Disciplina com mão pesada: Benfica é o mais punido mas sanções estão congeladas no TAD
Conforme o relatório do Conselho de Disciplina da FPF, a época de 2018/19 ficou marcada por sanções graves devido ao mau comportamento dos adeptos. Há sete jogos à porta fechada ou com estádio interditado à espera do TAD...
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Nove sanções com jogos à porta fechada e estádios interditados pontuam a atividade do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) nas competições profissionais da época passada.
Benfica soma as maiores penalizações com cinco jogos de interdição do estádio da luz e um à porta fechada
O comportamento indevido de adeptos e atividades de claques ilegais foram sentenciados com mão pesada pelo organismo presidido por José Manuel Meirim, apesar de grande parte dos casos se encontrarem "congelados" por via de recursos a instâncias superiores. Importa referir que o 18.º relatório do organismo federativo, há dias publicado, também realça 23 sanções do mesmo género para as provas não-profissionais: Taça de Portugal, Campeonato de Portugal, juniores, campeonato e taça de futsal, futebol feminino e futebol de praia.
Após verificação de O JOGO a cada processo destacado no documento, apenas com a data e o tipo de castigo aplicado, entre as sanções que afetam equipas de I Liga apenas uma foi cumprida (Paços de Ferreira fechou o seu estádio na Taça da Liga), outra foi anulada (após recurso do Braga) e há sete que, por via de recursos para o TAD, se encontram suspensas: os cinco jogos de interdição do Estádio da Luz e um à porta fechada aplicados ao Benfica, e uma partida à porta fechada punindo o V. Guimarães.
A mão pesada do CD sobre o mau comportamento dos adeptos está devidamente comprovada nas conclusões assinadas pela equipa liderada por José Manuel Meirim, que entrou, em julho, na última época de um mandato de quatro anos (2016/20).
O combate à violência no futebol teve, pela ação do CD da FPF, exemplos marcantes na última época. As mais graves punições aos clubes por mau comportamento dos adeptos foram aplicadas. Apenas "um processo de constante impugnação das decisões" mantém em suspenso as sentenças
O relatório apresenta vários exemplos de infrações disciplinares, patentes nos vários acórdãos sancionatórios da época passada, sempre sem referência a cores clubísticas: agressões a agentes da autoridade, cadeiras incendiadas, apedrejamento de pessoas e viaturas, destruição de instalações, o deflagrar de 35 artefactos pirotécnicos proibidos numa única partida, armazenamento de material proibido em pleno estádio por grupos de adeptos, cânticos racistas e insultos homofóbicos. Tudo exemplos comprovados e verificados nos vários procedimentos disciplinares até à fase da decisão.
Neste âmbito, "tendo por base as normais legais e regulamentares, da Liga e da FPP, foram aplicadas sanções de multa em número bem significativo e atingindo montantes bem elevados", refere o documento, que justifica as medidas mais drásticas: "(...) a gravidade das infrações neste universo ditou - sem tibiezas - a aplicação da sanção de jogo à porta fechada ou de interdição de recinto desportivo, enquanto sanções mais gravosas do espetro disciplinar".
Os nove jogos à porta fechada ou sob interdição de estádio [ver mais abaixo] destacam-se neste relatório, na medida em que, conforme escreve José Manuel Meirim, "os promotores dos espetáculos desportivos só podem ser responsabilizados pelos atos dos seus adeptos, se eles - os clubes - violarem deveres, de forma negligente ou dolosa".
O balanço do CD aponta a estratégia continuada no tempo e destinada à época já em curso, nomeadamente no que diz respeito às chamadas claques ilegais
"O Tribunal Constitucional - e agora este Conselho de Disciplina da FPF - apontam, desde logo, o dever de formação e de vigilância" dos clubes, refere o mesmo documento, alegando a "responsabilidade subjetiva" de cada emblema no que diz respeito ao comportamento violento dos seus adeptos. Ou seja, os clubes têm deveres perante a Lei e aprovam, na Liga, regulamentos nesse sentido.
