Sofiane Sehili tentava bater o recorde da travessia mais longa da Euroásia, do Cabo da Roca a Vladivostock
Uma semana depois de ter sido libertado, Sofiane Sehili, ciclista de longas distâncias que esteve dois meses detido na Rússia por passar a fronteira de forma ilegal quando tentava bater o recorde da travessia mais longa da Eurásia, deu entrevista ao L'Équipe na qual relata os momentos de aflição que viveu.
"Quando chego ao primeiro posto fronteiriço de Dongning-Poltavka, tenho um visto eletrónico. Quando o solicitas, vês quais são os postos fronteiriços pelos quais podes passar com ele. Este posto fronteiriço estava listado. A subtileza é que, se for cidadão chinês e tiver um visto eletrónico, podes passar por lá. Mas se fores cidadão de outro país e tiveres um visto eletrónico, não podes. Chego então a esta fronteira e dizem-me que não é possível passar e que tenho de ir 60 km mais a norte, a Suifenhe, e que lá poderei passar. Parto imediatamente. No dia seguinte, apresento-me em Suifenhe às 8h30, hora de abertura da fronteira. Dizem-me que é impossível atravessá-la de bicicleta. Passei duas horas sentado em frente a uma loja a beber chá gelado, a pensar no que fazer. Será que tento entrar mesmo assim? Não me sinto à vontade. Não estamos na Europa. Não estamos na América do Norte... Estamos a falar da China, da Rússia. Estou realmente muito hesitante, mas é muito complicado desistir neste momento. Estou muito perto do objetivo e digo a mim mesmo que, pelo menos, tenho de tentar. Infelizmente, não pensei no contexto geopolítico. Se tivesse pensado nisso, talvez tivesse tomado uma decisão diferente. Mas ignorei um pouco, ou mesmo completamente, o contexto de guerra em que a Rússia se encontra atualmente. Também ignorei completamente as relações diplomáticas geladas entre a França e a Rússia. Só pensei nisso quando já estava detido. Estive dois meses na bicicleta, não me mantive especialmente a par das notícias. Há um contexto em que não pensei. Não foi bom. É o fim do recorde, claro, mas podemos ver as coisas de duas maneiras: podemos dizer que é irritante falhar a 200 quilómetros da meta, ou podemos dizer que ainda assim foi uma bela aventura ter percorrido 18 000 km de bicicleta", reconhece.
De seguido, descreveu como conseguiu passar pelo arame farpado da fronteira: "Procuro uma passagem. Tento pelo sul. Há uma cerca de arame por vários quilómetros, o que não me surpreende. O que me surpreende é que, depois de um tempo, ela acaba, mas há um caminho que eu sigo. Começo a entrar na floresta. Desço da bicicleta, caminho, empurro a bicicleta. Atravesso uma estrada não asfaltada. Vejo que a cada 50 metros, aproximadamente, há câmaras. Continuo na floresta, não acontece nada. Chego à linha de demarcação, há arame farpado e um pequeno riacho que passa por baixo. Só tenho de me inclinar um pouco para passar por baixo do arame farpado. É muito simples. Começo também a pensar que isto é realmente uma grande asneira e que talvez não seja mau acabar com isto agora. Apresentei-me então aos guardas alfandegários, que apreenderam o meu telemóvel, o meu GPS, a minha GoPro e viram o que eu tinha filmado. Após dois dias, informam-me que vou passar trinta dias em prisão preventiva. Um choque. Estou preocupado, faço muitas perguntas, principalmente sobre segurança. Vai ser seguro? Vou ficar sozinho? Com outros detidos? Dizem-me que vou ficar detido com várias pessoas, mas que não tenho nada a temer pela minha segurança. A ansiedade começa a aumentar."
A prisão foi um experiência traumática: "Sou levado para a esquadra, onde vou passar 36 horas. É aí que começo realmente a ser tratado com muito pouco respeito, como um criminoso. Começo a avançar na cela. Há sete detidos que olham para mim e começam a aproximar-se da porta. Carrego um grande pacote com o meu colchão, almofada e lençóis. Chega um tipo com corrente e a grande cruz ortodoxa de ouro na ponta, e empurra-me. Desmorono-me. É mais do que medo. É profundamente humilhante e injusto, porque sabes que não fizeste nada de mal. Sabes que infringiste uma lei, mas não fizeste mal a ninguém. A luz fica acesa 24 horas por dia na cela. Acho que esse foi um dos momentos mais difíceis que vivi durante os 50 dias que passei na Rússia. Então chego ao centro de detenção preventiva, um lugar com janelas, televisão, pessoas que vivem. É quase um alívio."
Durante a sua estadia, melhorou o seu russo graças a um dicionário que o consulado francês lhe deu na prisão, leu outros livros e começou a escrever o relato da sua tentativa de recorde, assim como poemas. Fez também exercício físico.