"Ressuscitar, só Jesus Cristo": base do sistema desportivo português em risco
A falta de apoio financeiro que permita aos clubes e coletividades fazer face ao impacto da pandemia pode devastar a base do sistema desportivo português. Os movimentos olímpicos e federativos ameaçam usar a força e vão reunir em janeiro para definir as medidas duras a tomar num futuro próximo.
Corpo do artigo
Por estes dias, o dinheiro tem circulado menos. Com as pessoas fechadas dentro de casa, as trocas comerciais mirraram e, portanto, para muitos, o dinheiro desaparece a uma velocidade bem maior do que aquela a que é reposto. No desporto, por exemplo, tem diminuído o número de praticantes.
13109600
"Nas modalidades coletivas de pavilhão a perda de praticantes é da ordem dos 79 por cento, comparando com o ano anterior. E nas modalidades olímpicas a quebra foi de 52 por cento. Falamos do número de atletas inscritos em cada federação que estavam no ano passado e que não estão este ano", explica José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico Português (COP), em declarações a O JOGO.
O dirigente do COP está alarmado e foi nesse sentido que contactou o Governo para pedir ajuda. Face à crise decorrente do impacto da pandemia de covid-19, solicitou um fundo especial de apoio financeiro ao setor, para além de um conjunto de propostas (ver peça ao lado) de âmbito estrutural. Mas a resposta que obteve foi negativa e, no Orçamento do Estado para 2021, a verba destinada ao Desporto foi até ligeiramente inferior ao ano anterior. "Neste momento em concreto, o desporto devia ser apoiado de uma forma violentíssima, mais do que nunca. Porque se tal não for feito agora, os clubes morrem. Uma coisa é ter uma crise e depois recuperar. Outra coisa é morrer. O que nesta altura se nos depara é fazer com que as coletividades sobrevivam. Porque se morrerem... Ressuscitar? Só Jesus Cristo é que ressuscitou", comenta Pedro Marques Lopes, comentador televisivo ouvido por O JOGO a propósito deste assunto.
"Depois será muito difícil voltar a pôr tudo a funcionar. O dinheiro que deixar de se gastar agora vai ser depois pago muito mais caro. Quando não houver clubes, aí é que se vai perceber o erro que se cometeu", acrescenta Marques Lopes, já depois de confrontado com o exemplo do governo francês, que no dia 17 de novembro anunciou um pacote de 400 milhões de euros, a título extraordinário, para ajudar o desporto a sofrer menos com os efeitos desta crise. Espanha, Alemanha ou Reino Unido tomaram medidas idênticas, mas tal não sensibilizou os elementos governativos nacionais. "Os outros países europeus também estão a ter perdas significativas a este nível. É um denominador comum. O que é incomum? É a exceção de, em Portugal, não haver medidas que respondam à situação de crise no setor. Aí é que Portugal se evidencia pela negativa", explica José Manuel Constantino.
A diminuição do número de praticantes deixa em risco de vida um conjunto de clubes e oletividades desportivas
Ação "musculada" em equação
O presidente do COP ameaça mesmo endurecer a posição. "Há um abandono e um virar de costas para o setor. E os presidentes de federações desportivas manifestaram junto do COP que se tornaria necessária uma ação mais ativa e musculada relativamente ao poder político. E nesse sentido vamos realizar em janeiro uma nova cimeira das federações para avaliar quais as medidas, as iniciativas, o trabalho que devemos fazer daqui para a frente", afirma, quando solicitado a concretizar as ações musculadas a que já tinha aludido.
O principal objetivo é simples. "O que queremos são medidas de apoio financeiro aos clubes e às coletividades, às entidades que, estando na base do sistema desportivo, reduziram o número de praticantes e as receitas, colocando em causa a sua sustentabilidade. Pequenos e médios clubes que, mesmo antes da crise, já viviam num regime de sustentabilidade muito precário. A crise veio apenas destapar uma situação que era anterior."
Constantino recorre depois a um estudo europeu que indica que um euro gasto em desporto poupa entre três a quatro na saúde e que, em geral, o Estado recebe muito mais do que aquilo que dá a um setor que, para além do mais, lhe proporciona inigualável afirmação no exterior. "Quando saímos de Portugal, a primeira referência que alguém tem é de natureza desportiva. É o Ronaldo, o FC Porto, o Benfica, o Sporting. As referências desportivas são o principal diálogo na interlocução entre pessoas nos confins do mundo", defende, antes de concretizar: "Abandonar o desporto e deixá-lo à mercê do seu próprio destino, terá custos sociais elevadíssimos. O que peço é um apoio suplementar para se poder enfrentar esta situação. Um reforço como houve noutros setores, como a cultura, a saúde ou o turismo."
Propostas do COP, CDP e CPP
- MEDIDA 1
Regime fiscal específico dos agentes desportivos praticantes
Proteção fiscal aos praticantes através de um regime especial em sede de IRS.
- MEDIDA 2
Fundo de pensões
As importâncias aplicadas pelos praticantes desportivos [que disso vivam] em regimes da segurança social que garantam exclusivamente o benefício de invalidez, sobrevivência, desemprego prolongado, lesão desportiva que constitua uma doença grave, reforma ou complemento de reforma (...) passam a ser dedutíveis até à concorrência de 50% do respetivo rendimento bruto e com o limite anual de 5.000,00 €.
- MEDIDA 3
Reforço do mecenato desportivo
Aumento do percentual aplicável ao "mecenato desportivo", sugerindo-se 25% ou outro percentual similar que se entenda proporcional e adequado.
- MEDIDA 4
Limitação à dedução do IVA nas despesas associadas a atividade desportiva
Que o IVA associado à atividade desportiva, que é suportado pelos Clubes aquando das deslocações, alimentação, bebidas e alojamento, seja passível de ser dedutível.
- MEDIDA 5
Bolsas de formação
Que o IRS não incida sobre as bolsas de formação desportivas, até ao montante máximo anual correspondente ao Indexante dos Apoios Sociais (IAS), bem como sobre as compensações atribuídas pelas federações aos praticantes, juízes e árbitros.
- MEDIDA 6
Dirigentes associativos
Criação do regime fiscal do dirigente desportivo em regime de voluntariado, no sentido de excluir da tributação as bolsas de voluntariado atribuídas aos referidos dirigentes.
- MEDIDA 7
Consignação do IRS a instituições desportivas de utilidade pública
0,5 por cento do IRS do contribuinte destinado a uma pessoa coletiva de utilidade pública que desenvolva atividades desportivas, como o COP, CDP ou CPP.
- Proposta só do COP
Estímulo à promoção pelos empregadores da atividade física e do desporto no contexto empresarial
Deduzir gastos, incluindo depreciações ou amortizações e rendas de imóveis, relativo à manutenção de condições para a prática da atividade física e do desporto, feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respetivos familiares. Gastos considerados, para efeitos da determinação do lucro tributável, em valor correspondente a 140% ou a 120%, quando respeitem a creches, lactários e jardins de infância ou respeitem a cantinas, bibliotecas, escolas e às condições para a prática da atividade física e do desporto.