Hannah Kean, avançada do Braga, segue atentamente o que se passa nos Estados Unidos da América, de onde é natural. Está preocupada com a família, mas também desiludida com o que acontece no seu país.
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Licenciada em comunicação em saúde, a goleadora da equipa bracarense mantém-se focada no treino para estar pronta a voltar à competição.
Em tempo de pandemia, a questão impõe-se: como está?
-Estou bem (suspiro). É estranha toda esta situação, estou a aprender todos os dias novas coisas para me manter ocupada e tentar estar relaxada. Às vezes é difícil sentir que estou a controlar tudo, mas faço por isso. Tento estar em forma, faço exercício e falo com a minha família. Não estou triste nem nada disso, por isso, estou bem.
O que tem feito neste período?
-Muito exercício físico, mas também é difícil manter a motivação sabendo que não temos jogos tão cedo. A sorte é que sempre fui boa em manter o foco. Além disso, tenho objetivos que quero cumprir no futuro. Quero ganhar mais troféus, estar bem para a minha equipa e marcar muitos golos. Todos os dias tenho isso em mente para me motivar a fazer exercício. Não estamos a jogar agora, mas vamos jogar outra vez e tenho de estar forte e rápida. Também tenho lido muito, desenho muito. Desenhar acalma-me e estou a melhorar porque tenho tempo para melhorar. Vejo Netflix.
O que é mais difícil neste momento?
-Estar tão longe da família. Para as portuguesas, mesmo que não possam sair de Braga, há família próxima, estão no mesmo país, que podem ver com facilidade. Para nós, americanas, é difícil saber como estão todos da família. Tentamos não ficar doidas com isso. Na minha família não há ninguém infetado, mas sinto que é uma questão de tempo... Falo com eles todos os dias, a tecnologia ajuda imenso. Os meus avós são muito idosos e preocupam-me muito. Ninguém vive em grandes áreas urbanas. Os meus pais estão no Maine, numa das ilhas, acho que é dos locais mais seguros em que podiam estar.
A preocupação com a família nos EUA está sempre presente, principalmente com os avós, já idosos
Como estão eles a lidar com a situação?
-Estão preocupados, mas são positivos sobre isto. Não querem preocupar-me e poupam-me. Sabem que me sinto mal porque não posso enfiar-me num voo para os ver. Estão a ser responsáveis e a fazer tudo o que podem. Seguem todas as regras e acreditamos que as coisas vão melhorar.
As notícias apontam para mais de duas mil mortes por dia nos EUA. O Governo está a gerir bem a crise pandémica?
-A situação deixa-me triste. Acho que o Donald Trump é um idiota, nem sei se posso dizer isto.... Oh, claro que posso! Espero que os meus familiares não ouçam nada do que ele diz e ouçam os cientistas e tudo o que recomendam, os verdadeiros cientistas. Espero que mais pessoas nos Estados Unidos não o ouçam. Não consigo estar zangada nesta situação, mas desiludida. O momento é difícil porque é tudo novo, ninguém esteve nesta situação ou sabe como lidar com ela. Dizem que o isolamento vai durar dois meses, mas as pessoas ficam cansadas no final de um mês. Quem não tiver ninguém à volta fica saturado mais rapidamente. Depois, alguns pensam que são jovens e saudáveis e não vão ficar infetados. Até pode ser, mas têm de pensar que podem ser focos de contágio.
"Na Bundesliga nunca jogarias num sintético"
Hannah considera que o futebol feminino em Portugal está a crescer.
Que avaliação faz do futebol português?
-Entre a minha primeira e a segunda época houve um grande crescimento e interesse no futebol feminino. Há um longo caminho para seguir, mas está a crescer. Acho que joguei em ligas mais competitivas, mas se as outras equipas conseguirem equiparar o nível do Braga, Benfica e Sporting a qualidade vai aumentar e melhora o interesse do público. Este crescimento, em qualquer parte do mundo, leva tempo. Creio que o aparecimento do Benfica trouxe mais competitividade.
Jogou nos EUA, Austrália, Alemanha e Portugal. Quais são as diferenças no futebol destes países?
-Na Alemanha e nos Estados Unidos (onde não joguei na liga principal, mas vi jogos) são muito fortes e grandes. Nos jogos portugueses há muitas raparigas mais baixas... estou a marcá-las e se lhes toco caem, porque sou grande. Às vezes ser forte e grande não é muito bom.
Na Alemanha a Bundesliga está muito bem estabelecida, nunca jogarias um jogo em relva sintética, nem nos EUA. Mas isso tem a ver com o desenvolvimento da Liga, leva tempo. Acho que Portugal tem uma boa Liga, mas há coisas a melhorar.
Após vencer o campeonato e jogar a Champions, terminar a época em terceiro não foi uma desilusão?
-Sim, seguramente. Sei que podíamos fazer melhor para estar mais próximos na luta. Também não queremos que seja muito fácil porque isso não nos permite crescer. O facto de não termos vencido faz com que estejamos mais sedentas por fazer melhor na próxima época. Todas vão estar mais focadas em dar outra resposta. Ganhar o campeonato na última época e participar na Champions foi como um sonho. E foi ainda melhor porque não cheguei a um clube que ia participar na Champions, eu ajudei a isso: conquistámos o campeonato e depois participámos na Liga dos Campeões. Foi bom conseguir fazer o caminho todo com o Braga.
Vegan com arte para a cozinha
As americanas do Braga dividem casa. Assim, Hannah vive com Shad Pratt e Denali, partilhando momentos de convívio neste tempo de isolamento. Hannah divide-se entre o treino, a pintura e a cozinha. A avançada foi educada num ambiente vegetariano, desde que o pai, atleta, descobriu "que corria mais rápido deixando de comer carne". Quando cresceu, deram-lhe liberdade para experimentar carne, mas nunca quis. Pelo contrário. "Comia queijo e ovos, mas aos 17 ou 18 anos li mais sobre estes alimentos e sobre a sua produção, o que faziam ao planeta e percebi que não precisava destes nutrientes para manter o meu físico. Sinto-me bem", diz.
"Agora que temos mais tempo livre, tem sido divertido fazer e experimentar novas receitas. Gosto muito de batata doce frita, massa de vegetais e cogumelos. Fiz para as minhas colegas e elas dizem que sabe muito bem". Hannah não condena quem não consegue deixar de comer carne, mas esclarece, entre risos, que "os vegan não são doidos".