Artur Jorge marcou Coimbra: "Até lhe fizeram uma Taça para melhor marcador de bola corrida"
Mário Campos lembrou os tempos em que partilhou balneário com Artur Jorge na Académica de Coimbra
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Artur Jorge, o goleador excecional que se fez em Coimbra, quando ganhava formação académica e política, visto esta quinta-feira pelo antigo colega Mário Campos, lembrando as finais perdidas da Taça, uma luta com Eusébio e um 2º lugar no campeonato da Briosa
Figura lendária do futebol português, Artur Jorge faleceu, deixando o país futebolístico em consternação, desafiando muitas memórias e fitas rebobinadas à pressa, pois os seus méritos remetem para o universo do FC Porto, Benfica, Seleção Nacional, mas também Académica, onde começou a sua afirmação como um notável ponta-de-lança.
Foi capaz de encantar Coimbra ao longo de quatro épocas, para onde tinha vindo menino dos juniores do FC Porto para ser craque na Briosa e no seu trajeto académico.
Com Artur Jorge estiveram imensos estudantes, que também foram notáveis jogadores, uma geração de ouro que pintou anos ímpares da Académica, finalista vencida da Taça em 1966/67 e 1968/69, tendo o técnico, que foi campeão europeu pelo FC Porto, feito parte de ambos os elencos, além de ter sido determinante num 2º lugar no Campeonato.
Os capas negras só não são campeões por culpa de um esmagador Benfica, a quem dão luta em 1966/67 e Artur Jorge só não é bota de prata por culpa de Eusébio em 1967/68.
Mário Campos, hoje com 74 anos, um dos doutores, tal como o irmão Vítor Campos, já falecido, recordou-nos a passagem de Artur Jorge por Coimbra, de onde seria transferido para o Benfica como internacional português e autor de 93 golos em quatro temporadas.
"Foi alguém muito marcante para a Académica, meu contemporâneo. Foi um excecional jogador que também somou enormes êxitos como treinador. Foi internacional A pela Académica, o que era muito difícil e em quatro anos fez 93 golos, quase um golo por jogo. Até mereceu uma homenagem engraçada, uma malta da cidade fez-lhe uma pequena taça para atribuir o prémio de melhor marcador de bola corrida, porque só tinha perdido para o Eusébio, este com muitos penáltis", recorda o médico, um dos nomes célebres de Coimbra.
"Já era muito culto, escolheu letras e fez Germânicas. Entrou aqui e terminou já em Lisboa fazendo um ano que faltava, ao serviço do Benfica. Era um verdadeiro pensador, bem como um companheiro alegre e simpático", precisa na definição das marcas mais expressivas de Artur Jorge, vincando a relação que ficou com a cidade dos estudantes.
"Passou bons anos em Coimbra, nunca foi expansivo sobre isso mas sabemos que, interiormente, adorou cá ter estado. Foi um dos muitos que foi da Académica para o Benfica, tal como o Russo, o Toni, Rui Rodrigues, o Alhinho, ajudaram na renovação de uma equipa que começava a quebrar. Infelizmente não nos pôde ajudar na final da Taça de 1968/69, pois foi deslocado para a tropa para Mafra e o Benfica, que nos venceu essa final, já devia ter a sua contratação resolvida", lembra Mário Campos, recuando ao companheiro que tantas vezes serviu.
"Era um homem de área, saltava muito bem e jogava maravilhosamente de cabeça. E era muito rápido em 20/30 metros a fugir das marcações adversárias", explana, olhando ao lado mais diferenciado do agora malogrado ex-jogador e ex-treinador de absoluta eleição, conhecido como ávido leitor, colecionador de arte e amante de música clássica.
"A arte parece-me ter sido uma descoberta que faz em Lisboa por influência de um presidente do Benfica. Passou a colecionar quadros, porque adorava pintura. Mas tinha vastos conhecimentos, era um homem de muita leitura, muito fiel à poesia. Estava integrado numa Académica que disputou uma final da Taça com oito estudantes, uma equipa de altos estudos. A linha avançada tinha três estudantes de Medicina, eu, o meu irmão e o Manuel António, o Maló, o guarda-redes, também na Medicina, Marques, Belo e Gervásio, de Direito, Rui Rodrigues, de Farmácia, e o Artur nas Germânicas. Era uma época impressionante, por isso a Académica marcou tanto a diferença", relata, decifrando a influência de todo este fervilhar estudantil apoiado num ativismo político e social que crescia a partir da cidade.
"O Artur Jorge viveu intensamente a atividade académica, pois além de jogar na Académica, viveu numa república e aí adquiria não só formação académica como formação política, pois era uma fase de estudantes de grande categoria que chegavam de todo o país, munidos de condições de acesso à cultura. Foi por onde começou a mudança no país que chegou com o 25 de Abril. O Artur Jorge também era um homem da busca da liberdade e bebeu muita literatura estrangeira que aparecia nas repúblicas, distante das livrarias. Isso definiu-o também como um homem de esquerda moderada", conta Mário Campos.