No mesmo dia em que o Benfica conquistou o tricampeonato, o Fofó festejou o segundo título nacional consecutivo de futebol feminino. Pedro Bouças é um homem entre mulheres. Nunca tinha sido técnico principal, mas vai acumulando títulos.
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Em três épocas como treinador principal de futebol, Pedro Bouças, 36 anos, angariou para o seu currículo dois títulos nacionais, uma Supertaça e uma Taça de Portugal. No próximo domingo (29 de maio), no Jamor, vai tentar nova dobradinha ao comando da equipa feminina do Clube Futebol Benfica (Fofó).
É um académico que anda a pôr umas ideias em prática no Fofó. Estou correta?
Sim. A verdade é que quando comecei a estudar, a ideia era ser apenas professor de Educação Física, não pensava ser treinador de futebol até sentir a necessidade de perceber se as ideias e teorias que me surgiram poderiam resultar na prática. Apresentei um projeto para o futebol feminino no Futebol Benfica. E foi aceite.
Espera que todo este sucesso no Fofó seja a rampa de lançamento para a sua carreira como treinador?
O futebol ainda só preenche as minhas horas vagas, pois dou aulas na Escola Básica do Pendão, em Queluz. Já podia viver só do futebol, tenho tido vários contactos, inclusive do estrangeiro, mas para dar esse passo tem de ser vantajoso do ponto de vista económico. Tenho cá a minha mulher, os meus filhos, não vou largar a estabilidade se não for algo que me permita fazer um bom pé de meia.
Que ideia têm lá fora do nosso futebol feminino?
Sabem que ainda não somos muito fortes, mas que estamos a crescer e podemos passar a ser mais incómodos.
A pergunta chapa cinco: qual tem sido o segredo do sucesso do Fofó?
A qualidade das jogadoras, a vontade de vencer de todo o grupo e a forma como se relaciona. Só lá bem para o fundo é que aparece a equipa técnica.
Estive há pouco no Fofó e achei as condições dos balneários e restantes instalações muito más...
É verdade. Ainda estamos muito longe das condições dadas ao futebol masculino, mas as jogadoras cresceram com isso, não sabem o que é ter um bom balneário. Temos a promessa da Direção de que vai melhorar.
Como foram os festejos do bicampeonato?
Foram de arromba. O Benfica também foi campeão nesse dia e demos uma volta pelo Estádio da Luz nos autocarros da Junta de Freguesia. Juntámo-nos todos.
Quando diz que treina uma equipa feminina, o que as pessoas mais querem saber?
Querem, acima de tudo, perceber as diferenças que existem em relação aos homens. Os homens são mais fortes fisicamente e mais rápidos, mas tudo o resto, que diz respeito ao jogo e ao treino, é igual. De uma maneira geral, as mulheres preocupam-se com coisas a que os homens não dão importância. Mas com a convivência, isso deixa de ser um problema. No início, tinha cuidado com a linguagem, tentava não dizer palavrões. Com o tempo percebi que isso não me ajudava e que se queria aumentar a adrenalina e o foco tinha de adotar um discurso mais agressivo. Surtiu efeito. No meu dia a dia, não uso calão, mas nas palestras coloco algumas frases fortes de propósito.
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É um amigo das jogadoras ou apenas o treinador?
Não sou uma pessoa distante, mas percebi que não posso ser muito próximo, senão não resulta. Imagine que me dou melhor com uma do que com outra, isso depois pode pode criar mal-estar na hora de as pôr a jogar. Vão achar que tenho favoritas. Falo bem com todas por igual.
Um treinador com experiência no futebol masculino facilmente pega numa equipa feminina?
Com facilidade não, porque a liderança tem de ser diferente e é preciso conhecer o contexto e as especificidades da competição feminina. Por exemplo, um treinador que goste de passos muito longos vai ter dificuldade.
Consegue imaginar Jorge Jesus a treinar uma equipa feminina?
Ao fim da primeira semana, elas já tinham ido fazer queixa à Direção [risos]. Não durava mais de uma semana, porque ele é demasiado rígido e pouco elegante para a capacidade de tolerância delas. Bom senso e sensibilidade não parecem ser o forte dele.
E Rui Vitória?
Acho que já encaixaria bem no futebol feminino.
Ainda há preconceitos relativamente à feminilidade das jogadoras?
Cada vez menos. Aliás, a imagem é o que menos importa. Atualmente vê-se miúdas adolescentes de todos os tipos e estratos sociais a jogar futebol.
SAIBA QUE
Pedro Bouças é o criador e o principal autor do blogue Lateral Esquerdo, há largos anos uma referência para treinadores e amantes do futebol. O técnico do Fofó nunca imaginou vir a alcançar tanto sucesso com o seu blogue, de tal modo que já não é o único a expor as suas ideias técnico-táticas na página da internet. Agora, prepara-se para lançar um livro. Vai chamar-se "Construir uma equipa campeã" e será publicado pela Prime Books. "O livro fala muito sobre aquilo que é o futebol moderno, a importância da tomada de decisão e da inteligência dos jogadores nos processos de jogo", refere Pedro Bouças, defensor da partilha de conhecimentos entre treinadores e estudiosos de futebol.