As transmissões televisivas da Fórmula 1 foram a inspiração dos oito engenheiros do Instituto de Tecnologia da Galiza que desde março criaram e desenvolveram o FlyThings Surf, um programa que promete revolucionar a modalidade que em 2020 será olímpica.
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"Em termos tecnológicos, o surf ainda usa fraldas", diz-nos Santiago Rodríguez, engenheiro industrial e membro da direção do Instituto Tecnológico da Galiza, pelo qual dá a cara num projeto pioneiro que promete revolucionar a modalidade das ondas a vários níveis. "Queremos incorporar a telemetria ao surf, como sucede noutros desportos, caso da Fórmula 1, em que se mede a Força G no pescoço do Fernando Alonso ou, no ténis, a velocidade de serviço do Djokovic, por exemplo", acrescenta o natural da Corunha (Galiza), de 42 anos e praticante de surf "há mais de 25". "Neste caso, uni o meu hobby à atividade profissional", sublinha, reforçando o conhecimento de causa.
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A revolução chama-se FlyThings Surf e a parte visível é um pequeno disco com seis centímetros de diâmetro, dois de espessura e um peso de 51 gramas, que através de ligações "wireless" transmite informações como a velocidade e a Força G aplicada pelo surfista em cada manobra, com o propósito de serem sobrepostas nas transmissões televisivas e vistas pelos telespectadores. "Não afeta em nada o comportamento do surfista. O dispositivo coloca-se em qualquer sítio da prancha, com a mesma cola das câmaras Go-Pro e descola-se com calor", refere Santiago Rodríguez, que explica a razão de ser deste projeto: "Quando vejo um campeonato, há muitos tempos em que não acontece nada, muitos tempos mortos em que não há ondas, logo, não há conteúdo. Se gerares dados, informação para entreter o espetador, tudo isso gera maior emoção, vai gerar maiores patrocínios e uma mais-valia na modalidade. Foi como surgiu tudo isto: dar informação para gerar espetáculo".
"Estamos a negociar com a WSL"
O objetivo inicial era a utilização desta tecnologia nas transmissões televisivas, mas o "monstro" cresceu rapidamente. "Agora está a derivar para outros setores - treinadores de surf estão a pedir-nos a tecnologia para treinar, pois pode fornecer-lhes dados estatísticos que permitem medir o esforço dos atletas. Estão também a pedir-nos o FlyThings Surf como aplicação para juízes, para ajudar a tomar decisões", diz o engenheiro galego, tocando num dos pontos fulcrais do presente e do futuro da modalidade que será olímpica em 2020 e que, por isso mesmo, está a debater a questão da subjetividade da pontuação nas competições. "A tomada de decisões [por parte dos juízes] é subjetiva. Esta é uma ferramenta que pode ajudá-los, pois fornece dados objetivos", comenta aquele responsável, que no dia seguinte a esta entrevista ia reunir-se com o Comité Olímpico Espanhol, tendo precisamente como pano de fundo a entrada do surf nos Jogos Olímpicos.
"Estamos também a negociar com a WSL", adianta Santiago Rodríguez, que aponta a vontade da federação internacional de surf em contar com uma tecnologia destas a breve prazo, que poderá ter um papel fundamental na pontuação dos surfistas na etapa do Championship Tour que terá lugar no Surf Ranch (a onda artificial criada por Kelly Slater)), onde as ondas deverão ser todas iguais. "Para eles é um objetivo ter uma solução como esta - ou esta - em 2018. Testaram outras mas não as quiseram e de momento não há outra além da nossa", garante.
"Mais importante é o software"
Iniciado em março deste ano, o FlyThings Surf foi desenvolvido muito depressa e passados três meses já estava a ser alvo de testes reais. Começou por três provas do calendário espanhol - em Zarautz (País Basco), em junho; Gijón (Astúrias), em julho; e Pantín (Galiza), em agosto, antes de ser mostrada ao público nesta última praia, nos últimos dias de agosto e primeiros de setembro, por ocasião do Pantín Classic Pro, etapa galega do segundo circuito da WSL, o Qualifying Series. O engenheiro/surfista chama, no entanto, a atenção, para o lado invisível desta tecnologia: "Mais importante do que o dispositivo, é o software que está por trás e que trata toda a informação, tem algoritmos de inteligência artificial, trabalha com redes neuronais e fazemos a ligação à transmissão televisiva, que é algo que atualmente mais ninguém faz, para fornecer a representação de todos estes dados".
Surfistas divididos quanto ao dispositivo
O FlyThings Surf despertou reações de diferentes tipos. Testado em termos públicos no Pantín Classic Pro, foi alvo de rasgados elogios por parte de treinadores, juízes - que consideraram uma ferramenta de apoio muito boa -, speakers e jornalistas, pela maior quantidade de conteúdos que permite transmitir. Quanto aos surfistas, a discussão estabeleceu-se a outro nível, merecendo aprovação generalizada para o chamado "free surf" (surf livre) mas recolhendo opiniões negativas dos competidores. Alguns referiram que a presença do dispositivo na prancha os afetava psicologicamente, quase por superstição, pelo mero facto de saberem que estava ali um objeto "estranho". Isto, apesar de algumas das ondas mais pontuadas na prova espanhola do Qualifying Series terem sido obtidas por surfistas que tinham o dispositivo na prancha...
Informação em tempo real e aplicada à força da Nazaré
A atual evolução do dispositivo regista 50 dados por segundo, embora só estejam a ser mostrados dois dos nove parâmetros que consegue medir - velocidade e Força G da manobra. O Instituto Tecnológico da Galiza já trabalha na próxima versão do aparelho, que poderá incorporar a velocidade do surfista na onda. Futuramente, poderá vir a medir a altura a que são executados os aéreos (manobra em que o surfista usa a onda para "voar"), embora esta e outras novidades dependam dos financiamentos obtidos pelo ITG, que é uma fundação privada. "Temos de trabalhar para reduzir o impacto visual do dispositivo, reduzir a espessura e integrá-lo mais na prancha", indica Santiago Rodríguez, para quem outro dos caminhos a seguir será tentar fornecer a informação ao telespetador em tempo real, uma vez que atualmente há um atraso de 120 segundos. "Precisamos de financiamento, porque estão em causa muitas horas de desenvolvimento", explica o diretor do ITG, que vê como provável a utilização desta aplicação nas ondas grandes da Nazaré: "Não tanto para medir a força das manobras, que praticamente não as fazem ali, mas para medir a velocidade e a força que têm de suportar".