"Um miúdo que vai a uma Volta a Portugal não pode receber 600 euros. É insustentável"
ENTREVISTA - Frederico Figueiredo foi segundo na Volta a Portugal e andou cinco dias de amarelo, experiência que, diz a JOGO, quer repetir. O trepador de 31 anos falou do sucesso da Glassdrive-Q8-Anicolor, de como foi especial ganhar pela terceira vez consecutiva o GP Joaquim Agostinho e promete lutar para ganhar a Volta a Portugal.
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Frederico Figueiredo foi o homem mais forte nas subidas portuguesas e consolidou o estatuto de candidato à Volta a Portugal. Tendo um segundo pódio na maior corrida - foi segundo na geral, atrás do colega Mauricio Moreira -, o ciclista da Glassdrive-Q8-Anicolor traça as metas futuras a O JOGO.
Foi segundo na Volta a Portugal. Partiu a achar que podia ganhar?
-Achava que a podia disputar. Desde que fiz o reconhecimento à subida de Miranda do Corvo. Até caí nesse dia e disse a mim próprio que, com aquela subida, com a Senhora da Graça e a Torre, até podia ganhar. Mas sabia que o Mauricio ia como líder. Nunca me passou pela cabeça ultrapassá-lo.
Na Torre, estava combinado que se subia ao ritmo do Mauricio Moreira?
-A estratégia era endurecer a corrida e eu atacar. Foi o que aconteceu. Depois o plano era que o Mauricio chegasse até mim. Claro que gostava de ganhar na Torre. Quero fazer como o Rui Sousa, ganhar na Senhora da Graça e na Torre. Marcaria a carreira.
Viu o Mauricio ganhar a etapa-rainha. Ficou claro que tinham de protegê-lo?
-Ele chega e ganha a etapa. Não há nada a dizer. Deu provas de que se encontrava bem fisicamente. Teve uma lesão no joelho durante o ano e era uma incógnita. A partir daí não existiam dúvidas.
Mas quebrou em Miranda do Corvo. O seu ataque estava pensado?
-Só pensei na vitória de etapa. Quando cheguei e ganhei, nem sabia que era camisola amarela. O nosso massagista é que me disse. Era uma etapa que tinha marcada, que me encaixa na perfeição. São pendentes que não é qualquer ciclista que as passa, tem uma quilometragem exigente. Os ciclistas pesados perdem muito para os mais leves. As subidas para a Torre e Senhora da Graça fazem-se pela força. Tiro partido do peso em pendentes mais acentuadas. Naquele dia o Mauricio passou mal, disse-me para fazer a minha corrida. Tinha respeito pelo que o Rúben Pereira nos tinha instruído, mas também tinha uma carta branca para ir à luta.
Quão especial é andar de camisola amarela?
-Mudei de equipa para ser um líder. E viver aquilo... é um sonho. Lembro-me de ver o meu tio [Carlos Pinho, agora mecânico da Glassdrive] de camisola amarela [2006]. Quando a vesti nem acreditei. Ser português, estar de amarelo na Volta... "Eish", dá arrepios ter todos a chamar por mim.
Quando veste a amarela, acredita que pode ganhar?
-Nos primeiros dois dias nem pensei nisso. Queria desfrutar da camisola. Mas os dias vão passando e começas a pensar: "E se eu ganho a Volta a Portugal"? Até com o Fábio Costa, meu colega de quarto, falei sobre isso. Quando acaba a Senhora da Graça fico logo com a sensação de que não vou ganhar. Há uma réstia de esperança, mas tens de ter a noção de que vais enfrentar um contrarrelogista nato. Só acontecendo alguma coisa é que ganharia.
Não fica a sensação de ter perdido a grande oportunidade para vencer uma Volta a Portugal?
-As oportunidades são para aproveitar quando aparecem, é verdade, mas vou tentar que volte a aparecer. Não foi uma oportunidade que foi à vida, porque ganhámos, como equipa. Para o ano vou tentar ter a melhor condição e disputar novamente.
Daqui a uns anos, se não tiver vencido uma Volta, como olhará este segundo?
-Foi o que a vida escolheu. Ficas sempre com um mau gosto na garganta, pensas que podias ter ganho, mas não podes fazer nada. Não vale a pena matar a cabeça. Perdi, mas a vitória ficou na equipa. Custou mais digerir em 2020, ao perder para o Amaro Antunes, do que a deste ano.
Admiração por Mauricio e amizade sem atritos
Chegou de amarelo ao Porto e sabia da dificuldade em ganhar a Volta a Portugal em Gaia. Frederico Figueiredo detalha o companheirismo com Mauricio Moreira: "A nossa relação foi normal na corrida. Encarámos bem a situação. Não houve atritos. Até falámos antes do contrarrelógio", diz, elogiando o trabalho do uruguaio: "Ele gosta de descansar depois dos esforços e faz três dias por semana na bicicleta de contrarrelógio. Trabalha para ser tão bom. É um grande profissional. Esta vitória fez-lhe justiça, depois do azar em 2021."
"Um miúdo que vai à Volta não pode receber 600 euros"
Frederico Figueiredo deixa lamentos quanto ao ciclismo português. "Três ou quatro miúdos perguntaram-me como podiam ser ciclistas profissionais. Há muita gente a deixar a modalidade. Um miúdo que vai a uma Volta a Portugal não pode receber 600 euros. É insustentável. Tens de ser compensado pelo teu trabalho numa carreira curta", explica, dizendo que "sonhava fazer uma Grande Volta", mas lembra que em 2013, quando foi 14.º num Mundial sub-23, "não era fácil" ir para o estrangeiro e agora "só os jovens têm essa chance".
Lamentando não haver condições para fazer melhor na Volta ao Algarve, pela "chuva constante" e falta de "treinos coletivos e estágios mais cedo", solidariza-se com os "amigos" da W52-FC Porto: "O mais complicado é ficarem sem o dia a dia. Nem sei o que dizer quando os encontro."