FORA DE JOGO - Entrevista a Nuno Madureira
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Nuno Madureira já não é jornalista, mas continua a ter a paixão pela escrita. O comentador do Canal 11 é coautor do livro apaixonante que conta a vida da Seleção Nacional desde o seu nascimento.
Foste jornalista durante muitos anos, agora és comentador do canal 11. Como é que se deixa uma profissão tão bonita?
Com naturalidade. Ao fim de 25 anos senti que o meu trajeto como jornalista tinha estacionado num patamar pouco estimulante. Precisava de fazer coisas diferentes, fora dos constrangimentos da profissão. Não estou arrependido. Até porque não sou só comentador do canal 11. Tenho liberdade profissional para fazer mais coisas e, acima de tudo, continuar a aprender, fazendo.
Mas zangaste-te com a profissão?
Não faz sentido zangar-me com a profissão. Quando muito, com o estrangulamento das condições para a exercer de forma digna e independente, que me parece uma forma deliberada de degradar conteúdos, minar a relação de confiança com o público e enfraquecer o pensamento crítico e o escrutínio dos poderes.
E como é que te sentes na pele de comentador, achas que tens jeitinho para isso?
A função de comentador, em jogos ou em programas, é só uma parte da minha semana de trabalho. Embora já comente regularmente jogos na TV desde 2002 vejo-me como profissional da escrita. Por isso, continuo a sentir-me um aprendiz, o que é saudável.
O 11 traz-nos aquilo que nenhum outro tem, os jogos de divisões inferiores. Têm tido bom feed back do vosso trabalho?
Acho que, no geral, as pessoas reagem muito bem, precisamente porque a proposta do Canal 11 é diferente da que havia antes. Tem servido para aproximar clubes e jogadores à sua comunidade, reforçar os vínculos de proximidade e servir de fator de estímulo, principalmente para os miúdos e miúdas que estão a começar. No fundo, recupera a ideia de que há muito futebol para lá daquela bolha de hipermediatização e profissionalismo distanciado da elite.
Escreveste com a Berta Rodrigues o livro "100 anos, 100 nomes, 100 momentos", que retrata a história da Seleção. Como é que foi fazer esta obra?
Foi um prazer que deu muito trabalho. Os 100 anos da Seleção são riquíssimos em histórias e figuras. A ideia base é que, em 2121, o infeliz que tiver de fazer a história dos 200 anos já tenha uma boa parte do trabalho adiantada...
Quanto tempo levaram para escrever, depois da recolha de dados?
A ideia já estava a amadurecer há muito tempo. Mas entre a definição do conteúdo, a pesquisa, a escolha de fotos e a escrita propriamente dita, sensivelmente um ano, com os últimos cinco meses em contrarrelógio.
Certamente, contam muitas histórias. tens alguma preferida, alguma que te tenha fascinado?
A campanha da Seleção nos Jogos Olímpicos de 1928 tem um contexto riquíssimo. Coincide com um momento decisivo no nosso país, quando a ditadura militar completa dois anos e Salazar começa a emergir como figura dominante de um regime em formação - que retardou muito o crescimento do futebol, e não só. E também com um momento-chave na história do futebol, porque decorre em simultâneo com o Congresso da FIFA que avança para criação, em 1930, de um Mundial de Seleções aberto a profissionais. Cândido de Oliveira, o selecionador português, escreve então que nada ficaria na mesma no futebol internacional e que Portugal teria de avançar rapidamente para o profissionalismo. Perdeu-se esse comboio: ele, e outros pioneiros do seu tempo, andaram nessa luta durante 30 anos...
Dá-me duas ou três razões para eu desembolsar alguns euros e comprar o livro...
A Seleção ajuda-nos a enquadrar a História social e económica do País, e faz-nos perceber melhor a História do nosso futebol, com as suas rivalidades, contradições, influências, sucessos e insucessos. O livro tem cerca de 230 fotos, muitas delas magníficas e pouco conhecidas - escolhê-las foi a parte que nos deu mais gozo.
Não achas que a esta hora já devíamos estar a festejar a ida ao Catar?
Ao utilizares a expressão "festejar a ida" estás a denunciar-te como alguém da velha guarda, exatamente como eu (risos). Nós ainda somos do tempo em que a qualificação para fases finais (1984, 1986, 1996) era a exceção, não a regra. A malta que nasceu depois dos 90 é que já nem festeja apuramentos. Por isso, a estranheza é ainda maior: claro que já lá devíamos estar.
O que é que falhou ou quem ?
Falhou competência em momentos chave e acho que também falhou a convicção de que, de alguma forma, o risco de não se vencer o grupo era real.
Acreditas que Portugal vai estar no Mundial?
Acredito. A competência existe, tem sido uma constante nas últimas décadas, tanto na forma como se trabalha como na qualidade dos jogadores.
És uma pessoa feliz?
Faço o que gosto e trabalho com pessoas competentes, de quem gosto. Nesse sentido, sou um privilegiado.