A elite está mais feminina: "Não devemos ficar um passo atrás, nem um passo à frente"
À mesma velocidade com que abraçam cargos diretivos noutras áreas, as mulheres continuam a ganhar espaço nas decisões do futebol português.
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Tem apenas 26 anos e assumiu há cerca de duas semanas o cargo de "team manager" do Belenenses.
Mariana Vaz Pinto, licenciada em comunicação empresarial e com um mestrado em desporto, é o rosto mais recente da elite dos dirigentes da I Liga e uma prova evidente de que o sexo feminino veio mesmo para ficar no futebol português, não se traduzindo isso somente no crescimento progressivo de praticantes e treinadoras.
Desapareceram desse panorama Sónia Carneiro, ex-diretora executiva coordenadora da Liga, e Estrela Costa, antiga diretora-executiva e ex-acionista da SAD do Aves, mas o número de mulheres que se embrenham nos gabinetes e nos mais diversos lugares de decisão continua a aumentar, ainda que devagar, com algumas a integrarem até conselhos de administração de sociedades desportivas, como são os casos de Maria José Sancho e Sara Alves Sequeira no Sporting e de Maria Manuela Aguiar, Rita Moreira e Cristina Azevedo no FC Porto. Já no Lixa, da divisão de Elite da AF Porto, ainda está bem fresca a eleição de Luciana Monteiro, professora de profissão, para presidente, a primeira mulher a dirigir o clube com 90 anos de existência.
Ao ter sido escolhida para team manager de uma equipa profissional masculina, o mesmo cargo que desempenha por exemplo a alemã Kathleen Krüger no Bayern Munique, Mariana Vaz Pinto também já percebeu que entrou para a história e não teme o futuro. "Isto não é um bicho-de-sete-cabeças. É um cargo com responsabilidade, mas eles existem em todas as áreas e eu sinto-me com capacidade. Caso contrário, não teria aceitado o convite", garantiu, sublinhando ter sido muito influenciada por Raquel Sampaio, a diretora de todo o futebol feminino do Sporting entre 2016 e 2019, das camadas jovens à equipa principal. "É uma fonte de inspiração. Aprendi muito com ela no Sporting", contou.
Atual diretora da "Teammate Football Management", uma agência de atletas do sexo feminino e de treinadores que trabalhem na mesma área, Raquel Sampaio entende que o futebol português "ainda está muito fechado às mulheres no dirigismo". "Continuam a direcionar a mulher para o futebol feminino. É uma porta de entrada, claro, só que depois o caminho é muito longo. Temos várias barreiras para ultrapassar. Já vemos algumas mulheres em cargos diretivos na Liga, mas isso não significa ter a decisão final. São cargos intermédios. Um diretor desportivo homem decide quase sempre tudo. Já uma mulher, com o mesmo cargo, tem sempre alguém acima a decidir. Vejo isso em todos os cargos diretivos em Portugal, não é só no futebol", denunciou.
Mulheres com cargos proeminentes no futebol português
Helena Pires
Diretora executiva da Liga de Clubes
Assumiu o cargo em 2018, depois de ter sido secretária administrativa e diretora na Liga de Clubes. Tem a responsabilidade de organizar as competições profissionais.
Helena Relvas e Daniela Santos
Delegadas em jogos da Liga de Clubes
Representam a Liga nos jogos. Dirigem as reuniões preparatórias dos jogos com diversos agentes (diretor de campo, diretor de segurança, comandante das forças de segurança, equipas e equipa de arbitragem), garantem o cumprimento do regulamento e reportam à Liga toda a informação relevante.
Adelina Trindade Guedes
Diretora geral da SAD do Boavista
Além de diretora geral, também é responsável pelo departamento jurídico da SAD do Boavista. Foi a primeira instrutora da comissão disciplinar da Liga, advogada do V. Guimarães e administradora da SAD do Boavista.
Martha Gens
Presidente da Associação Portuguesa de Adeptos
Preside à Associação Portuguesa de Defesa do Adepto e integra a direção da Football Supporters Europe, uma estrutura organizativa internacional reconhecida pela UEFA e pela Comissão Europeia. Também está filiada na Associação Portuguesa de Direito Desportivo .
Mónica Jorge e Mafalda Urbano
Diretoras na Federação Portuguesa de Futebol
Antiga internacional portuguesa e ex-treinadora, Mónica Jorge é diretora para o futebol feminino da Federação Portuguesa de Futebol. Foi a primeira mulher a assumir um cargo na direção da FPF (em 2012), depois de ter ter sido selecionadora nacional no futebol feminino. Mafalda Urbano é diretora geral adjunta da FPF. Está sob a égide do diretor geral Tiago Craveiro.
