Fernando Martins funciona como guia para conhecermos a comunidade. Tripeiro de gema e portista convicto, atira-se a um 0-3 no City Ground com golos de Alberto Costa, Samu e Borja Sainz. Além de Fernando, o portismo de Ponte de Sor e Miratejo, em Nottingham
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Não é de todo improvável encontrar portugueses em Nottingham, apalpam-se pedacinhos da terra e envolvem-se provas de sabores que aguçam a saudade e o paladar. O habitual ponto de encontro até se chama Café/Restaurante Boavista, em alusão a um bairro de Luanda. A comunidade lusófona abraça-se numa cidade referência do condado de Nottinghamshire, podendo equivaler a quase 6000 falantes de português, oriundos de diferentes partes e representantes de distintas fases de emigração. Com muito alcance universitário, há estudantes que piscam o olho a Nottingham ou há formações curriculares posteriores que convocam oportunidades na área da investigação. Nesta auscultação, descobrimos Fernando Martins, homem do Porto, que trabalha no posto das finanças de Nottingham, residindo na cidade há 21 anos. A confissão de portismo salta ao primeiro contacto.
"Esta visita representa muito, sou do FC Porto e tripeiro de gema. Um pouco das minhas raízes acaba por vir até mim! E noto que há uma onda positiva da comunidade para o jogo. Aumentou a procura de bilhetes", atira Fernando, desencorajado pelo preço a tomar o seu assento no City Ground. "Tenho torcido pelo Nottingham, mas FC Porto é FC Porto. Aposto num 0-3, com golos de Alberto Costa, Samu e Borja Sainz. Tenho visto que há uma boa conexão na equipa, boas soluções, visão do banco e capacidade de não entrarem em stresse", elogia Fernando Martins, que garante só ter visto os dragões uma vez em Inglaterra, numa das visitas a Stamford Bridge.
O português espreme a cultura de Nottingham, fazendo-o girar em torno de três pontos focais: "Robin Hood, os estudantes, cerca de 75 mil, e o futebol. Isto numa cidade de 330 mil habitantes", afiança, rapidamente chegando ao nome maior na cidade. "Há referências a Brian Clough por toda a cidade. São estátuas, avenidas e praças. Tudo serve para o relembrar, já que levou o clube à glória internacional. Mesmo com as novas gerações sem terem memória tão fluída, há sempre os que se lembram de 1978/79", explica o português. "É através de Clough que gostam de contar a história da cidade. Estes adeptos não são apenas do Forest, são defensores da sua cidade, do seu distrito e da sua história. É um ambiente caloroso quando se fala de futebol, ou então quando havia um jogo com o Derby County, o eterno rival. Acreditem que é uma rivalidade ao nível de um FC Porto-Benfica", observa.
Fernando Martins manifesta-se desembaraçado a comentar o atribulado fim do reinado de Nuno Espírito Santo. "Foi um trabalho muito valorizado, os adeptos adoravam-no e davam-lhe 100 por cento de apoio. Tem havido muito carinho pelos portugueses e brasileiros. Ninguém concordou com o despedimento do Nuno ou o empréstimo do Jota. Torceram o nariz ao australiano e, pelos vistos, tinham razão", resume.
As diferentes vagas de emigração portuguesa e os sintomas de extrema-direita
Fernando Martins é conhecedor da comunidade lusófona, articulando contactos com muitos compatriotas ou amigos e amigas dos PALOP. Faz um breve retrato de quem escolheu Nottingham. "Aqui temos a vaga de emigração de 60/70/80, já com filhos e netos nascidos cá, que ocupam mais trabalhos na construção, limpeza ou cuidadores sociais. Depois temos a segunda vaga, que quem aceitou o convite do Passos Coelho para emigrar. Vieram com mais habilitações e têm empregos na saúde e função pública", carateriza, também alertando para alguns comportamentos de extrema-direita, que causam temor na comunidade. "Não é algo que nos afete já grandemente, mas ouvem-se bocas nos transportes, 'se estás em Inglaterra, fala inglês' ou 'volta para a tua terra'. Há esse racismo a vir ao de cima, comum pela Europa. O próprio partido UK Reform, de extrema-direita, apresentou a proposta para que fossem expulsos todos os emigrantes, incluindo eu que tenho trabalho e residência fixa há 21 anos", lamenta.

