Se isto não cheira a Chiquinho-espertice, cheira a quê?
A limitação dos empréstimos é um verbo de encher nos regulamentos da Liga. Urge complementar com regras económicas, em defesa da competitividade do futebol português
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A 28 de maio de 2018, o Benfica oficializou Chiquinho, contratado à Académica, no seu seu plantel, para atacar a época que terminou há dias.
A 27 de julho de 2018, o Moreirense contratou Chiquinho ao Benfica, para atacar a época que terminou há dias.
A 1 de julho de 2019 (ontem), o Benfica oficializou Chiquinho, contratado ao Moreirense, para atacar a época que agora começa.
É imperativo que a Liga comece a ponderar mais e melhor regulação económica além da jurídico-desportiva.
No que diz respeito às duas primeiras transferências acima referidas, e porque os valores envolvidos terão sido menores que os cinco milhões mínimos (na compra ou venda dos direitos económicos) que obrigam a informação à Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM), não há grande detalhe sobre verbas e pormenores contratuais. Sobre o último andamento, O JOGO apurou que o emblema de Moreira de Cónegos irá receber cerca de 3,5 milhões de euros, mais 750 mil por objetivos do Benfica (apuramento para a Champions).
Este carrossel, cujas gravitações têm o epicentro na Luz, não é caso único no nosso futebol. Nem do europeu e muito menos à escala global. Nem é movimento único de um ou dois empresários. É um modelo useiro e vezeiro, que nem UEFA nem FIFA - muito menos as ligas, muitíssimo menos a nossa - conseguem travar.
Quando as limitações dos empréstimos são determinadas em sede de regulamentação na Liga portuguesa, por exemplo, as questiúnculas entre grandes e pequenos entram em leilão. E nem mesmo a revolta apregoada pelo G15, quando em finais de 2017 surgiu nas parangonas da Imprensa, lhe resistiu.
Em novembro desse ano, António Salvador, presidente do Braga e um dos maiores impulsionadores do grupo de pressão composto pelas equipas da I Liga sem os três grandes, propôs o fim dos empréstimos entre clubes da mesma divisão, argumentando que essa cedência "é uma forma indireta de exercício de influência e de condicionamento da verdade desportiva que, por um lado, permite aos clubes mais fortes criar laços e parcerias e, por outro, aumentar exponencialmente os seus quadros sem qualquer relação direta com o reforço das respetivas equipas principais, inflacionando o mercado interno". Assim, tal e qual, em comunicado oficial do ajuntamento oficioso.
A competitividade não se ganha por decreto, ganha-se com estadismo e coragem, sobretudo com a da classe média, que o G15 diz representar.
Recordo que, nessa época, ainda estava em vigor a regra que permitia o empréstimo de três jogadores de cada equipa a cada equipa, o que podia gerar números absurdos, nomeadamente dos três grandes e de clubes com maiores academias, condicionando as estruturas da restante concorrência. Por exemplo, se o quisessem, Benfica, FC Porto e Sporting - com imensos profissionais na sua folha salarial - podiam emprestar até 45 jogadores, distribuídos pelos restantes adversários.
Salvador e o G15 deixaram cair, uns dias depois, a sua revolucionária proposta e subscreveram uma mais branda, aprovada em dezembro de 2017, que entrou em vigor na época passada. Foi pena, pois, mesmo com o número de emprestados mais condicionado - um de cada equipa a cada equipa, num máximo de seis entre emblemas da mesma divisão -, não se combateu o propalado condicionamento da verdade desportiva apregoado pelos emblemas que acabam a beneficiar deste modelo de empréstimo-negócio, recebendo dos três grandes jogadores que os mesmos grandes os impedem de adquirir e de negociar em função de maiores vantagens económicas. Sim, as famigeradas cláusulas de recompra ainda andam aí disfarçadas...
O artigo 78 do Regulamento de Competições da Liga é, por isso, um verbo de encher. Está bonitinho, dá a ideia de que as coisas estão devidamente regulamentadas, mas peca por defeito, pois existe sempre a possibilidade de, com uma certa chico-esperice e algum poder económico, dar a volta à coisa. É que, com o atual estado das coisas, nem que se chegasse à proibição total dos empréstimos, todos e de qualquer género, se resolvia o problema.
Conclusão: é imperativo que a Liga comece a ponderar mais e melhor regulação económica além da jurídico-desportiva. A competitividade não se ganha por decreto, ganha-se com estadismo e coragem, sobretudo com a da classe média, que o G15 diz representar.