Bruno de Carvalho: "As ideias estranhas" de Octávio, os bilhetes do Benfica e os árbitros
Antigo presidente do Sporting falou sobre Octávio Machado no livro "Sem filtro - As histórias dos bastidores da minha presidência".
Corpo do artigo
Bruno de Carvalho aborda no livro "Sem filtro - As histórias dos bastidores da minha presidência" a entrada de Octávio Machado no clube, ao mesmo tempo que recorda algumas das ideias trazidas pelo antigo diretor para o futebol. "Trazia dentro dele algumas ideias estranhas", escreve.
"Sem querer ser injusto, a verdade é que, nos dois anos em que ele esteve no clube, nunca vi nada do seu trabalho que pudesse constituir uma mais-valia para o Sporting. Disse isto ao Jorge várias vezes. Chegámos a fazer uma viagem de avião inteira em que o assunto era o Octávio. Ele até concordava comigo, mas terminava sempre a dizer o mesmo: 'É um elemento fundamental. É um elemento imprescindível'. E por isso o Octávio lá se ia aguentando. Mas muito contra a minha vontade. Cheguei ao cúmulo de entrar na Academia ou no autocarro do Sporting e ver os televisores sintonizados na CMTV, canal onde o Octávio trabalhou antes de sair do clube e para onde voltou logo a seguir. Tive de dar uma ordem a proibir a emissão de qualquer outra estação a não ser a Sporting TV. Sempre o achei um elemento que só servia para criar agitação interna", introduz.
"Mais: o Octávio trazia dentro dele algumas ideias estranhas. A partir da segunda época, tanto ele como Jorge insistiam em contar-me como funcionava o futebol português. Diziam que certos clubes conseguiam ter influência junto de outros para vencerem quando jogassem contra eles. E o mesmo, segundo diziam, também era feito quando esses clubes queriam que os de menor dimensão ganhassem a um rival. Ambas as situações, como se sabe, são totalmente ilegais. Os chamados prémios para ganhar ou para perder. Ao mesmo tempo, diziam que a estrutura do Sporting tinha muito a aprender com os rivais, nomeadamente com o Benfica. Davam o exemplo de que os encarnados compravam quantidades consideráveis de bilhetes dos estádios adversários, quando iam lá jogar, para terem o apoio do seu público, naturalmente, mas acabando, em consequência, por ter influência junto desses outros emblemas. Também focaram a importância de os clubes se saberem relacionar bem como os árbitros. Aliás, esse foi um dos argumentos utilizados pelo Jorge para contratarmos o Octávio. Porque este conhecia muitos senhores do apito, encontrava-se com eles regularmente e estes respeitavam-no. Porque, com ele, os árbitros não iriam continuar a prejudicar o Sporting. Seriam justos. O próprio Octávio, mais tarde, confirmou essa suposta excelente ligação a vários árbitros. Cheguei ao ponto de ter os dois a massacrarem-me com estes assuntos. E sempre a sublinharem que o mais importante era conseguir influência sobre os outros clubes. E essa conseguia-se através destas práticas, exemplificando com a tal compra de bilhetes que eles imputavam ao Benfica. 'É assim que se faz', contavam eles. E lá voltavam ao mesmo: 'Mas a nossa estrutura do futebol não sabe nada. É péssima'. A certa altura tive de explicar-lhes: 'O Sporting é um clube diferente. Jamais, comigo aqui, iria entrar nesse tipo de esquemas. Nem comigo, nem com os meus colegas.' Ainda assim, eles insistiam", continua.