Mariana Vaz Pinto
Team Manager do Belenenses
Leva duas semanas como team manager do Belenenses. Antes foi secretária técnica das equipas de formação do futebol feminino do Sporting e team manager da equipa B, também no Sporting.
Sofia Teles
Diretora de provas da AF Porto
É responsável pela organização de todas as competições da AF Porto. Desempenhou o cargo de diretora desportiva da secção feminina do Braga.
3 questões a Adelina Trindade Guedes
"Trazemos ideias novas e exequíveis"
1 No exercício dos cargos que já desempenhou no futebol, deparou-se com dificuldades pelo facto de ser mulher?
-Nunca. E também nunca me senti privilegiada. Sou, muitas vezes, a única mulher presente em assembleias gerais da Liga de Clubes e em reuniões do Boavista, mas sempre me senti muito respeitada. Sou tratada de igual de forma pelos meus pares e já trabalho no futebol há mais de 25 anos. Costumo enturmar-me bem nas discussões e as propostas que lanço nunca deixam de ser consideradas. Muitas acabam aprovadas.
2 Uma mulher reúne mais facilmente consensos no futebol?
-As mulheres costumam trazer ideias novas e quase todas são exequíveis. Os homens pecam por algum idealismo, por apontarem para projetos nada práticos. As mulheres são mais pragmáticas, apresentam propostas concretas. Vivemos o fenómeno do futebol com maior racionalidade. Festejamos as conquistas, vibramos, mas não perdemos a noção da realidade.
3 Por que razão ainda há poucas com poder no futebol português?
-Se calhar porque é preciso gostar muito de futebol. Quando eu entrei, seria a única; atualmente, já existem algumas. Acredito que muitas mais vão assumir cargos de responsabilidade, mas não é fácil lá chegar. O funil é mais apertado para nós. As mulheres têm de passar sempre por muitas etapas para alcançar um lugar de destaque. Têm de se esforçar muito mais do que um homem. O preconceito de que um cargo diretivo no futebol deve destinar-se a um homem ainda prevalece.
Vão da FIFA até ao Newcastle
Começam a faltar dedos nas mãos para contar as mulheres mais poderosas da atualidade no futebol. Para o diário inglês "The Times", deve surgir agora em primeiro lugar Marina Granovskaia. Depois de ter trabalhado nas empresas petrolíferas de Roman Abramovich, a russa (com nacionalidade canadiana) mudou-se para os cargos diretivos do Chelsea em 2003 (quando o clube foi comprado pelo russo) e, já como diretora executiva, ficou associada, na época passada, à conquista da Liga dos Campeões. Semelhante título refletiu, segundo dizem, a perspicácia e a boa gestão desportiva da profissional (já apelidada de "Dama de Ferro"), que, ao mesmo tempo, convenceu Abramovich a nunca deixar de investir fortemente no clube londrino.
Ainda em Inglaterra, outra senhora ganhou enorme notoriedade este mês: Amanda Staveley. A empresária inglesa detém 10% do Newcastle e foi ela a acertar a venda de 80 por cento do capital do clube por 353 milhões de euros ao "Public Investment Fund", controlado pela Arábia Saudita, apontando agora à conquista de títulos "num prazo de cinco a dez anos", à boleia de mais dinheiro a ser injetado pelos novos patrões. A pairar bem mais acima mantém-se Fatma Samoura (59 anos), uma ex-diplomata senegalesa que se tornou em 2016 a primeira mulher secretária-geral da FIFA, por nomeação de Gianni Infantino, ficando com a responsabilidade de supervisionar a área comercial da organização. Antes, havia desempenhado vários cargos nas Nações Unidas e, já em 2018, foi considerada pela revista "Forbes" como a mulher mais poderosa no domínio do desporto, a nível internacional. Bastante mais nova (34 anos), a alemã Kathleen Krüger é nesta altura tão ou mais célebre do que as profissionais já citadas. É a team manager do Bayern Munique e entranhou-se tão bem na equipa que é a única pessoa, fora do plantel, a fazer parte do grupo de WhatsApp exclusivo dos futebolistas. O seu trabalho silencioso em termos de logística (e não só) é apreciado por todos, de tal forma que Guardiola já tentou levá-la para o Manchester City. Na esfera da arbitragem, é incontornável o nome de Stéphanie Frappart. A francesa foi a primeira a apitar um jogo da Liga dos Campeões (Juventus-Dín. Kiev), em dezembro de 2020, e no mês passado esteve em Portugal para dirigir o Braga-Midtjylland, da Liga Europa.