Aposta em golos de Samu e Mora
Palpite de uma investigadora portuguesa de Farmácia. Alentejana com raízes a norte e uma paixão herdada do avô
Sónia Pedro, de 32 anos, chegou recentemente a Nottingham, deixando a vila alentejana de Ponte de Sor. Esta investigadora júnior de Farmácia da Universidade de Nottingham abre o coração portista a esta reportagem de O JOGO.
"Ver o FC Porto jogar em Nottingham é juntar duas partes da minha vida. Falo das raízes e da paixão, estando longe numa cidade que me acolheu. Só cheguei em 2024", contextualiza, escalpelizando como se enamorou dos dragões para a vida, mesmo numa remota paisagem do Alentejo.
"Eu sou a alentejana da família, que tem a sua grande base no Porto. Quando pequena, brincava na sala e o meu avô estava a ver os jogos e a comentar os golos, os passes, e as trocas de jogadores. Com os anos a paixão pelo FC Porto deixou de ser só dele, passou a ser nossa", sustenta, decompondo o capaz de afetos e o futebol na mesa. "No meu caso a mudança de estádio fortaleceu a costela clubística, passei a ver jogos todos os natais, na Páscoa e no verão, sempre que visitava a família. Uma grande lembrança vem das comemorações do Pinto da Costa em cada conquista. Quero ter esse gosto de ver o FC Porto vencer em Nottingham, apesar de ter amigos adeptos do clube", regista Sónia Pedro, encantada com pedalada azul-e-branca esta época. Promissora de boas colheitas. "A chegada de Farioli foi uma lufada de ar fresco, conseguimos recuperar a nossa antiga garra e o mau hábito portista que apenas vencer não é suficiente. Estou a gostar da nova atitude, muito mais competitiva, estou a ver os jogos com outra vontade", clarifica, arriscando menções individuais de níveis diferentes. "Há coisas que não mudam, as minhas saudades do Vitinha e o orgulho pelo Diogo Costa na baliza. Passo a ser o nosso comando, depois de sair o Pepe. E para decidir este jogo, aposto no Samu, mas também gostava de ver um golo do Mora", atira sem se dar a grandes ponderações.
Sónia Pedro identifica curiosidade em Nottingham com a presença do FC Porto e o respeito pelos seus adeptos. Na transposição das expetativas para a fita de ação de 90 minutos, um par de avisos.
"Eu penso que o FC Porto tem de estar tranquilo e preparado, tanto para uma equipa saída da segunda chicotada como para uma equipa consistente, como se viu a época passada. Quero uma equipa prevenida para todas as eventualidades, não pode relaxar nem baixar a guarda na sua tática, que é aí que acontecem surpresas", exorta.
De Robin Hood a Clough
A investigadora farmacêutica portuguesa aceitou o desafio de estudar Brian Clough. "Do que já percebi, foi quem fez os adeptos do Nottingham sonharem alto e conquistarem muito. Ele mudou o clube e a estátua é uma recordação disso. Essa grandeza chegou aos dias de hoje, porque apareceu um entusiasmo grande com esta presença na Europa", opina, destacando o apreço sem igual por Nuno Espírito Santos e classificando as pessoas de Nottingham como as "mais simpáticas e generosas de Inglaterra". A lenda de Robin Hood segue também muito viva. "É um orgulho dos habitantes, tem impacto cultural e contribui para a economia local", frisa.

Farioli e o impacto da modernização tática
Carlos Cardoso, um portista de Miratejo, rendido à visita, com elogios ao momento, a alguns jogadores, mas especializado a perceber a cabeça do técnico italiano
Carlos Cardoso, 35 anos, deixou a Margem Sul e encontra-se em Inglaterra, acabado de fazer um mestrado em Relações Internacionais pela Nottingham Trent University o ano passado, trabalhando como supervisor no Travelodge Hotel. Um portista de Miratejo, no Reino Unido há 15 anos.
