Esta é uma história de superação, contada em vários episódios. Autênticas lições de vida. Paulo tem 43 anos, é brasileiro e vive em Portugal desde 2019
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Mude de posição e reconforte-se. O que vai ler a seguir é uma lição de vida. Ou melhor, várias, contadas na primeira pessoa, por um maratonista olímpico brasileiro - Londres'2012, Rio de Janeiro'2016 e Tóquio'2020 - que, aos 43 anos, a viver em Portugal desde 2019, está a preparar-se para Paris"2024.
A entrevista ao atleta que se considera português sem o ser, dizendo dever tudo a Portugal, acabou transformada numa espécie de conversa de café, mas sentados no muro baixinho com o mar ao fundo.
"Todos os anos, no aniversário da minha cidade, há uma corrida e uns amigos, tinha eu 15 anos, desafiaram-me a participar. Peguei nos chinelos, meti nos braços, e fui, descalço. Eram 15 quilómetros, fiquei com os pés cheios de bolhas, mas ganhei", conta Paulo Paula. "O meu pai chama-se Joaquim Henrique de Paula e como eu, de nome próprio, sou Paulo, ficou Paulo Roberto de Almeida Paula. Por isso tem essa curiosidade de ter o mesmo nome, o primeiro no masculino e o último no feminino", revela este atleta que todos os dias é visto a treinar na zona de Leça da Palmeira.
"Sou muito feliz aqui, gosto mesmo muito desta zona do Porto"
"Vim cá em 1998 pela primeira vez, para tentar a marca para o Pan-americano, em Coimbra, estava com 17 para 18 anos. Consegui o tempo que precisava. Mais tarde, comecei a correr a maratona e um amigo que eu fiz, o Luís Feiteira - atleta olímpico (Atlanta'96 e Londres'2012) português -, que esteve comigo nos meus primeiros Jogos, em Londres, desafiou-me a vir para cá e, a partir de 2011, comecei a vir e ficava na Moita. Em Leça da Palmeira estou há quatro anos", diz, assegurando adorar a localidade onde reside: "Agora daqui não saio mais. Sempre que vinha passear para aqui achava esta região muito bonita, mais do que Lisboa, e quando percebi que vinha para este paraíso disse ao Feiteira, que ficou de me arranjar casa, que podia fechar o negócio sem eu a ver a casa. Sou muito feliz aqui, gosto mesmo muito desta zona do Porto. Moro próximo do aeroporto, do shopping, tenho praia, posso correr para o lado de Lavra, posso correr para o lado do Porto. E depois tudo aqui é pequenino e perto, é como se fosse um bairro e eu morei em São Paulo, que é gigante e eu não gosto nada".
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Correr para ser feliz
Feitas as devidas apresentações, começam a surgir ensinamentos de Paulo Paula. "Sempre que entro numa corrida vou para me divertir e ser feliz, não entro preocupado com o que vou fazer. Sou um atleta de 43 anos, sirvo de inspiração para quem foi atleta e deixou de correr por causa da idade. Alguns voltaram e querem entender como consegui esta longevidade", expõe. "Para se ser bem-sucedido, seja em que atividade for, tem que se amar o que se faz, se não se amar não resulta. O segredo para ainda estar a correr é amor ao atletismo. Eu durmo com atletismo, respiro atletismo, como atletismo. Quando estou a correr esqueço todos os problemas. É uma fonte de energia e sou muito grato à minha profissão, porque saí de uma cidade pequena no interior do Brasil e conheci o mundo", reconhece. Vamos a mais: "Eu posso cair, que nunca vejo isso como uma derrota. Levanto-me e continuo porque sei que, lá na frente, tem algo melhor para mim. Caí em Sevilha, por exemplo, no km 21 e pensei: "sofri muito, treinei debaixo de chuva, com dores musculares, lutei", também pensei nas pessoas que me seguem, que me motivam, por isso levantei-me, continuei e até fiz uma marca boa, de 2h10". Segue-se outra história, mas esta olímpica: "Para Tóquio não consegui treinar direito, devido a uma lesão, mas falei para mim mesmo, "nem que eu chegue de cadeira de rodas", porque lá nos Jogos Olímpicos eu não me estou a defender a mim, estou a representar toda uma nação, que é o Brasil, e o pessoal daqui, Portugal. Não tinha condições de ir para a frente, mas tinha de chegar e assim fiz".
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A humildade de não esquecer as origens
"O facto de ser atleta olímpico não me faz diferente de ninguém. Sou apenas o Paulo Paula, que Deus abençoou com a oportunidade de estar em Jogos Olímpicos. A minha criação é de não esquecer de onde vim. O meu pai sempre me disse para nunca esquecer as origens, porque no dia em que eu as esquecer, perco a personalidade", recorda o brasileiro, que a seguir partiu para uma linha de raciocínio algo inesperado. "As pessoas continuam a pensar apenas em dinheiro. O dinheiro é necessário, não se pode dizer que não, mas é bom desde que dê para viver em condições, em paz e a amar o próximo, e sem se ser escravo ou obcecado por ele, porque se isso acontecer, deixa-se de ver o que há ao redor. Eu queria poder ajudar muita gente, mas não consigo. Mas sou muito grato ao senhor Carlos Maia, porque eu cheguei a Portugal praticamente sem nada, em 2019, e foi ele que me ajudou e continua a ajudar. É essa pessoa que me mantém aqui, dá-me todo o suporte, nunca me deixa faltar nada", revela, acrescentando: "Hoje eu tenho o meu cantinho e cheguei com 50 euros, nada mais. Cheguei e no outro dia já estava a correr. Os organizadores de prova sempre me trataram como um guerreiro, porque eu morro, mas não desisto", é o seu testemunho.