O balanço do CD aponta a estratégia continuada no tempo e destinada à época já em curso, nomeadamente no que diz respeito às chamadas claques ilegais: "Independentemente do acerto das respostas legais e regulamentares, isto é, com a matéria-prima de que dispõe, o Conselho de Disciplina encontra-se atento à existência de grupos organizados de adeptos que não se encontram registados conforme ditado por lei".
Nove jogos
11.09.18
Decisão: um jogo porta fechada
Clube sancionado: Benfica
Causa: mau comportamento dos adeptos. Reincidência no arremesso de objetos.
Situação: recurso TAD
11.09.18
Decisão: um jogo porta fechada
Clube sancionado: Braga
Causa: agressões simples com reflexo no jogo por período igual ou inferior a 10".
Situação: anulado
11.09.18
Decisão: um jogo porta fechada
Clube sancionado: Paços de Ferreira
Causa: agressões simples com reflexo no jogo por período igual ou inferior a 10".
Situação: cumprido
12.02.19
Decisão: quatro jogos recinto interditado
Clube sancionado: Benfica
Causa: apoio a claques ilegais em 13 jogos de 2016/17.
Situação: recurso TAD
02.04.19
Decisão: um jogo recinto interditado
Clube sancionado: Vitória de Guimarães
Causa: material pirotécnico em local do estádio apenas acessível a pessoas credenciadas pelo clube.
Situação: recurso TAD
09.04.19
Decisão: um jogo recinto interditado
Clube sancionado: Benfica
Causa: apoio a claques ilegais: adereços nas bancadas, que só podem ser utilizadas por claques legalizadas.
Situação: recurso TAD
Declarações visando arbitragens na mira do CD
O documento do CD refere-se às infrações relacionadas com declarações sobre as equipas de arbitragem, relatadas pelas próprias, por delegados da Liga, forças de segurança, proferidas em conferência de Imprensa ou em formato de notícia, nas redes sociais e noutras ferramentas de comunicação digital, como as newsletter dos clubes.
E prossegue sublinhando o generalizado impugnar das decisões disciplinares, "argumentando-se, em particular, com a liberdade de expressão, o direito à crítica e, por vezes, com a "linguagem própria do futebol" ou as "paixões e emoções"". "O CD não comunga, naturalmente, desses argumentos, embora saiba discernir - e tem-no feito - o que é o exercício do direito à crítica (suportado pela liberdade de expressão) e tudo - e é muito - o que vai para além do que se queda nesse universo legitimado", concluiu.
Neste âmbito, o relatório do CD dá conta de um universo de 30 decisões que foram alvo de recursos para o TAD e para o Tribunal Central Administrativo do Sul, assinalando que o primeiro confirmou 18 decisões do conselho e 12 foram revogadas ou alteradas. Sobre o exercício da ação disciplinar na época passada, constata: "Quando a ação disciplinar provém da FIFA ou da UEFA ou mesmo de federações estrangeiras, assiste-se a um coro de elogios sem limite".
"Por exemplo, nos domínios da violência, discriminação racial ou com base na orientação sexual e também nas declarações sobre a ação dos agentes de arbitragem, toda e qualquer medida anunciada por tais organizações desportivas é vista como algo de muito positivo para o futebol, numa lógica bem conhecida do que vem de fora é bom. Por outro lado, nesse universo [justiça desportiva internacional], incluindo clubes e agentes desportivos portugueses, é muito raro assistir a qualquer impugnação da decisão tomada", escreve José Manuel Meirim.
E aponta o dedo ao problema: "Todo este processo transfigura-se no quadro nacional. Em solo pátrio tudo é visto pela negativa - mesmo pela imprensa - e por via de (impressiva) regra, tudo se impugna, tudo se critica. Numa frase, todo o sistema aplaude e vive bem com as decisões disciplinares das organizações internacionais e de outras federações nacionais."