"Este é um momento especial de ligação emocional e cultural para alguém que é portista, que vive há 15 anos em Nottingham, e que o tempo despertou em si um carinho especial pelo Forest", sublinha, sem estar dividido na hora de exaltar o seu apoio, mantendo, porém, um distanciamento afetivo, em prol de uma visão mais racional. "Relativamente ao jogo, o resultado mais esperado será a vitória do meu FC Porto. Digo isto porque a equipa se encontra numa fase bastante positiva, tendo vencido os seus jogos mais recentes tanto no campeonato como nas competições europeias. Tem, realmente, mostrado uma tremenda solidez defensiva e eficácia ofensiva", ilustra, dono de impressões a respeito das individualidades mais dominantes no sucesso coletivo. "Até ao momento, destaco o Victor Froholdt e o Samu, mas também vou pela dupla de centrais Jan Bednarek e Jakub Kiwior, caras já bem conhecidas no futebol Inglês", sustenta Carlos, elevando o grau de avaliação ao técnico, desfiando apontamentos primorosos à mestria de quem comanda. " O FC Porto de Farioli representa uma nova etapa de modernização tática refinada e foco na construção desde trás. Ele procura introduzir um estilo de jogo mais posicional, com posse controlada e pressão coordenada. Mantém o ADN competitivo do clube, mas acrescenta-lhe uma dimensão mais estratégica e paciente, valorizando a inteligência tática e o rigor técnico", classifica.

"Portista na Margem Sul é afirmação de identidade"
Descomplexado, Carlos reconhece que a sua escolha fintou a ditadura da maioria na Margem Sul. "Foi uma paixão singular e resistente. Numa zona tradicionalmente dominada por Benfica e Sporting, ser portista é uma afirmação de identidade, de fidelidade a um ideal, e também superação e conquista", entende, justificando. "O FC Porto representa a coragem de desafiar o poder estabelecido e vencer 'contra tudo e todos', como dizia o saudoso presidente, Pinto da Costa."
O passado criou os laços, as vitórias fortaleceram a paixão, fluindo o enredo com assomos de grandeza.
"Ao crescer na década de 90 vivi grandes noites europeias e as conquistas da Taça UEFA e Liga dos Campeões, ambas sob a tutela de Mourinho, mas também a Liga Europa com o atual presidente, Villas-Boas, não dando para esquecer épicas vitórias contra os grandes rivais no Dragão. A celebração de títulos em ambiente familiar ou entre amigos são memórias inesquecíveis", agrafa. E a onda portista, nunca esmorece, mesmo sem provar o cálice da proximidade.
"Ver o FC Porto jogar é mais do que acompanhar um clube. É partilhar uma forma de viver pautada na humildade, trabalho e ambição. Cada jogo é vivido com intensidade, mesmo à distância, seja no café Boavista em Nottingham ou em casa, com o cachecol azul e branco à mão. É essa ligação emocional, feita de orgulho e pertença, que mantém viva a chama portista em mim!"

"Nuno fez uma ponte de prestígio..."
Depois de muita luta que não frutificou para conseguir bilhete para o City Ground, Carlos ainda pondera se vai ver o jogo no Café Boavista ou se, em casa, com o seu cachecol do FC Porto. Não negando o apreço pelo Nottingham, o português vai estar de olho na afirmação competitiva na Europa das duas equipas. Apalpando a cidade onde vive, identifica o "Forest' como o símbolo maior de uma grande paixão pelo futebol". "A era de Clough nos 70's e 80's foi um marco em Inglaterra, elevou o clube a um patamar lendário com conquistas históricas, até na maior prova da Europa. Nesse aspeto, são dois clubes igualados em Taças dos Campeões Europeus", aprecia, traçando o diagnóstico de uma cidade que acordou de um grande marasmo com uma queda dura do Nottingham a partir de 1998/99. "Depois da subida, a última época ainda deu mais vida à identidade da cidade. Vive-se o futebol com orgulho, é algo que une os habitantes, até os menos fervorosos. Mesmo com a equipa em situação difícil, renovam a esperança para cada jogo. O momento é de menor fulgor mas prevalece o entusiasmo deste regresso à Europa", define Carlos Cardoso, aflorando a cumplicidade ganha pelo Forest com a comunidade portuguesa e PALOP. Até um duro golpe. "A chegada do Nuno, em especial, e de outros jogadores foi uma espécie de ponte de prestígio entre o futebol português e a tradição inglesa. Foi uma pena que os resultados e a deterioração da relação do treinador com o presidente tenha culminado no despedimento. Gerou uma onda de desilusão entre nós", confessa.

