda a partir daí, já que a grande bandeira dos títulos do Benfica era uma equipa de portugueses”, evidencia. Já se começa a entrar numa era de passe livre e poder de escolha do jogador.
“Consequência do tempo e das políticas. A primeira bofetada nessa lei ainda é no final dos sessentas, quando Simões recorre a Jorge Sampaio como seu advogado para ser aumentado pelo Benfica”, recua João Nuno Coelho, lembrando o magriço, Artur Jorge, os capas negras da Académica na final da Taça de 1969, e alguns do grupo do Barreiro como resistentes a estado de letargia e desinteresse.
“O futebol era despolitizado, os que teriam mais consciência percebiam que nada podiam fazer, não tinham suporte dos colegas. Uma maioria foi surpreendida pelo 25 de abril. Era um meio ultraconservador e a mentalidade reinante era parte do problema. Ao regime dava jeito o futebol como religião para distrair atenções e tirar o foco da política”, retrata, observando que “muitos dos que tinham voz e podiam ter contribuído para mudar algo eram privilegiados e não podiam fazer barulho. Nunca houve consciência social e política.”
Dá-se viragem a mercado mais tentador, face ao grito de independência que veio nos PALOP. “Há o normal corte de redes com mercado africano e recurso forte ao Brasil. Feita a revolução, as forças progressistas seriam algo anti-futebol por terem sentido que foi instrumento de poder. Foi algo estigmatizado, talvez mais a sul que a norte. Permanecem na 1.ª Divisão campos pelados até 1984”, concretiza.