Tatiana Pinto brilha como nunca, mas anseia por mais: "Essa é a linha de pensamento que me guia"
Em entrevista ao O JOGO, a futebolista do Levante revela que está a viver a melhor fase da carreira, que se sente confiante e que quer continuar ao mais alto nível. Fala ainda do desejo de marcar presença no Mundial de 2023, pela Seleção Nacional.
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Tatiana Pinto dispensa apresentações. A cumprir a segunda temporada no futebol espanhol, ao serviço do Levante, a centrocampista de 28 anos, natural de Oliveira do Bairro, tem sido uma das figuras mais influentes da formação granota e, em apenas dez jogos, já apontou quatro golos, ultrapassando, assim, o registo que conseguiu em toda a época passada, quando assinou três remates certeiros.
Como e quando surgiu o futebol na sua vida?
- Não consigo especificar uma data ou uma idade, mas a verdade é que eu nasci com esse gosto. Lembro-me que jogava futebol na rua e na escola, com os meus amigos, e depois surgiu a oportunidade de ingressar numa equipa masculina. Naquela altura, na formação, não havia equipas de futebol feminino e, desta forma, quando eu tinha seis, sete anos, fui treinar, à experiência, ao Oliveira do Bairro Sport Clube. Gostei imenso, eles também gostaram bastante de mim e ficaram logo comigo. Permaneci no clube até aos 12, 13 anos.
Na última jornada da liga espanhola, a Tatiana apontou um bis na goleada do Levante ao Sevilha (5-1) e, nos últimos quatro jogos que disputou pelo conjunto valenciano, marcou por quatro vezes. Aliando este faro pelo golo às magníficas exibições que tem somado, sente que está a atravessar a melhor fase da sua carreira?
- Eu diria que sim, que esta é a melhor fase da minha carreira. Claro que há sempre espaço para melhorar e eu tenho-me guiado por essa linha de pensamento. No entanto, neste momento, sinto-me completamente bem nos aspetos físicos e mentais e altamente competente a nível técnico-tático. Tudo isso dá-me uma confiança muito grande e tem feito a diferença.
Nesta altura, o Levante ocupa o terceiro lugar da tabela classificativa, apenas atrás do tricampeão Barcelona, que lidera, e do Real Madrid. Levando em consideração este arranque promissor, quais são os objetivos do clube para esta temporada?
- O nosso grande objetivo é competir ao máximo nível em todos os jogos, mantendo a nossa identidade, o nosso ADN. No final da época faremos as contas e veremos até onde é que o nosso trabalho diário nos levou.
Na época transata ficaram às portas da fase de grupos da Liga dos Campeões, ao serem eliminadas pelo Lyon, que viria a sagrar-se campeão europeu. Vão lutar por um lugar na próxima edição da competição?
- Por aquilo que estamos a fazer, nós temos essa ambição. Porém, ainda falta muito campeonato e a competitividade é alta. Sabemos que reunimos competências para chegarmos lá e vamos continuar a trabalhar para que isso se concretize.
Costuma acompanhar a Liga BPI? E quem é que acha que pode arrecadar o título esta época?
- Quando tenho algum tempo livre, tento sempre acompanhar. Os jogos são televisionados e isso é uma grande ajuda. Em relação a quem ganhará o título esta temporada, acho que o Benfica está em vantagem. Possui uma equipa muito forte, há um elevado investimento na modalidade e isso acaba por se traduzir nos resultados.
Em termos de profissionalização, investimento e outros fatores que considere relevantes, quais são as principais diferenças entre o futebol feminino espanhol e o português?
- Neste momento, a liga espanhola é totalmente profissional e isso traz mais dinheiro, visibilidade e patrocinadores às equipas. Há pouquíssimos sintéticos, a maioria dos jogos disputa-se em relva natural e considero que isso é uma grande ajuda. Só o facto de, em Espanha, as jogadoras se dedicarem a 100 por cento ao futebol quer dizer muito. Em Portugal, infelizmente, há muitas atletas que trabalham o dia inteiro e depois vão treinar à noite. Eu também já passei por isso e admiro todas aquelas que conseguem. Gostava que tudo fosse diferente e julgo que, pouco a pouco, as coisas estão a evoluir nesse sentido.
Em Portugal foi bicampeã nacional pelo Sporting, já depois de ter representado Valadares Gaia, Clube de Albergaria, Fermentelos e Oliveira do Bairro Sport Clube. Equaciona um possível regresso ao futebol português?
