Foi na Casa das Seleções Nacionais de futebol que a Federação Portuguesa recebeu os melhores jogadores de futebol virtual. Esta final, que contou com os 64 finalistas de uma competição que começou com mais de 1500 jogadores, mostrou apenas um pouco do mundo do eSports, cada vez com mais fãs
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Uma passadeira de LED, oito estações de jogo em simultâneo, equipamentos oficiais do torneio, relatos ao vivo dos encontros disputados, uma zona de entrevistas rápidas e um massagista com a função de tratar os "danos" nas mãos provocados por horas aos comandos no "FIFA 2017". Foi com pompa e circunstância que a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) recebeu no passado dia 22, na Cidade do Futebol, os 64 finalistas do Allianz Challenge, a primeira competição de eSports organizada pelo organismo que rege o futebol nacional.
Aos 48 sobreviventes de uma primeira fase eliminatória, disputada online por mais de 1500 jogadores, juntaram-se 16 "wildcards" que lutaram durante várias horas por um troféu idealizado para o evento e um cheque de dez mil euros - inserido num bolo total de 20 mil em prémios - a ser entregue ao vencedor. Estes acabaram por ir direitinhos ao bolso de Gonçalo Pinto, mais conhecido como "RastArtur", que também ganhou o direito de enfrentar Agge Rosenmeier, bicampeão mundial de "FIFA", na Dinamarca. Aos 18 anos, o jovem estudante, natural de Lisboa, somou mais uma vitória ao vasto palmarés que já detém no reino do eSports. "Já venci vários torneios em Portugal e no estrangeiro, como a Liga PlayStation, por duas vezes, e já fui vice-campeão ibérico." O primeiro jogo de futebol que jogou foi o FIFA05, lançado em 2004, e confessa que sempre foi um fã dos videojogos, mas a competição só chegou mais recentemente. "Só comecei a competir mais a sério no final do FIFA15, quando venci a minha primeira FNAC Gaming League."
Treino diário, estudo intensivo e... Ronaldo
A presença num torneio desta dimensão, o maior de sempre organizado em Portugal envolvendo o jogo "FIFA", é o sonho de qualquer entusiasta das consolas, mas O JOGO descobriu que há quem disponha de outro tipo de condições para chegar a um nível de elite. Por entre os milhares de anónimos que, desde o seu sofá, tentam a sorte diariamente em torneios online, também existem "gamers" cujo talento acima da média lhes valeu o passaporte rumo a equipas profissionais de eSports. É o caso de José Soares (RunRun) e Nuno Baratelli (NunoBC), que se candidataram com sucesso à For The Win (FTW), uma das maiores "multigaming" do país, que vai ao ponto de providenciar acompanhamento educacional e psicológico aos seus atletas com vista a um desenvolvimento saudável neste universo.
Em conversa com O JOGO, a dupla que subiu a pulso nos rankings do "FIFA" explicar que não é preciso ser um "agarrado" para alcançar o estrelato. "Duas ou três horas por noite são suficientes para atingir um bom nível, subir nos torneios e não colocar em causa a vida académica ou profissional", atirou José Soares, enquanto Nuno Baratelli destacou o "estudo intensivo dos adversários" como outro dos fatores para chegar longe na modalidade. O "segredo", esse, passa muitas vezes por comandar o Real Madrid (a equipa mais escolhida pelos "gamers") e usar e abusar dos dotes extraterrestres de Ronaldo.
O objetivo primordial destes atletas é singrarem em torneios internacionais e construir um estatuto que lhes permita arrecadar dinheiro nos "streamings" de Youtube, cujo número de visualizações - que para os melhores a nível nacional já chega às 500 mil - vai determinar o valor que cai nas suas contas. O "FIFA", jogado nas plataformas Playstation, Xbox ou PC, é apenas um entre vários jogos onde é possível construir uma carreira, com o "League of Legends" e o "CounterStrike" a surgirem como os títulos mais populares a nível mundial.
Desbravar caminho à picareta
Advogado de profissão, Ramiro Teodósio, CEO da FTW, que fundou em 2012, revelou que já não tem que andar a correr atrás de patrocínios para manter uma empresa com 120 atletas no sector de competição e uma academia onde cabem 1200 promessas, cujo recrutamento é feito através de um sistema de scouting semelhante aos dos desportos tradicionais. "Fiz muitos sacrifícios para colocar a empresa de pé. Não tinha férias e quase não via a família por andar de torneio em torneio e à procura de patrocinadores. Agora, as coisas estão a mudar lentamente", frisou.
Contudo, Portugal ainda regista um atraso grande em relação à maioria dos países europeus e o torneio organizado pela FPF acabou por ser um raio de luz num caminho que, segundo Ramiro Teodósio, tem sido "desbravado à picareta". "As marcas têm de perceber que isto já é um mundo muito profissional e não um nicho de mercado. Basta olhar para a quantidade enorme de gente que este evento reuniu", disse. Por seu lado, Pedro Silveira, responsável pelos eSports do Sporting, pede a entrada de outros clubes nesta modalidade para a tornar mais mediática e atrativa a grandes patrocinadores. "Nós somos uma secção autónoma e angariamos os nossos patrocinadores. Neste momento só disputamos torneios amigáveis com clubes amigos e um investimento do Sporting só faz sentido quando existirem competições oficiais. Para isso acontecer, tem de existir uma grande adesão de clubes desportivos", explicou.
Contratado em 2016 pelos leões, Francisco Cruz (Quinzas), que foi obrigado a juntar-se a uma equipa estrangeira para se sagrar campeão do mundo de FIFA, em 2011, também não faltou à chamada da FPF e corroborou a opinião de Pedro Silveira. "Prémios monetários como este vão ajudar a atrair mais jogadores e o nível vai aumentar. Acho que o poderio económico dos clubes foi decisivo para a subida de nível dos eSports", afirmou Quinzas, cuja família "viu" desde cedo o seu talento para os videojogos e aceitou de bom grado o caminho seguido pelo jovem.