São sete os treinadores espanhóis no Mundial de andebol e Ricardo Costa, técnico do FC Gaia, que jogou em Espanha seis anos, explica uma cultura própria de jogo e com créditos firmados
No mundial de andebol, que se está a jogar na Alemanha e Dinamarca, sete dos 24 treinadores são espanhóis: Jordi Ribera (Espanha), Manolo Cadenas (Argentina), David Davis (Egito), Mateo Garralda (Chile), Toni Gerona (Tunísia), Raúl González (Macedónia) e Valero Rivera (Catar).
Para Ricardo Costa, que jogou seis temporadas em Espanha e foi colega de equipa de Garralda e Davis (este no FC Porto), e treinado por Cadenas e Ribera, o poderio espanhol é natural. "Sim, vejo isto com naturalidade. Há dias o David Barrufet dizia que o sucesso de hoje está assente no que fizeram há 40 anos, quando iniciaram uma filosofia de jogo, que tem como base a escola jugoslava, mas após a qual o andebol espanhol criou um modelo próprio", refere o técnico do FC Gaia a O JOGO, explicando que essa forma de jogar se reconhece com facilidade: "Tem muito a ver com a cultura de Pep Guardiola, ou seja, o manter a posse de bola, o procurar a continuidade e o não atirar por atirar. Não que seja proibido atirar à baliza fora dos nove/dez metros, mas é possível jogar com dois centrais, na busca da continuidade, do um contra um. Os espanhóis dominam essa forma de jogar e, contra equipas pesadas, desmontam a velha ideia de que para se jogar tem andebol tem de se ter dois metros".
Ricardo Costa vai mais longe e dá exemplos. "O Talant Dujshebaev tem 1,83 metros, o Ivano Balic tem 1,90 metros, o treinador do PSG, o Raul Gonzalez, para já não falar do treinador do FC Porto, tudo jogadores fantásticos que não tinham a altura que a velha escola do andebol fala e de que Portugal é seguidor", afirma.
Costa, assumido apreciador de nuestros hermanos, defende que "existe o modelo espanhol e depois existem todos os outros" e, mesmo dizendo-se apreciador da forma de jogar da França, até aí encontra algo que tem a ver com Espanha. "Eu também gosto da escola francesa, da cultura defensiva deles. A França tem jogadores de topo mundial que se impõe apenas pela defesa, mas o próprio Didier Dinart bebeu muito do que é a cultura espanhola. Por trás dele esteve o Dujshebaev e o Raul Gonzalez e, por trás desses, esteve o Juan Carlos Pastor", justifica.
Dos referidos sete técnicos que estão presentes no Mundial, o antigo ponta-direita e ex-técnico do FC Porto destaca Jordi Ribera. "Eu também gosto muito do Manolo Cadenas, mas o Jordi Ribera, além de grande treinador, é um estudioso", revela Costa, dando depois a conhecer uma característica bastante curiosa: "O Jordi sabe impor-se sem dar um berro. Isso em Portugal seria difícil. Aqui, muitas vezes os jogadores confundem a ausência de um berro com falta de caráter, mas o Jordi, que eu conheço bem, consegue passar as mensagens dele sempre de forma educada e nem por isso as equipas dele deixam de ser agressivas".
Ainda sobre o técnico que o orientou durante quatro temporadas, Ricardo Costa recorda o trabalho feito na América do Sul. "A capacidade dele vê-se também pelo que fez na Argentina e no Brasil. Aliás, o Brasil, que hoje tem atletas de nível mundial, é o que é hoje em dia devido ao grande trabalho que o Jordi Ribera lá fez"
Ao contrário de Espanha, Ricardo Costa olha para o andebol português e não descortina qualquer sistema próprio. "Portugal nunca conseguiu criar uma cultura de jogo. Esteve cá o Donner, depois o Obradovic, que deixaram influências, mas nós, treinadores no geral, vamos inspirando aqui e ali, mas nunca criamos uma cultura portuguesa na modalidade", admite. O treinador vira-se para os atletas. "Não está em questão se é bom ou mau, mas o jogador português não discute andebol, não fala sobre andebol, não troca ideias sobre a modalidade. Em Espanha, depois dos treinos, nós ficávamos duas ou três horas a discutir coisas de andebol, como jogava este ou aquela equipa, o que tinha feito este ou aquele jogador", conta, fazendo uma última referência a uma tendência que diz ser negativa: "O jogador português centra-se muito nas roscas e nos pequenos vídeos que hoje proliferam pelo Facebook e pelo Instagram, mas isso não é andebol".