- Eu sinto-me bem no Levante e, se puder continuar fora, no estrangeiro, vai ser essa a minha escolha. Talvez queira terminar a carreira em Portugal, porque acho que faz sentido, mas, para já, voltar não é, de todo, a minha prioridade.
Ainda muito jovem, jogou no futebol alemão, pelo SC Sand, e inglês, ao defender as cores do Bristol. Como é que essas experiências a ajudaram na evolução como atleta e ser humano?
- Foram duas experiências completamente diferentes e por isso é que elas são tão ricas para mim e para a minha vida. Saí muito nova para a Alemanha e, efetivamente, não estava preparada. Passei do amadorismo para o profissional e isso foi um choque de realidades muito grande. Não me sentia bem e acabei por sair de lá. Já a passagem por Inglaterra foi super positiva. Percebi que, se queria ser profissional, tinha de mudar a minha mentalidade. As colegas com quem convivi no Bristol e que hoje jogam nos principais clubes ingleses, como Manchester United e Chelsea, despertaram em mim aquela vontade de querer mais, de trabalhar mais. Foi aí que alterei o chip e agarrei-me àquilo com unhas e dentes.
Que características a definem como jogadora?
- Considero-me, sobretudo, uma jogadora de equipa, que coloca sempre o coletivo à frente do individual. Sou uma futebolista disponível, trabalhadora e disciplinada. Treino como jogo e as coisas têm corrido bem com esta minha forma de ser.
Como é a Tatiana fora das quatro linhas?
- Tem imensas semelhanças com a Tatiana jogadora, a disciplina pauta a minha vida. Sou uma pessoa alegre e extremamente positiva. Mesmo que esteja perante uma situação péssima, procuro sempre ver o lado bom das coisas. Tento pensar que, noutro canto qualquer do mundo, haverá alguém a passar por algo pior do que eu e isso acaba por me ajudar a relativizar tudo.
Quais são as suas maiores inspirações / referências dentro do futebol?
- Lembro-me perfeitamente do Europeu de 2004, em Portugal. Realizaram-se vários jogos no Estádio Municipal de Aveiro e o meu pai fazia parte da organização. Então, eu ficava toda contente porque sentia que estava a viver aquilo de perto. Em termos de nomes, posso referir o Deco, o Luís Figo e o Nuno Gomes. Depois, claro, toda a gente falava do Ronaldinho Gaúcho, que era a sensação do momento. Mas sempre adorei o Xavi Hernández e o Andrés Iniesta. Era muito fã e ainda hoje os idolatro. No feminino, sempre olhei para a Carli Lloyd (jogadora norte-americana que se retirou há pouco tempo) como um exemplo em todos os aspetos. Tive a felicidade de a enfrentar por quatro vezes e, para mim, foi bastante especial. Nós, Seleção, fizemos três jogos contra elas nos Estados Unidos e, no primeiro encontro, em Filadélfia, logo depois de elas se terem sagrado bicampeãs mundiais de forma consecutiva (tetra na história), o Lincoln Financial Field estava com mais de 50 mil pessoas nas bancadas, foi um ambiente que nunca tínhamos vivenciado. Elas entraram em campo com a taça e o hino delas foi cantado à capela. Aquela experiência marcou-me para o resto da vida. Sem quaisquer dúvidas. Deu para perceber também que o nosso futebol ainda está distante destas realidades, mas que é para ali que queremos caminhar. Foi muito giro.
Missão: realizar o sonho de uma vida
Tatiana Pinto é uma das peças imprescindíveis do tabuleiro do selecionador Francisco Neto e, daqui a pouco mais de dois meses, tentará ajudar Portugal a conseguir o apuramento histórico para o Mundial.
Com 96 internacionalizações A por Portugal, Tatiana Pinto estreou-se pela equipa principal das Quinas a 10 de março de 2014, aos 19 anos. Desde então já esteve presente em duas fases finais de Europeus: 2017, nos Países Baixos, e 2022, em Inglaterra. Caso a Seleção Nacional confirme a presença - que seria inédita - no Mundial da Austrália e Nova Zelândia, em 2023, a médio pode atingir a marca centenária de jogos em pleno Campeonato do Mundo.
