"Uma vez fui expulsa por uma árbitra sem ter feito falta. Senti que foi por ser brasileira"
Camila Mehler, média de 27 anos, faz parte do plantel do A-dos-Francos, equipa da Zona Sul que, face aos resultados menos conseguidos, desceu de divisão. Um momento que Camila sente com muita tristeza.
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Camila Mehler chegou esta época a Portugal, mas na carreira conta com experiências no Brasil, Estados Unidos da América e Espanha. Neste momento delicado que a equipa de Leiria atravessa, a médio falou do futuro e da importância de se manter ligada ao futebol, tendo como grande referência a antiga internacional portuguesa Emily Lima.
O A-dos-Francos foi a primeira equipa a descer de divisão. Como estão a viver esse momento difícil?
- Está a ser bastante triste, até porque eu acreditava que íamos dar a volta por cima. No início da temporada nós sabíamos onde estava um dos problemas e a razão de não conseguirmos vencer, mas depois, quando a Direção tomou uma posição, renasceu a esperança mas acabou por ser tarde. Faltou alguma união, que é um grande pilar para conquistar as coisas. É uma pena o A-dos-Francos, que é uma equipa de tradição no futebol feminino em Portugal, acabar assim a temporada. Mas às vezes é preciso dar um passo atrás para ganhar impulso para a frente e ir mais longe.
Que problemas eram esses?
- Esta época teve duas partes distintas. Na primeira fase, com a Isabel no comando técnico, a equipa tinha outra cara, que não era particularmente boa. Desde que cheguei vi sempre muito potencial nesta equipa, mas, como todos os bons negócios, não adianta ter um bom produto se não houver uma boa administração. Depois, com a chegada do treinador Mauro, a equipa ganhou uma nova cara. Foi uma mudança drástica e, como todas as mudanças, isso também requer algum tempo. Mas, no fundo, está a ser uma temporada de muita aprendizagem.
Acredita que a experiência que tem no futebol foi uma mais-valia para a equipa?
- Sinto que sim. Com o percurso que tenho, tento sempre transmitir coisas boas para todas, e tento ajudar na evolução delas, porque acredito que todas têm potencial. É por isso que dentro de campo tento falar com todas e incentivá-las a não desistir das jogadas. Naquilo que posso ajudar, eu ajudo.
Na carreira já passou por vários emblemas que contribuíram para esse crescimento. Há algum que destaque?
- Carrego marcas de todas as equipas por onde passei. O Palmeiras por ter sido o meu primeiro clube. A Juventus (Brasil) por ter tido a Emily Lima como treinadora, que, posteriormente, passou a ser uma referência no futebol feminino. Mas o que me marcou mais foi o Cowley Tigers (EUA), por ter sido a primeira equipa onde joguei fora do Brasil.
Como foi a mudança do Brasil para o Estados Unidos da América?
- Quando recebi o convite para ir jogar lá fiquei muito feliz por ser algo que sempre tive vontade de fazer. No entanto, só falava o básico de inglês e acho que essa foi a minha maior dificuldade. Mas foi tudo uma questão de adaptação, desde a língua, à cultura, à alimentação. Todas essas experiências mudaram a minha forma de ver as coisas, de perceber que os sonhos são possíveis. Além disso, foi importante para o meu crescimento como jogadora e como pessoa.
Depois disso voltou ao Brasil e, mais recentemente, mudou-se para Portugal. Quais é que são as principais diferenças entre a América e a Europa?
- Para além da cultura, os métodos de treino são diferentes. Na América, o futebol tem mais a ver com força e velocidade; na Europa acho que se focam mais no aspeto tático. E percebo que esse foco exista, porque aqui a maioria das equipas não treina todos os dias. Na América, nos treinávamos com mais regularidade.
Ser de nacionalidade brasileira já a levou a sentir algum tipo de discriminação?
- Sim, infelizmente já sofri com isso. Houve uma vez que fui expulsa por uma árbitra sem ter feito falta para tal coisa; senti que foi por ser brasileira. Aliás, essa foi a minha primeira e única expulsão. E também já tive episódios menos felizes com alguns treinadores.
Há alguém que veja como uma referência?
- Sim, a Emily Lima. Atualmente é a selecionadora do Equador. Tive a sorte de a ter como treinadora na temporada 2011/12, que foi precisamente na altura em que a Emily começou a carreira de treinadora, depois de ter jogado futebol e de ter, inclusive, representado a seleção portuguesa. A personalidade forte dela e a vontade que tem de aprender são um grande exemplo para mim, para aquilo que eu espero ser no futuro.
Daqui a uns anos, onde é que imagina estar?
- Ainda quero jogar em mais equipas e em países diferentes. Num futuro mais distante, quando decidir pousar as chuteiras, tenho como objetivo ser treinadora. Daí a minha admiração pela Emily, porque vejo-a como um exemplo daquilo que ambiciono ser. A grande certeza que tenho é que quero continuar ligada ao futebol, de um forma ou de outra. Isto é mesmo a minha vida e é aquilo que me faz mais feliz.