Se gosta de snooker, esta é a entrevista que não pode deixar de ler. Nélson Baptista é o único treinador português com as credenciais da Federação Europeia de Bilhar e Snooker (EBSA) e também o único, até agora, a abrir uma verdadeira escola, onde não há fumo, bebidas alcoólicas e mau ambiente.
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SÓ CONVERSA
Por Ana Proença
Nélson Baptista foi o responsável pela Cue Zone, espaço que durante o Snooker Lisboa Open, que decorreu em dezembro no pavilhão Casal Vistoso, em Lisboa, serviu para tirar dúvidas e dar aulas de iniciação de snooker a todos os interessados. Pela primeira vez, Portugal recebeu um evento oficial do circuito profissional europeu, com a participação dos melhores do mundo. Nélson Baptista, 30 anos, natural da Amadora, não poderia ficar de fora. O também presidente da Cue Action - Associação Portuguesa de Snooker vive para divulgar e promover aquilo que define como "um desporto muito difícil".
Snooker não é o que se joga nos cafés...
Esse é um dos grande problemas que temos. Para a maioria das pessoas, tudo o que tenha mesa e tacos é snooker. E não é assim! Nos cafés ou salões de jogos joga-se o pool português. O pool dos cafés só se joga em Portugal, tínhamos de ser diferentes...
Há, portanto, o pool e o pool português?
Exato. No pool português, as mesas ainda são mais pequenas do que as de pool que, já por si, são mais pequenas do que as de snooker. Dizem que surgiu por razões comerciais. No lugar de uma mesa de snooker ou de duas de pool, é possível colocar quatro mesas de pool português. Criou-se uma mesa mais pequena, com buracos mais pequenos, de modo a que o consumidor possa estar mais tempo a jogar e a consumir. Tudo sempre numa lógica comercial. O snooker, por seu turno, é um desporto de espetáculo, de televisão. Temos muitos mais espectadores de snooker do que temos de pool, mas temos mais jogadores de pool do que de snooker...
Por que diz que o snooker é um desporto de espetáculo ao contrário do pool?
O snooker joga-se por pontos, existe um despique diferente. É um jogo de batalha, de estamina, um jogador pode ser vencido pelo cansaço. É como um jogo de xadrez, de guerra tática, existe um jogo defensivo e mental, esperamos pelo erro. Costumo dizer que o snooker é uma forma de estar na vida. Quem joga é muito mais compreensivo, estável, ponderado, perfecionista, normalmente tanto que até chateia [risos]. O normal no snooker é ter problemas para resolver, isso mexe com a própria pessoa. O snooker é um desporto muito difícil e a taxa de desistência é muito elevada. »
O que a realização, pela primeira vez em Portugal, de uma competição oficial do circuito europeu profissional [Professional European Tour] pode trazer de positivo à modalidade?
Não vai trazer mais espectadores do que já temos, pois, na verdade, através da Eurosport, temos uma taxa elevadíssima em relação aos outros países. Mas vai tirar finalmente as pessoas do sofá. As pessoas vão ver os jogos ao vivo e o português é um pouco como o espanhol: precisa de mexer para ver [risos]. No meio de tanta gente, vão surgir atletas, é uma bola de neve. Além disso, a autarquia de Lisboa assinou um protocolo com a federação para a expansão da modalidade nas escolas, através de um programa piloto em uma ou duas instituições de ensino.
Li que também tem um projeto para levar o snooker às escolas. É a mesma coisa?
A ideia é, no fundo, a mesma: colocar o snooker como atividade extracurricular, optativa. Eu sou o responsável máximo pela formação e pretendo formar, no futuro, outros treinadores e olheiros com capacidade para recrutar novos talentos nas escolas, para integração em campeonatos distritais, nacionais e internacionais. Essas pessoas irão reportar a mim e eu reporto à Federação Europeia de Bilhar e Snooker (EBSA). O projeto tem de começar por ser local, mas as dificuldades começam logo nas Juntas de Freguesia. Em Portugal, é preciso muita paciência para se conseguir fazer alguma coisa, é tudo muito burocrático. A maioria das pessoas não sabe, mas o snooker está registado a nível europeu como o desporto com mais impacto escolar que existe.
Como assim?
Pelas valências que oferece: geometria descritiva, matemática, física, motricidade fina, coordenação óculo-manual, atenção e concentração, que são muito importantes. Jogar snooker faz aumentar o aproveitamento escolar. Mas só deve ser praticado por crianças a partir dos 12 anos, que é quando adquirem a estrutura cerebral apropriada. Os chineses colocam os miúdos a jogar com seis anos, o que é um erro grave.
Porquê?
Porque com aquela idade elas não têm controlo, copiam, mas não compreendem. Por isso, é que muitas delas desaparecem aos 15 ou 16 anos. A China, como tudo o que faz, quando entra em algo é para ganhar. Aplicam formas de treino e metodologias demasiado agressivas, tiram as crianças das escolas e metem-nas em academias a treinar oito horas por dia. No meio de tanta gente, há sempre algumas que se destacam.
E o Nélson? Como se interessou pelo snooker?
