"Os familiares entram na ambulância, não os veem mais e depois só sabem do pior"
É na capital da Lombardia, Milão, uma das regiões mais afetadas pela covid-19, que Mónica Mendes está em casa. A O JOGO, a futebolista do Milan, que pelas redes sociais tem feito constantes apelos à responsabilidade cívica, faz o retrato da situação no país com mais mortes devido à doença
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Qual é o cenário que se vive em Itália?
Esta zona da Lombardia é a mais caótica de Itália. Infelizmente, está a morrer imensa gente aqui na Lombardia. Não sabemos até quando isto vai durar e só podemos fazer o que depende de nós que é ficar em casa, lavar as mãos e ter todos os cuidados e mais alguns quando saímos para comprar bens alimentares.
Como avalia a resposta do sistema de saúde italiano?
Não há nenhum sistema nacional de saúde, e o nosso em Portugal é muito parecido com o italiano, que tenha capacidade para tantos cuidados intensivos e para tantas camas e ventiladores para todos. E chegámos a um patamar em que se decide quem se salva e quem se deixa partir. E temos de nos lembrar que há pessoas com outras doenças e que precisam de ventiladores. Os hospitais estão lotados e o sistema nacional de saúde está saturado.
E concretamente em Milão?
Digamos que Milão é a cidade rica de Itália e os hospitais também estão a ficar completamente saturados.
Nesta fase, qual o comportamento dos italianos?
Quando apenas havia o conselho do governo para não se sair, cada um fazia o que lhe apetecia. Muitos iam ao sul de Itália ver a família e contagiavam ou eram contagiados. Com a quarentena obrigatória, onde vivo, vejo que as pessoas cumprem. Há silêncio na rua e conto 3/4 pessoas na rua por dia que saem para as compras ou passear os animais e sempre tudo muito rápido. Mas há sítios em que ainda não se cumprem regras. Havendo controlo policial, saindo sem justificação, paga-se uma multa e em casos mais graves há direito a prisão. Dado o aumento dos números, o governo vai apertar e as multas serão mais caras e o tempo de prisão maior.
Falou no silêncio. Como classifica esse silêncio?
É um silêncio triste, porque a cidade é muito movimentada e nas compras, por exemplo, sente-se esse silêncio e tristeza. Na Lombardia é onde morrem mais pessoas e milhares estão a sofrer, porque a partir do momento em que os familiares entram na ambulância já não os veem mais e depois só sabem do pior. Parece quase surreal.
Em termos pessoais, tem sentido medo?
Não há motivo para entrar em pânico nem em dramas. Pensamentos destrutivos não ajudam em nada e preciso de estar tranquila. Mantenho a calma, faço imensas coisas, cuido da minha saúde mental e física. É difícil estar em casa muitos dias, mas tudo há-de passar. Há que esperar que chegue o sol, depois da tempestade.
Autocontrolo advém do karaté
Antes de se tornar uma jogadora profissional, Mónica praticou karaté. Amealhou medalhas e nesta altura, os ensinamentos que colheu no tapete contribuem para enfrentar melhor este momento. "Enfrento este momento com espírito positivo e construtivo e a minha personalidade tem que ver com a formação que tive no karaté. Todo o controlo que preciso de ter, manter a calma e a concentração máxima nos meus objetivos têm-me ajudado imenso", assegura. Longe de Portugal, mas sempre em contacto com familiares e amigos, Mónica deixa uma mensagem. "Não é tempo para abraços, beijos, ou passeios na Marginal. Fiquem em casa. Há muitas vidas para salvar e espero que a realidade de Itália nunca chegue a Portugal", diz a central.