O fisioterapeuta de São João da Madeira partira para a Arábia Saudita na esperança de fazer um bom pé de meia, mas acabou por viver um pesadelo.
Corpo do artigo
Em três meses, a vida de Ivo Almeida, que em 2016 trocara a Oliveirense pelo Najran, da Arábia Saudita, deu uma volta de 180 graus: deixou de receber o salário e quando chegou a hora de regressar a Portugal, o visto caducara. Regressou em maio, mas os últimos dias lá foram de desespero. A intervenção da embaixada portuguesa foi crucial para o colocar no avião de volta para casa.
Como se sentiu sem documentos para sair de um país estranho?
É uma situação aflitiva. Os últimos 20 dias pareceram-me 20 anos. Fiquei impotente e sem respostas para dar à família, principalmente ao meu filho mais novo, que estava constantemente a enviar-me mensagens a perguntar quando chegava - apercebi-me de que ele fazia isso durante as aulas.
Sentia o seu filho angustiado?
Sim, tanto que as notas na escola desceram a pique. Até para o mais velho foi complicado: ele agarrou-se a mim a chorar a pedir para não ir.
Se lhe oferecessem outra oportunidade para trabalhar num país árabe, voltaria?
Não. Fiquei muito traumatizado. Foram seis meses de momentos angustiantes: a ausência da família e dos amigos, a distância... Os meus amigos perguntaram-me se tinha comido bem no Natal, eu disse-lhes que sim: comi arroz com carne de camelo - o meu prato favorito, parecia vitela estufada -, só me fazia imensa impressão quando serviam borrego com a cabeça. Amiúde, os responsáveis do clube juntavam toda a gente num almoço, porque vivíamos num edifício (incluindo os dirigentes e os jogadores), a 300 quilómetros de Najran, sede da equipa, e vivíamos sozinhos.
Onde é que jogavam?
O campo foi arrebentado com duas bombas, há quatro anos, e deslocaram-se para Abha.
Havia bombardeamentos???
Ainda lá estava quando caíram bombas em Najran - a sorte é que estava a 300 quilómetros. O nosso guarda-redes era polícia e mostrou-me vídeos de casas arrebentadas e receei que pudesse chegar a Abha.
A sua família conhecia a situação?
Não. Estou a contar isto pela primeira vez. Já passou, agora estou em casa, tranquilo e longe daquele país.
Uma odisseia, o seu regresso...
Fui três vezes para o aeroporto. À segunda, estava sozinho no prédio e pedi ao rececionista para levar o carro que estava disponível, mas não me permitiu. Eu queira tanto ir embora, e como não havia táxis, decidi caminhar uns 800 metros, com a mala na mão, e atirar-me à estrada a fazer parar o trânsito para pedir boleia para o aeroporto.
E conseguiu?
À quarta tentativa. Quando já ia no carro, o indivíduo exigiu-me 100 reais (cerca de 25 euros). Fiquei perplexo! A vontade de regressar a Portugal era tamanha, concordei. Mas ainda não foi dessa vez que embarquei...
Imagino como terá sido quando, finalmente, embarcou...
A porta do transfere abriu e disparei à frente de todos. Mesmo assim, não foi fácil: o voo atrasou-se uma hora. Em Lisboa, mais obstáculos: uma fila enorme para os táxis e eu sem tempo, pois estava quase na hora de apanhar o comboio. Não estive com meias-medidas: supliquei a um taxista, que tinha acabado de deixar uma pessoa no aeroporto, para contrariar as regras e levar-me à estação.