Ciclista português terminou carreira esta sexta-feira, aos 39 anos
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Rui Costa deixou o ciclismo português órfão do seu maior estratega, um caso incomparável de sucesso entre os adeptos da modalidade, rendidos à disponibilidade e à inteligência do único luso a vestir a camisola arco-íris na estrada.
Aos 39 anos, e após quase duas décadas como profissional, o campeão mundial de fundo de 2013 decidiu que chegava; para trás, deixa uma carreira de sucesso, colorida por aquele arco-íris conquistado em Florença, mas também por outros 32 triunfos, entre os quais três etapas na Volta a França, na qual foi 18.º em 2012.
Falar de Rui Costa é falar de um ciclista inteligente e calculista como poucos, que fez da leitura de corrida e determinação os seus maiores aliados para se tornar num dos melhores portugueses de sempre, sobretudo no coração dos adeptos nacionais, de quem era o incontestável favorito - quando estava em Portugal, nunca negava um autógrafo, uma foto ou um sorriso.
"Ele deixa um legado para a história, que é ser campeão do mundo de estrada. Nunca aconteceu, e agora vamos ver quando é que volta a acontecer. E, depois, ele tinha uma proximidade dos adeptos. [...] Tinha essa particularidade de afetos com as pessoas, de gostar de dar uma palavrinha, ou de responder a alguma questão, ou fazer um autógrafo", recordou à Lusa o selecionador nacional.
A história de ambos cruzou-se durante duas décadas e José Poeira não hesita em revelar que para Costa "era mesmo muito importante representar o país" e que os resultados conquistados pela seleção tinham "outro sentido" para o vice-campeão da Volta a França do Futuro de 2008. "Ele foi sempre um corredor ambicioso, com uma visão de corrida, inteligente a correr, sempre a olhar para um lugar que podia fazer. Conseguiu em muitos lados: nas clássicas, na Volta à Suíça, com etapas, e ganhou três vezes. Ganhou etapas na Volta à França, ganhou na Volta à Espanha. E, depois, também tinha o sentido da seleção. Foi dos corredores que eu tive com mais sentido para a seleção", destacou José Poeira.
Foi com a camisola de Portugal que Rui Costa conseguiu o seu maior feito, mas a sua lenda transcende aquele arco-íris conquistado em Florença'2013, muitos anos depois de ter dado as primeiras pedaladas acompanhado pelo pai nas ruas da Póvoa de Varzim e pelo irmão Mário, que também foi ciclista.
Profissional desde 2007, com as cores do Benfica, cedo deu o salto para o WorldTour, a primeira divisão do ciclismo internacional, num percurso que hoje acaba e que o levou a representar Caisse d'Epargne, antecessora da Movistar (2009-2013), Lampre-Merida (2014-2016), UAE Emirates (2017-2022), Intermarché-Circus-Wanty (2023) e EF Education-EasyPost nas últimas duas temporadas.
Homem profundamente familiar - a mulher Carla foi determinante na sua carreira -, o três vezes vencedor da Volta à Suíça (2012-2014) criou uma reputação no pelotão que o levou a ser um dos mais temidos companheiros de fuga, num percurso quase sem polémicas, exceção feita ao desentendimento com Carlos Barredo no Tour'2010.
"Atrapalhava os adversários quando estava ali. Ele estar ali naquele grupo que ia para a discussão era como estar a presença do diabo", comparou Poeira.
Foi em fugas que se destacou no Tour, onde venceu uma etapa em 2011 e duas em 2013 e percebeu que não tinha perfil para candidato a uma grande Volta, mas também na Vuelta2023, onde ganhou uma tirada no coroar de uma época de sonho em que triunfou no Trofeo Calvia, Volta à Comunidade Valenciana e Japan Cup.
As últimas duas épocas foram discretas, muito por culpa de lesões, mas o três vezes olímpico - esteve em Londres2012, Rio2016 e Paris2024 - ainda conseguiu acrescentar uma última linha ao seu currículo no ano passado, ao conquistar o terceiro título nacional de fundo (2015, 2020 e 2024), a que se somam outros dois de contrarrelógio (2010 2 2013).
Mais do que uma inspiração para várias gerações de ciclistas portugueses, Rui Costa mostrou aos jovens lusos, entre os quais João Almeida, que era possível lutar com os melhores do pelotão mundial, uma premissa hoje facilmente comprovável nas redes sociais, onde proliferam mensagens de agradecimento e carinho de contemporâneos do poveiro já retirados, de atuais corredores e até de outros desportistas destacados do panorama nacional.

