A Liga inglesa, há uns meses, alertou contra os perigos do Brexit. Deste lado da Mancha, ninguém vislumbrou o aviso da sua hegemonia em crescendo. É hoje um império coerente e com méritos próprios.
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Quando, a 21 de novembro passado, a Premier League alertou para os possíveis efeitos nefastos que o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) poderia criar no futebol inglês, não passava pela cabeça de ninguém que as duas finais das duas mais importantes competições no Velho Continente iriam ter quatro emblemas ingleses, três dos quais sedeados em Londres.
Premier League vai render mais de 10 mil milhões de euros só em direitos de TV, no Reino Unido e no resto do Mundo.
É este o poderio que o futebol inglês não quer perder. E tem razões para isso, tão-só porque o conseguiu com Saber. Teve mérito, não o roubou a ninguém, não o teve de mão beijada. Para não o perder, não quer sair da Europa, razão pela qual o comunicou, de forma corajosa, alertando para a conflitualidade legal que daí adviria no que diz respeito à circulação de jogadores.
A Premier League está apreensiva com o Brexit porque poderá perder grande parte das facilidades - do custo dos salários à conciliação fiscal - de que usufrui estando no mercado único europeu. E, note-se, a Liga inglesa coloca, ainda assim, uma série de condicionantes à contratação de estrangeiros, protegendo os talentos nacionais ou formados localmente.
Se olharmos para os quatro planteis dos finalistas - Liverpool e Tottenham na Champions, mais Arsenal e Chelsea na Liga Europa -, encontramos 29 nacionalidades diferentes, de todos os cantos do mundo. Além dos europeus, há futebolistas da Coreia do Sul ao Uruguai, do Senegal à Argentina. E contam com alguns dos melhores internacionais de países como a Espanha, Brasil, Alemanha, França e Itália, os campeões do Mundo nas últimas eras.
Já agora, por mera curiosidade, há ainda quatro treinadores estrangeiros nas duas finais: um alemão (Klopp/Liverpool), um argentino (Pochettino/Tottenham), um italiano (Sarri/Chelsea) e um espanhol (Emery/Arsenal).
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O futebol inglês não cresceu à sombra do velho espírito imperialista britânico. Bem pelo contrário: na Premier League, os melhores salários são para os melhores jogadores, sejam eles da velha Albion, da Commonwealth, da Europa, da África ou da Ásia; sejam eles brancos, pretos ou amarelos; sejam investidores de fundos de risco norte-americanos, de gás russo ou de petróleo árabe. Com todos os defeitos e virtudes, o futebol inglês abriu-se ao mundo ao mesmo tempo que protegia a sua própria identidade. Tudo mérito da sua gestão. É, por isso, um espetáculo soberbo de capacidade desportiva e competitiva. E é, também por isso, o mais valioso conteúdo televisivo da atualidade.
E quanto valem os direitos televisivos da prova? Para o triénio que se segue, entre 2020 e 2023, a organização estima receitas de 4,05 mil milhões de libras (cerca de 4,7 mil milhões de euros) pelos direitos internacionais, enquanto internamente prevê gerar 5 mil milhões de libras (5,8 mil milhões de euros). Ou seja, mais de 10 mil milhões de euros só em direitos de TV, no Reino Unido e no resto do Mundo.
Claro que há alguma conflitualidade interna, neste momento, sobre a fórmula de distribuição das receitas dos direitos internacionais, que eram divididas por igual, mas agora com os "Big Six" (Liverpool, Manchester City, Manchester United, Tottenham, Chelsea e Arsenal) a exigirem mais dos que os restantes. No entretanto, os milhões que sobram (por menos que venham a ser) são mais do que suficientes para equipas como o Wolverhampton, Everton e outras terem nas suas hostes muitos do melhores jogadores das melhores seleções do Mundo. É, afinal, um mundo à parte.
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Não admira, por isso, que, com todo o mérito, a Inglaterra esteja a impor o seu império futebolístico ao resto da Europa. Ao contrário da gestão da indústria como um todo, como aconteceu na Inglaterra, e para tentar igualarem-se aos poderosos emblemas ingleses, há na Europa equipas que muito investem, como a Juventus ou o Nápoles, mas que apenas sabem empurrar os problemas com dinheiro. Nunca mais conseguem perceber que o sucesso do império inglês no futebol teve mais a ver com mecanismos de solidariedade equilibrados com as motivações dos investidores do que com o guito empurrado com a barriga aburguesa.
Talvez por isso, a Inglaterra e os seus emblemas tenham uma palavra a dizer sobre estas coisas da Superliga europeia, a ser cozinhada na UEFA entre o dirigismo neoliberal e aqueles que o alimentam: gente com dinheiro que nunca soube comer a relva apenas à custa da vontade de ser melhor e de querer saber mais.
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