Os jogadores da II Liga não sabem o que é pisar um relvado há mais de 100 dias. A maior parte dos atletas acaba o contrato a 30 de junho e arranjar um clube não vai ser coisa fácil para os próximos tempos. Em julho não haverá salário e é preciso criatividade para estar em forma. Pelo meio, os clubes não sabem com que linhas se vão coser no arranque da época.
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Parados há quase quatro meses, jogadores, treinadores e dirigentes da II Liga partilham desafios quotidianos dos últimos tempos, físicos e financeiros, com a convicção de que a retoma vai exigir um esforço adicional. Estarão todos preparados?
A temporada 2020/21 pode arrancar a 15 de agosto, com a Taça da Liga
Já passaram três meses e meio desde que Leixões e Farense disputaram o último jogo da II Liga. Foi a 9 de março, e a 30 de abril soube-se que a prova não iria ser retomada. Contas feitas, os jogadores do segundo escalão estão há mais de 100 dias sem subir a um relvado e ainda terão de aguentar mais algumas semanas até que as pré-épocas sejam iniciadas.
A temporada 2020/21 pode arrancar a 15 de agosto, com a Taça da Liga, mas restam mais dúvidas do que certezas sobre como irá arrancar. Terá público nas bancadas? Os clubes serão forçados a realizar uma bateria de testes à covid-19, como se tem feito na I Liga? E terão estas equipas condições financeiras para cumprirem os procedimentos sanitários? A apreensão é comum ao painel de jogadores, treinadores e dirigentes ouvidos por O JOGO.
Regra geral, os contratos de jogadores e treinadores terminam a 30 de junho. A esmagadora maioria dos clubes está muito longe de ter os plantéis fechados e o que não faltam são atletas pendurados pela incerteza que a covid-19 semeou no desporto.
Sérgio Silva jogou sempre na Oliveirense mas não renovou, e João Amorim, que saiu do Feirense, sente que é a altura de tentar a sorte na I Liga. Porém, ambos sabem que, provavelmente, não vão conseguir assinar por uma nova equipa tão cedo. "Os clubes não vão começar a procurar jogadores enquanto a época não acabar", reconhece Amorim. Apesar de ter tido "abordagens" de II Liga, o médio quer esperar e está preparado para a inevitabilidade de não receber salário em julho.
O dinheiro acumulado dá para enfrentar esta "situação inesperada" sem problemas. Neste aspeto, Luís Silva está mais descansado, pois já assinou pelo Chaves. No entanto, admite, há colegas "ansiosos".
"Os clubes não estão a avançar com a rapidez que seria expectável", comenta. Os três convergem num ponto: a pré-época devia durar mais do que as quatro a cinco semanas habituais. "Eu preciso de mais tempo para ficar em forma", atira João Amorim.
Há jogadores da II Liga que terminam contrato este mês em riscode desemprego temporário
Armando Evangelista treinou o Vilafranquense em 2019/20, mas já se comprometeu com o Arouca, que subiu do Campeonato de Portugal, para a temporada que se avizinha. Adaptar o regresso aos patamares profissionais "dá muito que fazer" e a indefinição de quando o futebol arrancará não ajuda. Além disso, também alinha por um defeso prolongado.
"Pretendo uma pré-época com sete ou oito semanas", revela. Até lá, jogadores e treinadores ocupam o tempo como podem. No início, havia os planos de treinos delineados pelas equipas técnicas, mas com o anúncio do fim do campeonato passou a estar cada um por sua conta. "Cheguei a rematar a bola contra a parede da garagem e a dar saltos para caixas", relata Sérgio Silva.
O técnico Miguel Leal saiu do Penafiel e também está ciente que novos convites podem demorar. "Vejo muito futebol, analiso o que fiz, mas a vida não pode ser só futebol. Ainda agora fiz 80 quilómetros de bicicleta..."
Clubes com dúvidas se conseguem aguentar
Paulo Lopo e Francisco José Carvalho têm uma certeza: nem Leixões, nem Chaves vão aguentar jogar à porta fechada e com a necessidade de efetuar testes à covid-19 todas as semanas. Lopo, presidente da SAD leixonense, viu a Câmara Municipal de Matosinhos cortar cerca de 100 mil euros ao patrocínio existente e defende que a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Liga devem "apoiar os clubes". Sem isso, "não há capacidade para cumprir".
