ENTREVISTA (Parte 2) - Pandemias: entre a teoria, que indica serem espaçadas no tempo, e a prática foi uma distância curta e terrível, diz Filipe Froes.
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Numa entrevista, em finais de janeiro, ao "Público", Filipe Froes avisou que a evolução da covid-19 era imprevisível, porventura um conceito com o qual a sociedade tecnologicamente evoluída do século XXI tem dificuldade em conviver. Desde então foi possível conhecer melhor o novo coronavírus, no entanto o caminho ainda é longo. Uma certeza, porém, é que "sem a Organização Mundial da Saúde [OMS], seria muito mais difícil".
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"Estamos a lidar com uma doença que tem três meses e meio de evolução e em que aquilo que já sabemos, que é muito, é manifestamente inferior a toda a informação que precisamos de saber", reconheceu o pneumologista. "Nesse contexto, percebe-se que no início deste surto na China, provavelmente, nenhum de nós, nem mesmo a China, teve a capacidade de perceber todo o seu impacto. E fomos todos apanhados com algum grau de surpresa", admitiu:
"Tivemos uma pandemia há dez anos e não é habitual haver tantas tão próximas. Sobretudo numa altura em que o nosso conhecimento tecnológico, toda a nossa capacidade é muito superior ao que era há cem anos e há 200 anos. Tivemos uma pandemia em 2009/2010, a da gripe A, e provavelmente ninguém imaginaria que dez anos depois tivéssemos uma pandemia muito mais grave do que a da gripe A. Embora, do ponto de vista teórico, possamos ter uma pandemia de outro micro-organismo ao mesmo tempo ou imediatamente a seguir". "Isto significa", prosseguiu, que "uma das lições que vamos retirar para o futuro é aumentarmos o nível de vigilância, preparação e resposta. Provavelmente, como não estávamos à espera, na prática, que isso acontecesse, baixámos as guardas."
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Com números assustadores de mortes e contágio e as rotinas de meio mundo viradas do avesso, os passos da OMS, como da generalidade dos decisores, têm sido escrutinados e criticados: "Todos nós, todos os países, todas as organizações, e a OMS não será exceção, teremos de ter capacidade de fazer a nossa análise interna e de sermos auditados externamente. Provavelmente, todos nós tivemos erros e a OMS não está isenta de ter feito alguns erros. Agora, o que lhe posso dizer é que isto com a pandemia é difícil; sem a OMS, seria muito mais difícil", rematou Filipe Froes.
DONALD TRUMP E A OMS: "DESCULPAS DE MAU PAGADOR"
Depois de ter negado a evidência de uma pandemia da covid-19 e de variar quase diariamente a abordagem na defesa da população do país mais atingido pela doença, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA) suspendeu o financiamento à Organização Mundial da Saúde, que declarou culpada de muitas mortes. A atuação de Donald Trump em todo este processo é "muito criticável", lamenta Filipe Froes.
Como vê as acusações do presidente dos EUA à forma como a OMS geriu a pandemia?
- Vejo isso como desculpas de mau pagador e acho que a atuação do presidente dos EUA neste contexto é muito criticável. Digamos assim: eu não quereria que uma pessoa com este nível de conhecimento tomasse decisões tão importantes sobre a minha vida e a vida dos meus.
Fica arrepiado quando lê que, na Bielorrússia, o campeonato de futebol continua?
-Cada país, e a Bielorrússia não será exceção, deverá adaptar as suas atividades à epidemiologia local e à regulamentação governamental. Portanto, se mantêm a atividade, é porque as autoridades de saúde e as governamentais entendem que há condições para isso. Em Portugal, felizmente, e provavelmente em decurso da situação epidemiológica de que fomos e ainda estamos a ser vítimas, houve, a meu ver, total justificação para a interrupção do calendário de futebol.
AUSTERIDADE OU A VIDA
O surto de covid-19 tem tornado clara a importância do investimento no Serviço Nacional de Saúde. De repente, os profissionais da área, que os tempos da austeridade forçaram à emigração, perceberam-se uns heróis na defesa do mais elementar direito do ser humano: o direito à saúde. O mesmo contexto que escancarou esta evidência, porém, faz ressurgir a ameaça de tempos de austeridade, antecipados recentemente num relatório do Fundo Monetário Internacional. "Perante esta ameaça à escala global que põe em causa a saúde e o nosso principal ativo, que é a vida de todos nós, devemos perceber que há sacrifícios cuja alternativa não existe", comentou Filipe Froes: "Vai haver austeridade, vai haver perdas económicas, mas a alternativa seria perdas de vida e, portanto, não há alternativa."
"Vai haver perdas económicas, mas a alternativa seria perdas de vida"
ADEPTOS LONGE DA BANCADA
Contactados por "pessoas amigas" para colaborar com a Liga numa solução para devolver o futebol profissional aos relvados logo que possível, Filipe Froes e António Diniz, médicos e amigos que gostam "muito" de futebol, alinharam sem hesitar. "Percebemos que era um exemplo para a esperança necessária a estes tempos - a esperança de reabrir atividades importantes no nosso dia a dia com segurança, com responsabilidade e dando o exemplo para outras", explicou, sem revelar qual o clube que o faz vibrar. Certo é que não dispensa o futebol, para descontrair das preocupações da atividade clínica, embora pouco vá à bancada, porque aos fins de semana, "inevitavelmente", está a trabalhar. "O meu colega padece do mesmo problema", adiantou.