Jorge Sequeira não gosta da expressão, muito usada no futebol, de "comer a relva". "As vacas é que comem relva", afirma, com humor, quando, na rubrica de entrevista Só Conversa da J, explica porque o trabalho de um psicólogo do desporto pode ser tão importante num plantel de futebol.
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Trabalhou no Braga no reinado de Jesualdo Ferreira, já há uns anos valentes. Depois disso, tem-se multiplicado em investigações, aulas, livros, palestras em multinacionais e até comentários televisivos. E sempre com óculos diferentes, das mais diversas cores e feitios. É o seu "fetiche". Jorge Sequeira, 48 anos, é doutorado em Psicologia, tem uma empresa chamada Team Building, e fala todas as semanas para multidões sobre liderança, motivação, gestão de conflitos ou equipas vencedoras. Também é comentador no Porto Canal e candidato à Presidência da República.
Porque é que a maioria das equipas portuguesas de futebol profissional continua sem contratar psicólogos? Têm médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, mas raramente um especialista em psicologia do desporto.
Há várias razões. Primeiro por desconhecimento dos treinadores. Não sabem que um psicólogo especializado em desporto, com maturidade e experiência, pode ajudá-los a conseguir melhores resultados. Claro que se um clube da I liga contrata um psicólogo tenrinho, acabado de sair da faculdade, é pior a emenda do que o soneto. Um psicólogo novato não consegue lidar com aqueles marmanjos com egos elevados, cheios de flashes, televisão e dinheiro. Está morto! Muitas vezes a culpa é também dos próprios profissionais da psicologia. Não vendemos bem o nosso produto e não atacamos este mercado específico.
Mas estamos em 2014... Não é suposto nesta altura as pessoas já saberem o quão importante é a questão psicológica no rendimento de um atleta?
Muitas vezes os treinadores acham que os psicólogos do desporto são apenas pessoas que motivam os atletas. É uma ideia muito redutora. É a mesma coisa que dizer que o Leonardo da Vinci só fazia desenhos. Ele foi pintor, cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, poeta, músico, botânico... A psicologia não é só motivação. É também concentração, controlo de ansiedade, liderança, gestão de conflitos. São todas essas dimensões comportamentais, às quais os treinadores imputam tanta vezes a causa das vitórias e das derrotas. Mas o que fazem para melhorar a concentração dos atletas ou diminuir-lhes a ansiedade? Nada! Zero! Dizem apenas: "concentra-te" ou "calma"! Isso também a minha mãe dizia. E a maioria ainda diz isso a berrar.
Como é que os psicólogos do desporto podem trabalhar essas questões?
De duas maneiras: ou diretamente com os atletas, em grupo ou individualmente; ou com o treinador, que é o modelo que prefiro. O treinador é a figura tutelar, ele é que perde e ganha, ele é que é o herói ou o bandido. O que fazemos? Assessoramos. Não gosto da palavra "coaching", porque está enviesada, existe muito "coaching" da treta por aí. O termo que prefiro é consultor.
A perceção que tenho é a de que muitos treinadores veem o psicólogo como ameaça ou interferência ao seu trabalho.
Essa é outra das explicações para a primeira questão que me colocou. Isso acontece, embora eu não ache os treinadores burros, pelo contrário, enalteço o seu trabalho, pois estão sujeitos a muita pressão. O objetivo de todos os treinadores não é fazer a equipa ganhar? E não é a cabeça que comanda o corpo? O desporto é uma atividade física, então temos de otimizar a nossa dimensão mental para que o corpo funcione melhor. E há estratégias para isso, que os treinadores, em geral, não conhecem. Eles não aprenderam como se controla a ansiedade de um atleta. Podem ter alguma visão empírica, que se reflita no seu discurso e ajude, mas fazer só isso é muito pouco! Os treinadores não nos deviam ver como ameaça: nós nunca vamos ser treinadores, eles é que serão sempre os heróis ou vilões.
Você trabalhou no Braga com o professor Jesualdo Ferreira. José António Camacho também trabalhou com um psicólogo, o Pedro Almeida, durante a sua primeira passagem pelo Benfica. Assim de repente são os únicos casos em equipas profissionais que me vêm à cabeça.
Foram apenas epifenómenos, sem poderes causais. No Braga tivemos sucesso, a equipa estava para descer de divisão.
E nas outras modalidades? Como é a situação?
As pessoas estão mais sensibilizadas, não têm é dinheiro. No futebol também só têm dinheiro para os jogadores... exceto quando dão 20 ou 30 mil euros por mês a um pregador do aleluia, que diz: "força", "tu consegues", "vamos lá comer a relva". Isso diz-se às vacas. Elas é que comem relva. Reduzir a raça e a motivação a "tu consegues"... isso qualquer um faz. Custa-me. Estudo o comportamento humano há mais de 25 anos, passei uma década a fazer um mestrado e um doutoramento, escrevi mais de mil páginas. Criei e validei, com a ajuda de 400 atletas, o Programa de Apoio Psicológico Organizacional (PAPO). Está demonstrado que há uma correlação positiva entre os resultados e a otimização das dimensões mentais.