"Todavia, quando alguém projeta esse agir nas competições desportivas nacionais, caso do Conselho de Disciplina da FPF, tudo se transforma, adquirindo uma outra tonalidade. Como se atreve o Conselho de Disciplina da FPF a aplicar sanções de interdição de recinto desportivo ou de jogos à porta fechada, por factos relacionados com a violência ou a discriminação racial, sexual ou com base na orientação sexual? Assim, impugne-se, recorra-se, utilize-se todo o manancial comunicacional para desvalorizar a decisão disciplinar", faz notar o líder do CD.
E conclui: "Dá vontade de afirmar - porque é verdade - ainda se fosse a FIFA a UEFA ou a federação inglesa ou espanhola. Tudo é muito bom - normas e decisões disciplinares - desde que não seja nas competições desportivas nacionais."
Três questões a José Manuel Meirim
1 Atendendo ao número das sanções de jogo à porta fechada e interdição de recinto desportivo da época 2018/19 , tal corresponde a uma tendência crescente nas últimas épocas, é episódico ou podemos falar em tolerância zero do CD para com o diverso tipo de violência nas bancadas?
Permita-me que me afaste da qualificação "tolerância zero" tantas vezes repetida neste domínio e mesmo em outros. A tolerância não tem graus; não se tolera 1, 2, 2,5 ou mesmo 0,75 ou 0. Não se tolera, ponto final. É uma frase que pressupõe, de imediato, que pode haver - ou já houve - momentos tolerantes com a violência associada ao desporto. O que não transmitindo, a meu ver, a postura correta, é, porventura, também uma confissão. O CD da FPF, neste mandato (2016-2020), não tolera e ponto final. Claro que sempre naquilo que é o permitido pela lei e os regulamentos desportivos, ou melhor dizendo, que é imposto por tais normativos. É um dever público, com expressão na própria Constituição da República Portuguesa.
2 Considera que as recentes alterações à chamada Lei da Violência no Desporto estão coadunadas com as realidades do futebol profissional e não-profissional, sob o ponto de vista preventivo e sancionatório?
Já o afirmei, recentemente, e peço desculpa pela repetição. Os membros do CD e o seu presidente podem - e têm por certo - as suas opiniões sobre o regime legal vigente e aquele que virá aí no futuro. Mas não é o seu papel, enquanto órgão disciplinar exercendo poderes de natureza pública, comentar os futuros caminhos de qualquer lei. Dentro do que ela ditar, o CD fará tudo o que ela permitir, mantendo-se na senda de ser um operador - porventura dos mais ativos - no combate à violência no futebol nacional.
3 Como podem as tutelas e organismos com responsabilidade no futebol (Governo, FPF, Liga, associações socioprofissionais...) atuar com maior firmeza e eficácia no combate à violência, especialmente a que está relacionada com o comportamento dos adeptos?
Esse combate à violência no desporto é tarefa para que se encontram convocados - desde logo pela Constituição (artigo 79.º, n.º 2) - entidades públicas e privadas, e nestas últimas também se inserem os clubes e sociedades desportivas. Tal significa que existe todo um conjunto de operadores, públicos e privados, com fortes responsabilidades nesta matéria. E, se é assim, um sistema de prevenção e combate à violência no desporto, independentemente das concretas soluções legais que possam vigorar - embora tal seja importante -, só pode ser eficaz se as normas forem aplicadas sem descanso, sem tibiezas e de forma permanente. Vivendo este fenómeno há décadas - desde 1990 -, julgo que um fator determinante da pressentida falta de firmeza e de ineficácia, radica no não assumir , por inteiro e por todos, das normas legais. Daí o suceder bem impressivo de leis, novas leis e novíssimas leis, sem que as anteriores - que vão morrendo -sejam verdadeiramente aplicadas em toda a sua extensão, o que acaba por gerar mais ineficácia oferecendo, do mesmo passo, um sinal muito negativo da força da lei.