Tomei contacto primeiro com o pool, com uns quatro ou cinco anos. Era o que se jogava nos salões e, apesar de não poder lá entrar, despertou-me a curiosidade. Ficava à porta a tentar ver. E depois ia para casa e jogava com berlindes e varões de cortinados. O meu pai fazia-me mesas. Fazia natação, mas o que eu queria era jogar o pool. Com 10 ou 11 anos o meu pai colocou a televisão por cabo, comecei a ver a Eurosport, dormia agarrado à TV, tinha um monte de cassetes com tudo gravado. Aos 15 veio a revolução da internet e, finalmente, quando cheguei aos 18 e comecei a jogar nos cafés e salões, percebi que era muito diferente dos outros, porque tinha uma capacidade técnica e uma forma de ver o jogo completamente distinta.
Mas nos cafés e salões jogava pool, não snooker...
Quando tinha uns 25 ou 26 anos, uma pessoa trouxe de Inglaterra quatro mesas e foi a primeira vez que tive contacto com uma mesa de snooker. Pertenci à academia dessa pessoa durante cinco meses no máximo. Foi aí que percebi por que não encaixava no resto e me sentia sempre deslocado.
A sua escola na Amadora é a única do país?
Sim. Existem treinadores do pool, mas a maioria são autodidatas. Eu sou o único com as credenciais da Federação Europeia de Bilhar e Snooker (EBSA) e tenho a formação máxima que se pode ter a nível mundial. O melhor treinador do mundo, PJ Nolan, um colosso da modalidade, veio a Portugal durante uma semana, pago por mim, para me dar formação. Depois, fiz um exame escrito, que durou umas sete ou oito horas, já transpirava por todos os lados. Tudo em inglês, com os termos técnicos deles, e ainda fiquei a prestar provas durante oito meses.
Dedica-se a tempo inteiro ao snooker?
Neste momento, sim. Treino várias equipas e jogadores. Tenho ainda a escola há cerca de um ano e vou abrir este mês um espaço maior, também na Amadora. O que eu ofereço é completamente diferente. Quero que as pessoas deixem de associar o snooker ao mau ambiente de um salão ou bar com fumo, barulho e bebidas alcoólicas. Passei os primeiros seis meses a tentar que não me fechassem a escola, porque não convém aos estabelecimentos, onde o lucro vem do bar. Se as pessoas continuarem a fugir dessas casas, deixamo-las a funcionar a 40%, ou seja, deixámos lá os bêbados e os que vão para o salão beber uns copos e fugir da mulher.
PORTUGUESES "TEIMOSOS" E DIFÍCEIS DE ENSINAR
Nélson Baptista chegou a ser jogador e a participar em campeonatos nacionais, mas desistiu nas duas provas em que participou. "É difícil jogar snooker com alguém quando essa pessoa não joga propriamente snooker, o local não é o correto, existe muito barulho, fumo, as pessoas estão a beber, não há fair-play, respeito, é tudo muito mau... Nunca me senti integrado nesses espaços onde ainda hoje se disputa a maioria das provas. Aos poucos, estou a incutir um espírito diferente, embora seja difícil ensinar algo a um português, porque é teimoso. Toda a gente já jogou e são os maiores! Numa mentalidade muito egocêntrica é difícil ensinar alguma coisa a alguém", afirma.
SAIBA QUE
Enquanto um profissional de pool pode começar a jogar mais tarde do que o de snooker - nesta última os 12 anos é a idade-limite para se poder chegar a um nível de topo - e é possível terminar o ano com uns 20 ou 30 mil euros de prémios monetários, um profissional de snooker pode auferir mais do que um milhão de euros anuais. "Por exemplo, Ronnie O"Sullivan [cinco vezes campeão do mundo] faz 2,5 a 3,5 milhões de euros por ano", afiança Nélson Baptista. Mas o treinador também garante que ganhar como os craques de futebol só está ao alcance dos 20 ou 30 primeiros do ranking mundial. "E o nível é de tal modo exigente que normalmente não se tem vida própria. Têm de treinar oito a dez horas por dia. É um entrave a nível pessoal brutal, tem de se viver para o jogo, ter uma alimentação própria, até as idas ao cinema têm de ser controladas para não cansar a vista", esclarece Nélson Baptista. Por exemplo, comer carne antes da prova, ou mesmo no dia anterior, é proibido, porque, conforme explicou, "o corpo despende muito tempo a fazer a sua digestão".
600
Nélson Baptista, para além de treinador a tempo inteiro de snooker, ainda fabrica à mão os seus próprios tacos, tendo já começado a comercializá-los. O problema é que demoram muito tempo a ser fabricados. "A procura tem sido brutal. Só ainda fiz três tacos e já tenho 15 vendidos", afirma. "Os tacos dos jogadores do ranking mundial andam à volta dos 1000 euros, mas porque demoram dois a três anos a serem feitos. Eu levo seis meses e cobro à volta dos 500 a 600 euros", revela, explicando que a madeira usada é freixo americano e tem de estar na altura certa para ser trabalhada sem falhas.