Uma opinião do jornalista Rui Guimarães
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Uma rápida ida ao supermercado, entre a saída da TSF – a quem aproveito para agradecer o convite para comentar os três últimos jogos de Portugal no Mundial e louvo a decisão de os ter relatado – e a vinda para a redação, resultou numa pergunta do César, um dos rapazes da caixa, que gosta de andebol. “Então, Rui, como ficámos?”. Respondi que havíamos perdido por um. A expressão do César foi de natural desagrado, mas, deixou-me a sensação, também de alguma desilusão.
Não, César. Não, a quem estiver a ler isto. Portugal lutou com bravura pela medalha de bronze, por uma bola não levou o jogo a prolongamento e, para quem não viu, até admito essa sensação de desânimo. Mas não, insisto. Os Heróis do Mar, a quem o “capitão” da nau, Paulo Jorge Pereira, já tinha colocado uma meta ousada, os quartos de final, fizeram o inimaginável. Os “quartos” foram inéditos, as meias-finais ainda mais e, de repente, a Seleção Nacional de andebol acordava o país pelo facto de ir lutar pelas medalhas num Mundial.
Há, porém, que ter memória. A 13 de junho de 2019, em Bucareste, uma vitória sobre a Roménia colocou a equipa das Quinas no Campeonato da Europa de 2020, o que significou quebrar um período de afastamento dos mais belos palcos de 14 anos! Em apenas seis, passo a passo, de forma consistente, o nosso pequeno país, de pobre cultura desportiva e um curto campo de recrutamento de andebolistas – e de outras modalidades –, manteve-se entre a elite. Pelo meio, imagine-se, até foi aos Jogos Olímpicos de Tóquio'2020, embora jogados em 2021 devido à covid-19. Logo nesse Europeu, o do regresso, os Heróis fizeram a melhor classificação de sempre, com o sexto lugar, no Mundial de 2021 a mesma coisa, com a 10.ª posição.
Naturalmente, e como todas as seleções, Paulo Jorge teve no trabalho dos clubes um grande apoio, afinal é de onde eles vêm e trabalham diariamente. O caminho, que se “faz caminhando”, expressão habitual do técnico, conduziu Portugal à luta pelo bronze, sendo que, antes de aí chegar venceu Estados Unidos, Brasil (7.º), Noruega, que jogava em casa, em Oslo, empatou com Suécia – senhora de quatro títulos mundiais, quatro europeus, sendo que no ano passado foi bronze, e quatro pratas olímpicas –, ganhou a Espanha, que tem no palmarés dois mundiais, dois Europeus e cinco bronzes olímpicos, e o Chile.
Alcançados os quartos de final, a Seleção Nacional enfrentou a Alemanha, país em que o andebol é uma espécie de NBA, profissional até ao quarto escalão e com três títulos mundiais, dois europeus e um ouro olímpico, ganhando por 31-30 após prolongamento. Nas meias-finais a equipa das Quinas cedeu perante a Dinamarca, a seleção que pratica o melhor andebol de todos os tempos e é praticamente imparável.
E chegamos a este domingo, em que o adversário era a França, com mais rico palmarés da modalidade: seis mundiais, quatro europeus e três ouros em Jogos Olímpicos. Ou seja, se atentarmos, Portugal apenas perdeu com a melhor seleção da atualidade e que conquistou o tetracampenato mundial, e com a França, campeã da Europa em título.
Não, isto está muito longe de ser uma desilusão, isto é tão só o maior feito, e impensável à partida, dos Heróis do Mar, da Terra e do Céu. Portugal, um peixe miúdo num oceano de tubarões, é o quarto melhor, o quarto melhor do Mundo. Isto merece um aplauso, de pé, durante largos minutos.
Desilusão é desconfiar que, ainda assim, a maioria das pessoas não tenham consciência da dimensão do feito da Seleção Nacional de andebol. Não trouxeram o bronze, mas são de ouro.