A 22 de fevereiro de 2023, Portugal vai disputar, na cidade neozelandesa de Hamilton, a final do play-off intercontinental, frente a Tailândia ou Camarões, e tentar, pela primeira vez, chegar à fase final de um Mundial. Será o jogo da vossa vida?
- Vai ser um dos jogos da nossa vida na perspetiva de estarmos a um passo de alcançar um feito inédito. Tudo se decidirá numa só partida e teremos de nos apresentar no máximo das nossas capacidades para conseguirmos ganhar.
Caso a Seleção consiga o apuramento histórico, pode chegar às 100 internacionalizações A enquanto disputa o Mundial. Alguma vez este cenário lhe passou pela cabeça?
- Já, claro. Até tenho uma história engraçada sobre isso. Em conversa com a Natasa Andonova (avançado do Levante), que é como se fosse minha irmã, perguntei-lhe se tinha noção que eu posso completar as 100 internacionalizações no Campeonato do Mundo, ao que ela me respondeu que seria espetacular e que gostaria de ter a mesma possibilidade. Ela é da Macedónia do Norte e não tem tido estas oportunidades. Mas ficou muito contente por mim e eu estava ali a tremer, toda entusiasmada e nervosa.
Frente à Islândia (vitória lusa por 4-1, após prolongamento), na ronda 2 do play-off europeu, foi eleita pelo O JOGO como a melhor em campo, com nota 9. Foi o encontro mais memorável que fez com o escudo das Quinas?
- Sim. O Estádio Capital do Móvel, em Paços de Ferreira, estava muito bem composto, as pessoas do Norte são espetaculares e eu tinha a família na bancada, com a minha avó a assistir ao vivo, pela primeira vez, a um jogo meu na Seleção. A importância da partida em si, que nos permitiu chegar ao play-off intercontinental, e toda a carga emocional que esteve ao redor da mesma fizeram desse encontro o mais memorável. Consegui marcar e assistir, num triunfo em que fomos bastante superiores. Foi muito gratificante para mim.
Portugal venceu os últimos seis jogos que realizou, estabelecendo um novo recorde. Considera que este registo comprova o crescimento do futebol feminino português nos últimos anos?
- Claro e acredito que, nos próximos anos, esse crescimento ainda se vai notar mais. As coisas estão a correr bem, principalmente devido ao excelente trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela FPF, associações, clubes, jogadoras e todas as pessoas envolvidas no futebol feminino em Portugal.
Em 2012, chegou às meias-finais do Europeu de sub-19, numa equipa com Fátima Pinto, Andreia Norton, Vanessa Marques, Diana Silva e Jéssica Silva. Havia qualidade diferenciadora para o futebol feminino português atingir estes patamares?
- Naquela altura, eu achava que tínhamos um grupo bastante bom e unido. As jogadoras sentiam-se bem a jogar umas com as outras, havia qualidade e as coisas aconteciam naturalmente. Chegámos às meias-finais de uma forma tranquila e quase que fazíamos a gracinha de ir à final. A Espanha, que tinha, entre outras, a Alexia Putellas, venceu por 1-0, com um golo mesmo a acabar.
Esteve presente nas fases finais dos Europeus de 2017 e 2022. Como descreve esses momentos?
- São momentos incríveis, onde qualquer jogadora deseja estar. Quero que Portugal marque presença, assiduamente, em Europeus, Mundiais e Jogos Olímpicos, porque merece. Trabalho, todos os dias, para representar o meu país nessas competições.
Foi um dos rostos de uma campanha recente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) que visa combater a violência contra as mulheres. Tendo em conta o desrespeito total pelos direitos humanos que se verifica no Catar, qual o seu olhar sobre o Mundial que está a decorrer?
- Sinceramente, não me identifico, não tenho vontade alguma de ver os jogos e só acompanho mesmo os encontros de Portugal. Não me transmite aquele entusiasmo que costuma estar associado a uma competição destas, sobretudo por causa de todas as polémicas em que este Mundial está envolvido. Por exemplo, não faz qualquer sentido proibirem o uso da braçadeira "One Love", com as cores do arco-íris de apoio à comunidade LGBTQIA+. O Catar devia ser um país mais aberto à diversidade, aquilo lá não é viver, é sobreviver. Depois o facto de nos fornecerem dados falseados e "comprarem" adeptos para preencherem as bancadas... Tudo isso tira a alegria, a paixão e o amor ao futebol.