ENTREVISTA - O médico Belmiro Alves, também andebolista, tem estado a ajudar no hospital de campanha instalado no Palácio de Cristal, no Porto, e avisa que a covid-19 está longe de desaparecer.
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Sem trabalho e tendo as habilitações necessárias para ajudar, Belmiro Alves passa os dias no Super Bock Arena-Pavilhão Rosa Mota a ajudar os doentes com covid-19.
Como surgiu a possibilidade de ir ajudar no hospital de campanha no Rosa Mota?
-Após concluir o Internato de Formação Geral em Medicina em 2019, e optando por não ingressar já numa especialidade médica, com o objetivo de estudar para concorrer de novo ao acesso à especialidade, encontrava-me em casa sem trabalho. Com o crescer da pandemia por covid-19, a Ordem dos Médicos lançou diversos apelos para que todos os médicos com disponibilidade pudessem ajudar. Um dos quais foi relativo ao voluntariado no hospital de campanha do Porto e acabei por ser contactado.
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O que faz lá?
-De manhã, fazemos a visita diária aos doentes, avaliamos o estado clínico e tomamos atitudes perante os achados. Quando estamos na área vermelha (zona onde estão os doentes), por vezes é necessário dar auxílio noutras tarefas, como ajudar na alimentação e nos cuidados dos doentes, apoiar os enfermeiros nas pesquisas de glicemia e administração de insulina ou dar apoio aos auxiliares ao levar um saco de resíduos para outro local. Como todos somos voluntários, desde médicos, enfermeiros a auxiliares, o espírito humano de interajuda domina e acabamos por fazer tudo o que seja preciso em prol dos doentes.
"Como todos somos voluntários, médicos, enfermeiros e auxiliares, o espírito humano de interajuda domina"
Esta sua ajuda então é mais na base do espírito de missão?
-Foi, sem dúvida, o espírito de missão. No início da pandemia e face ao que estava a acontecer em Itália e Espanha, não sabíamos qual seria o impacto inicial da covid-19 em Portugal e qual a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde. Por isso achei que, tendo em conta as minhas habilitações, não era apenas um dever médico ir ajudar, mas um dever cívico.
De uma forma geral, em que estado se encontram as pessoas que estão lá?
-O hospital de campanha foi desenvolvido no sentido de assegurar o acompanhamento de doentes menos graves ou que se encontram numa fase de convalescença a aguardar a negativização do teste. Por isso, a maioria das pessoas encontra-se estável e com a infeção respiratória resolvida. Claro que vai havendo agudizações clínicas, pois na maioria são idosos com outras doenças de base, mas sempre que algum doente necessita de cuidados mais especializados, bem como outro tipo de meios de diagnósticos e terapêuticos, é transferido de novo para um hospital central.
"AS PESSOAS NÃO PODEM BAIXAR A GUARDA AGORA"
Receio do pior parece ter passado entre a população, o que o leva a deixar alertas.
Acha que esta pandemia poderá deixar-nos em breve ou ainda vamos ter de esperar muito tempo?
-Desconhecemos por completo o caráter e o comportamento deste novo coronavírus e é difícil prever a evolução da pandemia. Analisando os perfis epidémicos de outras pandemias víricas que assolaram a espécie humana ao longo da história, como a Gripe Espanhola ou a Gripe Asiática, acho que ainda teremos que esperar algum tempo. Foram vírus diferentes e a medicina encontra-se muito mais desenvolvida, mas falta comprovar a imunidade ao vírus após a primeira infeção e paralelamente o sucesso de uma vacina. Assim acho que o SARS-COVID 19 ainda está para durar.
"Temo que se esteja a acelerar o processo de desconfinamento, que devia ser gradual"
Concorda com a decisão de desconfinamento tomada pelo Governo?
-Sim, o desconfinamento deve ser feito e a altura parece-me apropriada. Contudo, temo que se esteja a acelerar esse processo, que devia ser gradual. Inicialmente, a população desvalorizou a covid-19. Posteriormente, com os relatos de Itália e Espanha, passou a temer exageradamente o vírus. Agora estamos numa fase em que, como as coisas correram bem, as pessoas parecem voltar a desvalorizar, numa ideia de que "isto afinal não era nada como diziam, tanto alarmismo e não tivemos grandes problemas...". Este é o meu receio, as pessoas não podem baixar agora a guarda, devem continuar a respeitar as medidas propostas pela DGS. É praticamente inevitável existir outro pico, o importante é não deixar que a curva de infetados com necessidade de hospitalização supere a capacidade do SNS. Neste sentido, um desconfinamento desmedido é um risco.