Só Conversa

"Podia escolher ser o coitadinho, mas preferi lutar"

Tem 59 anos e é paraplégico desde os 37, na sequência de uma greve de fome feita na prisão, nos tempos em que era ativista político. Agarrou-se à natação para reconstruir a vida e já vai com 16 medalhas em Jogos Paralímpicos. "Terrorista? Podem chamar-me o que quiserem." O espanhol estará em Portugal a competir.

Sebastián Rodríguez Veloso, mais conhecido por Chano Rodríguez, não se importa de dar entrevistas. Mas incomoda-o o sensacionalismo, o fazerem do seu passado o enfoque da história. "Essa parte não é a principal", diz o nadador, que ficou paraplégico em 1994.

Militante do GRAPO (Grupos de Resistência Antifascista Primeiro de Outubro) na década de 1970 e início de 1980, Chano foi condenado a 84 anos de prisão por vários atentados com explosivos e por ter tomado parte no assassínio, em 1984, de Rafael Padura, então presidente da Confederação de Empresários de Sevilha. Foi posto em liberdade condicional - e mais tarde amnistiado - ao fim de cerca de dez anos, na sequência de uma greve de fome de 432 dias, em protesto contra a separação dos presos políticos dentro da prisão.

Os 432 dias (leu bem) que esteve sem comer na prisão não o mataram, mas paralisaram-lhe os membros inferiores para o resto da vida. Sem estes acontecimentos, provavelmente esta entrevista nunca aconteceria, mas sem os que ocorreram depois, muito menos.

Tem um recorde de medalhas em Jogos Paralímpicos, certo?

Eu e o Richard Oribe, também espanhol, somos os atletas com mais medalhas de ouro na história dos Jogos Paralímpicos - temos oito. Ele também é da natação, mas tem paralisia cerebral.

E medalhas de prata e bronze, quantas tem?

Quatro de prata e três de bronze. São 16 no total, distribuídas por Sydney, Atenas, Pequim e Londres. Em Mundiais e Europeus, já lhes perdi a conta.

Começou a competir na natação apenas depois de ter ficado paraplégico?

Sim. A água e a natação sempre fizeram parte da minha vida, nasci em Cádis, depois mudei-me para Vigo, mas competição a sério só depois de 1994. O desporto mudou-me a vida de uma forma radical e, quando dou uma entrevista, gostava que esta primasse mais pela minha vida desportiva do que pelo meu passado.

Existem dois Chanos? Um antes e um depois da prisão?

Não, só há um Chano. Não nego o meu passado; o que sou hoje deve-se ao que vivi. Existe um Chano que simplesmente tentou aprender com os erros que cometeu. Antes pensava que só havia uma saída possível, mas hoje sei que há vários caminhos e a escolha é nossa. Há uma frase que costumo dizer: "Aprendi do passado, vivo o presente e trabalho para o futuro."

Insulta-o que lhe chamem terrorista?

Podem chamar-me o que quiserem. Assumi o meu passado, e cada um interpreta-o como quiser. Hoje, a minha atitude não tem nada a ver com a do passado.

O seu discurso mostra uma força psicológica impressionante...

Podia escolher ser o coitadinho, mas eu faço parte do mundo, não sou o centro do mundo. Todas as pessoas necessitam de ajuda. A vida pode dar muitas voltas, mas há que saber dar a volta por cima. Isso passa por aceitar a realidade e trabalhar a partir daí. Podia escolher não lutar, mas eu decidi viver e transmitir aos outros que se podem cometer erros muito graves.

Apesar do seu discurso otimista, certamente levou tempo a aceitar ter ficado paraplégico.

Claro que não é um salto, são mudanças lentas, pouco a pouco. Mas eu sempre estive consciente do que estava a fazer, aquela era a minha forma de pensar na altura e tudo o que fiz foi consciente.

Dedica-se à natação a tempo inteiro?

É impossível dividir com outra atividade; é muito exigente e dedico todo o meu dia a treinar. De vez em quando dou palestras em universidades e empresas.

Palestras sobre quê?

A ideia é partir do desporto como estilo de vida e explicar que, para se alcançar um objetivo, é preciso trabalho, esforço e disciplina. E que se aprende mais nas derrotas do que nas vitórias. Quando tenho um público jovem, falo muito da alimentação, explico-lhes que o corpo é como uma casa que tem de ser construída com bases sólidas.

Como é o seu dia a dia?

Levanto-me pelas 4h30/5h00 para estar na piscina às 6h00/6h30. A piscina fica a 40 minutos de carro da minha casa. Faço um treino de cerca de duas horas, antes do almoço ainda faço ginásio. Depois descanso um pouco e à tarde volto à piscina.

Em Portugal, os atletas paralímpicos queixam-se de falta de apoios. Os que tem chegam-lhe para se preparar ao mais alto nível?

É um pouco à justa, mas dá.

SAIBA QUE

Chano Rodríguez parte esta segunda-feira (dia 18 de abril) para o Rio de Janeiro, no Brasil, para o evento-teste dos Jogos Paralímpicos. O nadador vai estar depois, entre 30 de abril e 7 de maio, no Funchal, na Madeira, a disputar o Campeonato da Europa de Natação Adaptada. Chano não vai competir com qualquer português, uma vez que o nosso país não tem neste momento atletas no mesmo escalão. O nadador vai competir, sim, com adversários muito mais novos, alguns com menos de metade da sua idade. Chano fará as provas de 50, 100 e 200 m livres. Os seus recordes nestas distâncias são: 32,06s (50 m), 1m13s (100 m) e 2m38s (200 m). "Por muito que quisesse, nunca iria ganhar ao Michael Phelps", graceja, como forma de justificar os tempos, naturalmente abaixo dos que alcançam os nadadores sem limitações físicas.

Ana Proença