"Também focaram a importância de os clubes se saberem relacionar bem como os árbitros. Aliás, esse foi um dos argumentos utilizados pelo Jorge para contratarmos o Octávio"
"É verdade que nunca me disseram diretamente que o Sporting deveria entrar por vias ilegais. Mas lembravam sempre que era assim que outros faziam. Era uma conversa que me desagradava. E muito. Cheguei a dizer isso ao Jorge. E disse-lhe mais: 'Se alguma vez o Sporting entrasse nesses esquemas, e nunca seria comigo, a verdade é que não precisava de si para nada'. Ou seja: quis dar-lhe a entender que um clube com um dos treinadores mais bem pagos do mundo teria de ser capaz de vencer sem precisar de entrar em jogos de bastidores. Poderia ser isto uma sondagem dos dois para ver a minha abertura? Eu às vezes faço-me de parvo. Não sei o que era. Nunca quis tirar conclusões precipitadas. Nem quero. Mas posso dizer que o Octávio e o Jorge foram as primeiras pessoas com muitos anos de futebol de quem ouvi estas conversas sobre jogos para ganhar e para perder. Também é verdade que nunca foram mais além. Nunca passaram do ponto de apenas me contar estas coisas. Podia ser só uma lição. Aliás, ia ao encontro do que o Jorge gostava de me dizer muitas vezes: 'Eu sei muito do que se passa no futebol'- Talvez um dia fosse bom ele contar tudo o que diz que sabe porque poderia ajudar a resolver muitos problemas do futebol português. E o Octávio podia fazer-lhe companhia. Os dois, pelos vistos, sabem mesmo muito", surge escrito.
"Nessa segunda época, porém, o Octávio esteve bastante tempo ausente devido a problemas de saúde. E convém explicar que a sua baixa médica foi sendo prolongada devido a uma decisão conjunta de Frederico Varandas, então chefe do departamento clínico, e do próprio Jorge Jesus. Porquê? Só os dois poderão explicar, mas a verdade é que a baixa foi sendo estendida, e, consequentemente, o Octávio falhou muitos jogos. Saiu no final dessa temporada depois de me entregar a sua carta de demissão. Recebi-a com agrado, não tenho qualquer problema em dizê-lo. O Jorge veio falar comigo ainda antes desse momento, voltando a afirmar que o Octávio era um elemento importantíssimo, que eu não lhe dava valor, mas que ele deveria continuar. Tenho a certeza de que, nessa altura, o Octávio pensou que poderia entregar-me a carta à vontade e que eu não aceitaria devido à pressão feita pelo Jorge. E que, dessa forma, ele ficaria legitimado para continuar na sua função. Enganou-se. Aceitei a carta no mesmo segundo. Já depois de o Octávio ter saído, lembro-me de um dia em que o Jorge queria voltar a falar da mesma situação, mas demovi-o de imediato: 'Nem comece. Esse assunto já morreu'. E ele nem começou. Não demorou muito, porém, para que o Octávio voltasse à sua posição de comentador e passasse a aproveitar o tempo de antena para me lançar ataques e dar recados que pareciam ter vindo do Jorge. Não tenho dúvidas que muitas das coisas que o Octávio dizia eram-lhe contadas pelo próprio Jorge. Confrontei o nosso treinador com esta situação por mais do que uma vez, mas ele ficava calado ou respondia que não tinha nada a ver com o assunto e que o Octávio era responsável pelo que dizia. Depois, vinha o nosso team manager, André Geraldes, falar comigo para me contar que o Jorge tinha ligado ao Octávio muito chateado por causa das coisas que este dizia na comunicação social. Houve uma altura em que eu queria acreditar na versão do Jorge. A verdade é que ganhei por ele um sentimento de amizade e até de preocupação. E, quando gostamos de alguém, temos tendência para desculpar. Desculpar até às últimas. Dizia a mim próprio: 'Se calhar ele não mandou nenhum recado pelo Octávio. Se calhar desabafou alguma coisa e o Octávio aproveitou'. Só que, a certa altura, as atitudes do Jorge eram tão negativas, em tantos aspetos, que isso conduziu a um desgaste inevitável da nossa relação. Já disse que a partir de determinado momento ele começou a querer meter-se em todos os assuntos. E algumas dessas intromissões custaram-nos muito dinheiro", completa.