Líder das águias respondeu ao descontentamento dos sócios e teve pela frente o “presidenciável” Noronha Lopes. Os estatutos e o orçamento do clube eram a base de duas assembleias gerais, mas o presidente encarnado foi confrontado, sobretudo, com a auditoria, o insucesso da época e a saída de Luís Mendes.
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Mais de 12 horas depois de ter pisado as instalações da Luz, e com duas assembleias gerais na agenda, Rui Costa deu por terminado um dia em que “demissão” foi a palavra que mais vezes ouviu durante uma maratona que contou com uma enchente de dois milhares de sócios do Benfica. A afluência foi tanta que a primeira reunião de associados decorreu no pavilhão n.º2 e a segunda, à partida a mais quente, acabou transferida para as bancadas do estádio. No final do dia, a proposta de orçamento foi aprovada por uma margem muito reduzida, mas Rui Costa não deixou de ser o alvo quase único.
Se a aprovação, alcançada, do modelo de aprovação dos nossos estatutos do clube e a discussão e aprovação do orçamento do Benfica para a nova temporada eram os pontos principais dos dois encontros, o líder das águias acabou por ser confrontado com uma panóplia de temáticas que passou pelas conclusões da auditoria forense conhecidas na véspera, ainda pelas razões que sustentaram o insucesso desportivo na última época e também, entre outros assuntos menos efervescentes, a renúncia/demissão do vice-presidente Luís Mendes.
Rui Costa enfrentou ainda, ao longo de todo o dia, um “presidenciável” Noronha Lopes, candidato vencido nas eleições com Luís Filipe Vieira em 2020 - também Francisco Benitez, que começou por ser bastante aplaudido quando usou da palavra na primeira sessão, na qual foi algo apaziguador dos ânimos já exaltados dos sócios, passou para um ataque direto e carregado quando discursou na segunda assembleia. Ao ponto de se terem ouvido muitas vozes a pedir a demissão de Rui Costa e outras a solicitar a Noronha Lopes que se apresente como candidato à presidência. “Perante tantas situações que no mínimo são duvidosas ou suspeitas, o que fizeram os atuais membros da Direção que integraram os anteriores órgãos sociais. Não estranharam? Não perguntaram?”, questionou, visando diretamente Rui Costa, sem deixar de criticar o momento da divulgação, numa decisão “pouco profissional”, antes de assembleias que não visavam discutir a auditoria. E exigiu que não seja “normalizada a derrota” no Benfica, que se “aprenda com os erros”, sem se “recorrer a estatísticas”.
Palavra de presidente: “quem lesou, pagará”
Sempre com muito ruído, muitas vezes interrompido, Rui Costa tentou dar resposta a todas as questões que lhe foram sido colocadas à tarde pelos 79 sócios inscritos que pediram a palavra, mas sobretudo dando troco aos temas que Noronha Lopes colocou em cima da mesa. Sobretudo no que respeitou à auditoria, mas também à parte desportiva.
Na primeira, o antigo camisola 10 deixou uma promessa: “Fiz questão que tivessem acesso à auditoria antes da AG, foi entregue no dia em que conseguimos. Custe o que custar e a contar primeiro por mim, quem lesou o Benfica pagará por isso. Não me escondo das minhas responsabilidades, mas não me substituo à justiça. Aguardamos o final deste processo e tiraremos as nossas conclusões”.
Quanto à segunda, reafirmou que “a política desportiva do ano passado foi a mesma” que ajudou o Benfica a ser campeão há dois anos. “Não alterou rigorosamente nada. Conseguimos ser mais assertivos no primeiro ano do que no segundo ano, mas a nossa política desportiva passou de termos mais de 50 jogadores na folha salarial para os 39 que temos hoje, sendo a grande maioria deles da nossa formação. Concentrámos todo o nosso valor económico naquilo que são jogadores para jogarem no Benfica”, respondeu, sem deixar de repetir o que já havia dito à BTV sobre a falta de adaptação de Jurásek, a impossibilidade financeira de pagar o que Grimaldo e Rafa queriam para renovar e a ausência de alarme pela saída de elementos do scouting.
“Luís Mendes é que devia estar aqui a dar a cara”
Noronha Lopes e muitos outros sócios abordaram também aquilo que consideram ser uma imagem de desunião nos órgãos sociais referindo-se à renúncia da SAD e demissão do cargo de vice-presidente de Luís Mendes, que deveria ter defendido o orçamento, por ser uma das suas pastas, mas que se demitiu na última semana.
Rui Costa não fugiu ao tema. “Luís Mendes saiu de forma muito surpreendente para mim. Não sou eu que tenho de explicar, ele é que devia estar aqui a explicar e a dar a cara pelo orçamento. Luís Mendes não saiu por causa dos FSE [fornecimentos e serviços externos]. Entrou em choque com a política desportiva das modalidades amadoras, por exemplo”, disparou o líder da Direção que, às 23h30, deixou o relvado sob insultos e renovados pedidos de demissão, extensíveis ao seu elenco.
Orçamento passa mesmo à tangente
O orçamento do clube para a nova época foi votado durante o fogo cruzado a Rui Costa, que este tentou rebater, tendo os resultados sido conhecidos muito perto das 21h00. A proposta da Direção acabou por ser aprovada... à tangente, viabilizada por 21255 votos (47,61%), tendo 19882 contra (43, 2%) e 4101 abstenções (9,19%). Votaram 1992 associados.
Durante o discurso da manhã, Rui Costa foi interrompido uma única vez com aplausos quando abordou a negociação dos direitos televisivos, num aviso à Liga. “Valemos mais sozinhos do que integrados numa centralização. O Benfica não aceita receber menos do que atualmente e não sairá prejudicado com a centralização dos direitos televisivos”, reforçou.
Os cerca de dois mil sócios presentes na bancada do Estádio da Luz durante a assembleia geral da tarde, sempre muito interventivos, críticos e ruidosos, obrigaram a uma pausa de alguns minutos nos discursos por volta das 18h00. Alguns associados envolveram-se em confrontos, tendo os ânimos serenado rapidamente.
Durante as intervenções dos sócios, um deles perguntou: “Qual é o Costa que manda?” Referia-se a Nuno Costa, chefe de gabinete de Rui Costa. Mais tarde, outro associado questionou a continuidade do mesmo funcionário, lembrando que era o mesmo chefe de gabinete de Luís Filipe Vieira e pediu um Benfica democrático. Foi aplaudido de pé por toda a bancada.
Um dos sócios questionou Rui Costa sobre Bernardo Martins, cujo dossiê foi analisado e divulgado na auditoria forense. “Sabe em que posição joga?”, perguntou o associado, que obteve resposta negativa do presidente do Benfica. “Boa. Custou-nos 600 mil euros”, atirou o benfiquista, sobre Benny, médio adquirido (75% do passe) ao Leixões.
O demissionário Luís Mendes era o braço-direito de Rui Costa na Direção (e SAD). Na sua ausência, o lugar vago acabou por ser ocupado por outro vice-presidente, neste caso Jaime Antunes.
A ata da assembleia geral de 27 de setembro de 2019 foi a única votada e... aprovada. Nesse dia, Luís Filipe Vieira, então líder das águias, apertou o pescoço a um sócio que o criticava, tendo a situação sido escrita em ata como agressão factual e não tentativa de agressão. Vários sócios gritaram ontem pela expulsão e houve quem questionasse quando será aberto o procedimento nesse sentido.