É possível apontar a percentagem de influência que a parte psicológica tem no total do rendimento de um atleta?
Não há um estudo que diga exatamente. Mas eu diria uns 80%. Uma finta, um drible são tomadas de decisão e isso pode ser treinado.
E os treinadores não são as pessoas certas para o fazerem...
Acredito que alguns treinadores, se se interessarem, como foi o caso de Jesualdo Ferreira, tornam-se mais capazes de o fazer.
O futebol português está mentalmente doente?
Acho que não. Tenho uma visão otimista. Economicamente claro que está, mas quando me faz essa pergunta, assumo-a como geral e tenho em conta todas as dimensões. Portugal, no ranking de desenvolvimento de todas as outras atividades, está atrás pelo menos dos 30 países mais desenvolvidos do mundo. Em futebol, estamos em 7º. Somos melhor em futebol do que no resto das atividades. Se estamos doentes no futebol, nas outras dimensões da existência estamos em estado de coma.
A rivalidade clubística é saudável?
Claro. Alimenta o negócio e o jogo. O Benfica seria mais fraco sem o FC Porto e o inverso também, por exemplo. Desde que não passe para a violência e para os comportamentos desviantes e marginais.
Às vezes os próprios dirigentes dos clubes parecem instigar os adeptos. Concorda?
Sem dúvida. Devia haver um exame para se ser presidente de um clube, como é preciso fazer um exame para se ter a carta de condução. Deveriam existir critérios mínimos e alguns chumbavam de certeza
Quais são esses critérios mínimos?
Ter consciência de que o seu comportamento pode afetar o comportamento dos outros, ter noção que representam uma instituição. Há presidentes que mais parecem talibãs sociais, conseguem incutir comportamentos de perigo e deviam ser julgados. Um líder influencia pessoas e pode influenciá-las negativamente. Há lideres tóxicos, pode sublinhar isso. Depois há também comentadores miseráveis, que destilam veneno pela boca e influenciam os adeptos. Há outros que considero excecionais: o Rogério Alves, do Sporting, é um senhor. Tem inteligência, humor e fair play.
Como é que os jogadores de futebol conseguem ficar impermeáveis à avalanche de informação que todos os dias circula sobre eles?
Muitas vezes um atleta sente-se mal por os outros o verem de forma negativa. Um jogador falhou um golo, já falhou outras vezes, e falhar faz parte da vida, mas quando abre o jornal e vê a sua fotografia, junto com um comentário nada abonatório, fica arrasado como qualquer outra pessoa.
Mas como é que isso se gere? É preferível não ver, ler e ouvir nada?
A realidade existe e não se deve ficar desligado dela, mas algum distanciamento e uma certa relativização dá jeito. Um atleta começa a perceber que um dia é herói e, no seguinte, está no balde do lixo. Os críticos tendem a transformar um momento num traço de personalidade. É mais uma razão para se terem técnicos especializados por perto, para ajudarem os atletas a terem uma forma cognitiva de percecionar a realidade muito mais balanceada e sustentada. Para que a sua performance não seja influenciada por esta arritmia que a crítica vinda de fora provoca. E até legitimamente. Cada um diz o que quer, estamos numa democracia, temos é de saber lidar com isso.
SAIBA QUE
Jorge Sequeira é candidato a suceder a Cavaco Silva nas eleições presidenciais de janeiro de 2016. Leu bem. O psicólogo, docente universitário, investigador, consultor e autor assumiu a sua candidatura em direto na televisão, durante o espaço de comentário que tem no Porto Canal, no Jornal Diário, apresentado por Júlio Magalhães. "Para já estou à frente, fui o único que assumi publicamente", afirma, garantindo não se tratar de uma brincadeira. "É a sério. Não sou palhaço. Instigar a uma participação cívica, é isso que pretendo. Podem dizer que estou armado em parvalhão, que corro riscos, mas não tenho miolos como os políticos? Ou os políticos têm cérebros mais capazes do que eu? Exatamente por não ser político é que dava um bom Presidente da República", defende Jorge Sequeira, assegurando não pretender ser um candidato populista. "Vou dizer coisas que sei que me vão tirar votos, mas eu não vivo para ser Presidente da República ou deputado. A minha vida é outra coisa e já demonstrei que posso fazer algumas coisas de jeito. Custa-me muito ver injustiças. Resolvi fazer alguma coisa, não basta estar indignado."
9,58
Usain Bolt, recordista do mundo dos 100 e 200 metros, respetivamente com 9,58 e 19,19 segundos, é uma inspiração para Jorge Sequeira. Sempre que termina uma palestra numa empresa e é hora da foto de família, o doutorado em Psicologia põe toda a gente com os braços esticados a apontar para o infinito, imitando o gesto que o velocista jamaicano faz sempre que ganha uma prova. "É um gesto associado a rapidez e costumo dizer que só há dois tipos de empresas: as rápidas e as falidas. Hoje em dia temos de ser rápidos em tudo para não ficarmos para trás. E não há limites para a nossa capacidade de chegar mais alto, mais forte e mais longe, que é o ideal olímpico. Além disso, escusamos de ficar a olhar para a máquina com ar de totós", brincou.