O patologista Manuel Sobrinho Simões apela à prática desportiva "inteligente". A perspetiva de quem vê a doença ao microscópio, mas tem uma visão alargada da saúde
Corpo do artigo
São os nossos hábitos, e não a genética, que geram condições propícias ao aparecimento de doenças. Mas é a genética que cria a estrutura de "atletas excecionais".
A genética interfere nos casos de cancro?
Muito pouco. A não ser nos casos familiares. A genética interfere entre 5 e 10% dos nossos casos de tumores. Nos outros há uma suscetibilidade genética, mas não é importante. Se eu tiver um tumor numa criança de cinco anos, suspeito que haja uma causa hereditária porque ela é muito nova para ter um tumor. Mas isso é de cinco a dez por cento dos casos. Os outros são por alterações provocadas por maus hábitos. Como o tabaco, que provoca alterações genéticas. Mas a pessoa que tem cancro do pulmão não passa essa alteração genética a um filho.
Quem faz desporto está menos vulnerável?
Sim, sobretudo no desporto equilibrado e inteligente. O que é que caracteriza as pessoas que têm cancro? São pessoas mais velhas, ou pessoas que têm inflamações crónicas, pessoas que fumam, bebem muito e as obesas. Para além da obesidade, o sedentarismo é muito mau. Mil pessoas gordas comparadas com outras mil igualmente gordas que façam exercício, as que não fazem exercício têm mais probabilidade de ter cancro e cancros piores do que as mil pessoas gordas que fazem exercício. As únicas maleitas frequentes nos desportistas são as osteoarticulares se tiverem sido brutos. Não se morre disso. Todas as outras doenças são mais raras em quem faz desporto.
O que é exercício inteligente?
É não forçar. Primeiro é o exercício adequado à idade da pessoa. É um disparate a pessoa fazer as mesmas coisas aos 15, aos 30, aos 50... Quer a gente queira quer não, o corpo modifica-se. Portanto, a primeira coisa é ter bom senso. Segundo é fazer exercícios que contrariem alguns dos vícios que temos na profissão ou no estilo de vida. Por exemplo, eu passo muitas horas ao microscópio, em posição de cifose, inclinado, eu tenho de fazer exercícios que contrariem esta posição.
Dá, muitas vezes, a Rosa Mota como exemplo de saúde. Ela tem uma genética diferente?
Sim, é uma campeã do mundo! Um tipo normal não vai ser o melhor do mundo na maratona. A Rosa Mota e todos os grandes atletas, aliado ao treino, têm características diferentes.
Diz-se que o Ronaldo é muito fruto do treino.
E cabeça! O treino só dá atletas fora de série quando eles nasceram com características particulares.
Os nossos genes são diferentes dos deles?
Não são. São pequenas diferenças. Temos todos os mesmos genes. Eu sou diferente de si em milhares de pequenas coisas. O que não tem influência nenhuma na maioria das vezes. Os desportistas têm uma disponibilidade genética maior, mas por uma miríade de circunstâncias menores. Se milhares de pequenas coisas se juntam entre elas e todas, ou quase todas, vão no sentido de a pessoa ter uma estrutura mais ajustada ao desporto, ela vai ser atleta. Elas convergem nesse sentido e criam condições para que estes casos sejam excecionais.
Desporto é saúde e vida?
Não é sinónimo, mas ajuda. É uma atitude proativa. É muito importante na medida em que vamos ficando mais velhos e nós estamos a ficar muito mais velhos, porque a esperança média de vida cresceu imenso.