Francisco José Carvalho, lider da sociedade flaviense, acredita que 2020/21 vai arrancar com adeptos. "Os estádios têm melhores condições do que as salas de espetáculos e falo do que sei, pois também sou promotor de espetáculos. Se os teatros abrirem, o futebol não pode ser penalizado", sublinha. Nem um nem outro julgam que o atual formato nacional da prova está em risco.
"Esse sonho [de dividir em zonas geográficas] já se tornou pesadelo para quem pensou nisso. A II Liga está perfeitamente formatada para 18 clubes", remata Lopo. Francisco José Carvalho lembra ainda que a II Liga tem pouco público e que estádios a 30 por cento da lotação faz com que o distanciamento social seja exequível.
Por outro lado, o Mafra diz-se preparado para o que der e vier. "Não temos problemas nenhuns em avançar com o que nos for pedido", garante o presidente José Cristo, defendendo que a dependência de público é uma falsa questão, até porque a maior parte dos jogos em casa "dão prejuízo". Henrique Sereno, líder da SAD do Vilafranquense, espera para ver porque assume estar "na incerteza".
Sérgio Silva (ex-jogador da Oliveirense)
"Até rematei contra a parede"
"Quando a II Liga acabou, o treino passou a ser mais pessoal. Passei a ir para a garagem, salto para a caixas e até remato contra a parede. A minha esposa ajuda-me e agora já posso ir ao ginásio. Também jogo ténis e ando de bicicleta. Futuro? Preocupa toda a gente, quer tenha contrato ou não e precisaremos de uma pré-época alargada".
João Amorim (ex-jogador do Feirense)
"É muito tempo sem competir"
"Vou estar imenso tempo sem competir e não receberei salário em julho. Não sou rico, tenho contas para pagar, mas conseguirei enfrentar isso sem problemas. Se fosse contratado já em julho, até podia começar logo a treinar sozinho, mas duvido que as equipas façam isso".
Luís Silva (reforço do Chaves)
"Vida resolvida dá tranquilidade"
"Ao assinar pelo Chaves passei a ter um plano de treino individual. É uma tranquilidade ter a vida resolvida, mas há clubes à espera que a I Liga acabe e isso cria ansiedade. Precisamos de mais semanas para chegar à forma ideal" .
Armando Evangelista (treinador do Arouca)
"Sem datas prejudica"
"O Arouca subiu do CdP e há muito para fazer, mas a indefinição das datas prejudica. Todos os anos há uma dança de jogadores, só que tudo fica mais difícil com a I Liga a decorrer. Quem fez uma boa II Liga quer jogar na I e quem jogou pouco na I pode vir para a II...".
Miguel Leal (ex-treinador do Penafiel)
"Números não estão controlados"
"A incerteza criada pela pandemia condiciona todo o futebol e a indefinição em torno do início do campeonato também. Eu acho que em setembro o campeonato ainda não terá arrancado. Os números da doença não estão controlados. Teoricamente, a pré-época deverá ser alargada".
Paulo Lopo (presidente da SAD do Leixões)
"Governo deve pagar os testes"
"Se tivermos que fazer o número de testes que estão obrigados na I Liga, então não haverá capacidade para cumprir. Nesse aspeto, a Câmara de Matosinhos, no nosso caso, a FPF e a Liga têm responsabilidade de apoiar os clubes e os testes devem ser pagos pelo Governo, na defesa da saúde pública".
José Cristo (presidente do Mafra)
"Público faz falta, mas não dá lucro"
"Vamos fazer o que nos mandarem fazer. Estamos prevenidos. Mau foi acabarem com a II Liga e concluírem a primeira. O público faz muita falta, mas os jogos em casa não dão lucro. A II Liga tem bons estádios e os adeptos podem voltar com distanciamento social".
Henrique Sereno (presidente da SAD do Vilafranquense)
"Ninguém pode ter certezas"
"Estamos à espera do que vai acontecer. Nada será igual, mas ainda ninguém pode ter certezas. Futuro da II Liga? Se alguns clubes não receberem o que está estipulado, poderão ficar em maus lençóis. Mas no Vilafranquense estamos preparados"
Francisco J. Carvalho (presidente da SAD do Chaves)
"Sem bilheteira é impossível"
"Sem bilheteira e sem quotas é quase impossível sobreviver. Não estamos a prever essa situação. Os estádios têm mais condições que as salas de espetáculos. Recintos a 30 por cento da lotação dá para cumprir o distanciamento social. Se assim não for, o as ajudas têm que vir do Estado. Formato da II Liga? Não está em risco".